terça-feira, julho 05, 2005
GLAUBER ROCHA EM DOIS FILMES
Esse final de semana tive uma overdose de Glauber Rocha. Não sou de considerar overdose ver apenas dois filmes do mesmo diretor de uma só tacada, mas é que os filmes de Glauber ainda não me dão prazer estético. Ao contrário, acho-os cansativos, não me identifico nem me sensibilizo com seus temas e nem me envolvo com a história, que demora a chegar a algum lugar. Pelo menos dentro do que pude ver do diretor, que foram esses dois filmes vistos há poucos dias.
Tinha visto DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL (1964) na TV Cultura há bastante tempo e lembrava pouco do filme. Só que tinha achado muito chato e desde aquela época não quis mais saber de filme de Glauber Rocha. Não se trata de aversão a filmes de andamentos lentos. De forma alguma. Sou fã de Andrei Tarkóvski e aprecio Bergman, Visconti e Antonioni. Mas resolvi aproveitar que estou numa fase boa para rever meus preconceitos com cineastas que eu não conseguia gostar muito, como Fellini e Kurosawa, e aproveitando a chance de ver TERRA EM TRANSE (1967) no cinema, peguei também o DVD duplo do filme mais famoso de Glauber. Minhas impressões dos filmes:
DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL
Não sei se porque estou com o espírito muito inquieto pra ver esse tipo de filme, mas o fato é que assistir DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL foi muito doloroso pra mim. Senti um mal estar tremendo, uma agonia, uma vontade que o tempo passasse mais rápido.
Glauber estrelou com BARRAVENTO (1961). Não vi o filme, mas pelo que li é sobre um pescador que tenta abrir os olhos do povo de um vilarejo, que nada mais fazia para mudar a triste situação a não ser rezar. E é só rezar também o que faz o povo do sertão que segue o beato Sebastião. Chega a ser perturbador ver todas aquelas beatas cantando ave-marias naquele cenário de total miséria. Até lembrei daquela cena dos romeiros em CENTRAL DO BRASIL, onde um lugar que seria de adoração a Deus mais parece uma sucursal do inferno. Vendo aquilo ali dá até pra acreditar na morte como alívio.
O filme conta a história do vaqueiro Manuel (Geraldo Del Rey), que, depois de ter perdido suas poucas cabeças de gado, decide seguir desesperadamente os passos do beato Sebastião (Lidio Silva), levando consigo sua mulher Rosa (Yoná Magalhães). O beato, com seu discurso apocalíptico, estava arrebanhando muitos fiéis da Igreja, que logo tratou de arranjar um matador para dar cabo do velho. Chamam Antonio das Mortes (Maurício do Valle), conhecido como "matador de cangaceiro".
Acho essa primeira parte, da relação de Manuel com o beato, a mais arrastada do filme. Prefiro o segundo momento, quando Manuel se junta a Corisco (Othon Bastos), um dos poucos sobreviventes do bando de Lampião. Pelo menos garante o único momento divertido do filme: quando Corisco batiza Manuel de Satanás, sob o pretexto de que Manuel seria nome de vaqueiro. Não sei se o pobre do Manuel gostou de seu novo nome. Ah, posso dizer que também gostei da cena do beijo no final, ao som das Bachianas de Villa-Lobos. Destaque também para a seqüência brechtiana do diálogo/monólogo de Corisco relembrando a conversa que tivera com Lampião. Um cineasta clássico apelaria para o flashback; Glauber fez diferente.
Nos extras do DVD, tem depoimentos de várias personalidades envolvidas de alguma maneira com o filme. Interessante o depoimento de Orlando Senna, quando ele fala que a sessão de estréia nacional de DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL foi a mais emocionante de sua vida, com gente chorando e aplausos entusiasmados. O critico José Carlos Avellar, além de também dar seu depoimento, entrevista Othon Bastos e Yoná Magalhães, que contribuem para aumentar ainda mais a aura mítica em torno de Glauber. A mãe do cineasta conta que ele escrevia usando duas máquinas de escrever e costumava dizer que sua cabeça era como um vulcão em erupção, que ele precisava botar pra fora todas as idéias para não ficar louco. Achei interessante o que Avellar falou sobre o filme ser não só um produto da mente criativa de Glauber, mas também do próprio espírito da época, coisa que me passou pela cabeça quando vi TERRA EM TRANSE.
TERRA EM TRANSE
1967 é até hoje conhecido como o ano da psicodelia. O barroquismo do "Sgt. Pepper's" dos Beatles, o primeiro disco dos Doors, o "disco da banana" do Velvet Underground, o primeiro do Pink Floyd. Aqui no Brasil, começava o tropicalismo. Toda a agitação de TERRA EM TRANSE, auxiliada pelos rocks, pela percussão nervosa, pelo clima de contracultura, tudo é puro 1967. O filme é um dos melhores exemplos do que se pode chamar de "cinema-poesia" (em oposição ao "cinema-prosa"). O espírito do ano está presente em todo o filme, mas entra em maior sintonia com o rock e com o cinema europeu da época na cena em que o personagem de Jardel Filho se entrega aos prazeres dos sentidos, através de noitadas regadas a muito sexo e álcool. Fica claro que o personagem de Jardel é o alter-ego de Glauber: poeta atormentado, com muita vontade de mudar o rumo dos acontecimentos, com amargura pela falência das tentativas dos políticos.
TERRA EM TRANSE mistura tons exaltados de ópera com momentos mais intimistas. Naturalmente os tons operísticos acabam sendo predominantes. Como se fosse a melhor forma de Glauber botar pra fora toda sua ânsia em expor suas idéias, seus sentimentos, sua vontade. A gente sente no filme uma vontade de mudar o mundo, de revolucionar.
O elenco do filme é estelar: Jardel Filho, José Lewgoy, Paulo Autran, Glauce Rocha, Paulo Gracindo, Danuza Leão, Hugo Carvana. Só o elenco já dá uma noção do prestígio que Glauber tinha nessa época. E não é apenas o elenco que é estelar. Nomes de prestígio como Walter Lima Jr (assistente de direção), Luiz Carlos Barreto (diretor de fotografia), Eduardo Escorel (montador), Zelito Viana (produtor), Dib Lutfi (cameraman), abrilhantam a ficha técnica da obra. Dib Lutfi, inclusive, é louvado como o cara que precedeu a steadycam, graças à estabilidade no uso da câmera na mão.
De qualquer maneira, apesar de reconhecer todas essas qualidades, não pretendo ver outro filme do Glauber Rocha tão cedo. Até porque os outros filmes vão demorar um pouco para serem relançados. Se bem que vou pensar duas vezes se um dia tiver a chance de ver A IDADE DA TERRA (1980). Dizem que são três horas de muita loucura, que é o seu filme mais difícil.
Quem é de Fortaleza tem a chance de ver TERRA EM TRANSE até o final de julho, em sessões aos sábados pela manhã no Cine Benfica. O filme deve ser lançado em breve em DVD.
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