quinta-feira, outubro 13, 2022

SETE CURTAS EXIBIDOS NO 32º CINE CEARÁ



É impressão minha ou a quantidade de curtas-metragens para a edição deste ano foi mais enxuta? De todo modo, em sua maioria, os filmes me agradaram. Teve curta que ajudou a solidificar a carreira de cineasta; teve curta que apresentou potenciais grandes realizadores. Enfim, falemos um pouco sobre cada um deles – faltei um dia da mostra competitiva, e por isso deixei de ver três curtas.

CAMACO

O tema de CAMACO (2022), o documentário de Breno Alvarenga, é curioso, ao abordar um dialeto criado pelos próprios mineradores do interior de Minas Gerais como forma de resistência. Trata-se de um dialeto adaptado do português e que faz inversões na fonética da língua. É informação nova e portanto bem-vinda, mas o filme tem uma estrutura muito quadrada e acaba por tornar o próprio tema pouco atraente, mesmo se visto à luz do que se conhece de informações extrafílmicas, como a presença da Vale como uma bênção, mas principalmente como uma maldição para os moradores daquela cidadezinha que cada vez mais se distancia da língua criada por seus antepassados.

FILHOS DA NOITE

O segundo documentário da noite de segunda-feira aborda depoimentos e imagens de homens gays da faixa de 50 a 70 anos de idade que lembram de histórias vividas, do preconceito sofrido, mas também das alegrias, mostrando graça no modo como vivem atualmente, agora já mais velhos, mas se sentindo ainda jovens por dentro. FILHOS DA NOITE (2022), de Henrique Arruda, procura aproximar a câmera com frequência para os corpos dessas pessoas, talvez com o objetivo de mostrá-las tão comuns quanto qualquer outra, ou talvez para nos mostrar a beleza do corpo envelhecido. De todo modo, foi outro documentário que pareceu pouco inspirado. O diretor é o mesmo da ficção científica distópica OS ÚLTIMOS ROMÂNTICOS DO MUNDO (2020).

ELUSÃO

Quando ELUSÃO (2022) começa, mostrando o casal discutindo no carro, com a noite menos escura graças ao brilho forte da bela lua, e a aparição de um outro carro com pessoas agitadas na estrada, tive a impressão de que estaria diante de um filme fantástico, cinema de horror, especificamente, levando em consideração que a produtora é Ticiana Augusto Lima, que dirigiu junto com Guto Parente A MISTERIOSA MORTE DE PÉROLA (2014). Mas Taís Augusto escolhe outro caminho a seguir, preferindo enfatizar a beleza dos planos, seja nos interiores, trazendo à tona o carinho dos dois personagens; seja nos exteriores, com a beleza das paisagens naturais de Lagoinha, praia do Ceará. É, certamente, um filme que merece ser revisto para ser melhor compreendido em sua beleza e complexidade.

ALEXANDRINA - UM RELÂMPAGO

Um jogo de palavras e de imagens que procura reverter o sofrimento e a captura das mulheres pretas na Amazônia em empoderamento a partir de figuras de religiões de matrizes africanas em enquadramentos muito bem pensados. Detalhes como os dedos pintados de preto tocando os animais aproximam a personagem principal deste filme sem uma narrativa convencional (ou vontade de ser didático) de uma espécie de bruxa sagrada ou entidade do além. ALEXANDRINA – UM RELÂMPAGO (2021), de Keila Sankofa, é o cinema usado como ato de defesa de um povo e de seus valores a frente de séculos de aprisionamento e proibição.

CELESTE (SOBRE NÓS)

Trazer trechos do clássico FEITIÇO DO TEMPO, de Harold Ramis, ajuda a enfatizar que este filme trata de mudança na percepção do mundo. No caso, do mundo de uma entregadora de pizza, após ter visto um astro passando pelo céu da cidade em suas idas para o trabalho. Mas o filme de Natália Araújo é rico em sua vontade de fazer bom cinema usando os recursos que tem, e os movimentos de câmera revelam coisas que estavam no extracampo e por isso invisíveis a nossos olhos. O melhor exemplo disso é o momento em que a protagonista entrega uma pizza em uma casa noturna onde um homem está cantando. CELESTE (SOBRE NÓS) (2022) é o tipo de filme que, por seu estilo um pouco mais clássico-narrativo, parece a apresentação de um futuro longa-metragem.

ÚLTIMO DOMINGO

É certamente um dos melhores curtas presentes na edição deste ano do Cine Ceará. Já chama a atenção quando se vende como uma adaptação de um trecho do romance O Evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago. Nas primeiras imagens, somos apresentados a uma fotografia em preto e branco (e scope) lindíssima, com uma direção de arte caprichada e uma dupla de atores muito boa, Jéssica Ellen e Edilson Silva. Ela, Maria; ele, José. Maria é visitada por um enigmático pedinte que retribui a refeição recebida com algo incompreensível para eles. Será maligno ou benigno? Maria, grávida de Jesus, é também outro enigma. E muito bom vê-los pretos, muito diferente das versões hollywoodianas. Mas o mais legal é o quanto ÚLTIMO DOMINGO (2022), de Joana Claude e Renan Barbosa, me deixou encucado com seus possíveis significados, além de trazer à tona o medo do patriarcado dos mistérios femininos.

BIG BANG

O novo filme de Carlos Segundo já chega com um prêmio importante no Festival de Locarno e confirma a força do realizador dentre seus contemporâneos. Em BIG BANG (2022) ele usa o recurso da câmera acompanhando o tamanho do protagonista, um homem que ganha a vida consertando fornos, já que é pequeno o suficiente para entrar dentro deles. Em um acidente do destino ele conhece uma empregada doméstica, e a conversa entre os dois é incrível. Tanto no modo como traz à tona a diferença de classes e o pouco valor que a "elite" os trata, como também é um daqueles momentos mágicos em que toda a plateia olha com a atenção, quase como se parasse de respirar. A opção do uso da fotografia que recorta as pessoas de tamanho mais convencional faz lembrar um recurso usado com crianças em VENENO PARA AS FADAS, de Carlos Enrique Taboada. No mais, um filme explosivo.

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