domingo, junho 25, 2023

OS CINCO DIABOS (Les Cinq Diables)



Tenho impressão que este ano de 2023 está mais fraco que os anteriores em quantidade de ótimos lançamentos, embora eu saiba que isso pode estar relacionado a filmes que não chegaram nos cinemas locais e ao fato de eu não estar tendo tempo de examinar de perto os melhores filmes que entraram nos streamings. Além do mais, quando estou em casa, tenho mais vontade de pegar um filme antigo para ver do que me arriscar com um novo, mesmo que se trate de uma obra com boa repercussão crítica. Quem sabe no segundo semestre…

Um dos poucos filmes novos que vi em casa foi este OS CINCO DIABOS (2022), de Léa Mysius. Trata-se do segundo longa-metragem da diretora. O primeiro foi AVA (2017), sobre garota que descobre que perderá a visão em breve. Este segundo trabalho também lida com um dos cinco sentidos, e talvez o menos valorizado, o olfato. Na trama, a menina Vicky (Sally Dramé) tem o dom de identificar com uma sensibilidade ímpar os cheiros de qualquer coisa. E há os cheiros preferidos dela, que ela guarda em recipientes, como por exemplo o cheiro de sua mãe Joanne (Adèle Exarchopoulos), por quem tem grande adoração. É pela via dos aromas que a pequena Vicky acaba se tornando uma pequena bruxa, e conseguindo a habilidade de viajar no tempo através de poções mágicas que ela mesma cria.

Essas poções a levam a momentos importantes da vida de sua mãe, de sua então namorada (Swala Emati) e de seu pai (Moustapha Mbengue). A narrativa segue no mistério, mas também na elucidação e compreensão dos fatos e, consequentemente, da amplitude de sabedoria por parte da criança, diante da vida, como um coming of age com pitadas de terror. Exarchopoulos está mais uma vez muito bem, muitas vezes se distanciando da facilidade que seria explorar mais sua beleza física. O filme trafega pelos aspectos mais perturbadores da alma humana, para em seguida poder oferecer um pouco de paz agridoce.

OS CINCO DIABOS é tanto um filme sobre viagem no tempo, uma história de amor lésbico, uma fita de horror, um estudo sobre a memória, uma obra sobre preconceito de cor e de gênero, ou um drama de descoberta de uma criança acostumada a sofrer bullying na escola pela cor da pele e pelo seu cabelo (ela é a única criança negra da turma).

+ DOIS FILMES

ONDE A VIDA COMEÇA (Tu Choisiras la Vie / Alla Vita)

O ator Stéphane Freiss (O AMOR EM 5 TEMPOS) estreia na direção de longas-metragens com este filme que vai ganhando o espectador aos poucos. Gosto de suas escolhas em vários momentos (como não usar trilha sonora) e também de algumas composições visuais, especialmente quando ele adentra os interiores das casas. O filme conta a história de uma jovem (Lou de Laâge, de RESPIRE e que estará no próximo Woody Allen) que acompanha a família de judeus (franceses) ortodoxos anualmente numa região da Itália afastada dos grandes centros. Ela está passando por um momento de crise em aceitar como destino um pretendente que seus pais desejam para ela. Ao mesmo tempo, sente-se atraída por um homem mais maduro do vilarejo (Riccardo Scamarcio, TRE PIANI), a única pessoa com quem ela passa a conversar durante aqueles dias. As conversas nem sempre são livres, pelas amarras da religião que ela ainda teme. Um dos momentos mais bonitos de ONDE A VIDA COMEÇA (2022) é um em que ela conversa com Deus pedindo a Ele para o abandonar. Há outro momento de explosão (a maioria das conversas é aparentemente tranquila) em conversa com o personagem de Scarmacio. A tensão funciona, ainda que não o suficiente para gerar uma obra tão memorável quanto gostaríamos, mas é um bom primeiro filme do diretor. Filme presente na 8 1/2 Festa do Cinema Italiano.

A ESTRANHA COMÉDIA DA VIDA (La Stranezza)

Posso culpar minha crise alérgica por não ter gostado nada deste filme que conta uma história do dramaturgo Luigi Pirandello, mas desde o começo já não estava me interessando por nada e achado o humor totalmente sem graça. E o curioso é que um ator do porte de Toni Servillo não consegue nem se destacar, já que seu papel é muito apagado. Os verdadeiros protagonistas são a dupla de atores e aspirantes a dramaturgos vividos por Salvo Ficarra e Valentino Picone, cujos dramas e situações são muito pouco envolventes. O que temos é um daqueles filmes de época tão maçantes quanto burocráticos, tão mornos quanto desprovidos de vitalidade. Talvez se o filme já nos adiantasse a novidade trazida por Pirandello, que surge já perto da conclusão, talvez isso trouxesse um interesse maior, mas apenas pela curiosidade mesmo, e não pelo talento do diretor e de seus roteiristas em saber conduzir a narrativa de maneira atraente. A ESTRANHA COMÉDIA DA VIDA (2022), de Roberto Andò, faz parte da programação do 8 1/2 Festa do Cinema Italiano.

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