terça-feira, março 01, 2022

EUPHORIA – SEGUNDA TEMPORADA (Euphoria – Season Two)



Nas últimas semanas estive meio doente. Acho que já contei por aqui. Suspeita de Covid e tal – cujos testes deram negativos. Talvez tenha sido “apenas” mais uma crise alérgica terrível e uma necessidade de o corpo descansar e recuperar a energia na marra, mas o fato é que nesse período quase tudo que eu assistia de filmes e séries me parecia sem graça. Acho que a única coisa que eu curtia de verdade era ler histórias em quadrinhos – de preferência de super-heróis – deitado na cama. É como se o meu eu-criança parecesse ainda mais presente e mais carente de afeto. Mas um afeto um pouco mais distante, já que não estava sendo a mais simpática das criaturas do planeta.

Pois bem. O meu respeito por esta segunda temporada de EUPHORIA (2022) é que, mesmo com meu corpo cansado, e tudo mais, eu fiquei muito entusiasmado com o final da temporada. Só depois que eu vi as várias críticas negativas que muitos fizeram à série e até passei a questionar minha capacidade crítica. Que, aliás, sempre foi de gosto duvidoso para muitas pessoas de natureza mais cerebral. A minha sorte é que em gêneros mais “derramados”, como o melodrama ou os filmes de horror mais pesados, eu posso me esbaldar nos sentimentos carregados sem medo de ser mal visto.

Mas o fato é que a minha relação com EUPHORIA mudou muito nesta segunda temporada. Quando vi aquele episódio magnífico de retorno, “Trying to Get Heaven Before They Close the Door”, que se passa quase que totalmente em uma festa que reúne boa parte dos personagens da série, eu percebi que estava, até então, focando minhas atenções apenas no romance entre Rue (Zendaya) e Jules (Hunter Schafer). E dois personagens passam a ser os queridos da audiência logo neste episódio: o traficante de drogas Fezco (Angus Cloud) e a personagem mais quieta e observadora da turma Lexi (Maude Apatow, filha do cineasta Judd Apatow com a atriz Leslie Mann). Os dois conversam e se descobrem no sofá da sala, de maneira muito sutil, mas de fazer brilhar os olhos. E talvez essa minha relação com a Lexi seja de identificação, seja pelo aspecto de espectadora dela, seja por ela apostar em um amor impossível.

Enquanto isso, a protagonista da série, Rue, havia caído de novo nas drogas depois que sua amada namorada Jules foi embora. Mas acontece tanta coisa neste primeiro episódio e a câmera passeia de maneira quase bêbada por aquele espaço, que não dá nem muito tempo de ficarmos torcendo pelo retorno das duas. Além do mais, do ponto de vista técnico, há algo que salta aos olhos nesta nova temporada, que é seu visual. Seu criador, Sam Levinson, que dirigiu todos os episódios, optou por usar um tipo de película que já não estava mais disponível no mercado desde 2013, a Kodak Ektachrome 35MM. Levinson entrou em contato com a Kodak para saber se havia filme suficiente para usar em todos os oito episódios da temporada. O resultado é essa lindeza de grão, de textura e de cor muito especial. Coisa que se espera de quem geralmente costuma fazer cinema e não televisão.

Mas o que mais me conquistou em EUPHORIA foi mesmo o quanto Levinson conseguiu materializar uma enorme ferida em carne viva em uma obra de arte pop. Mais do que nunca, a série é sobre a dor de viver. E é difícil medir a dor alheia e talvez seja fácil ver a dor de Rue muito maior do que a dos demais – Zendaya está gigante neste que deve ser o papel de sua vida. Porém, como Rue passa boa parte da série sob efeito de drogas, talvez outras pessoas sintam mais a dor de viver do que ela. Nate, Fezco, Cal, Cassie (imagina o quanto essa menina sofre!), Jules, Maddy, a mãe de Rue (nunca devemos nos esquecer da dor das mães!).

E a temporada termina de maneira tão intensa que é preciso dividir o final em duas partes, criando suspense não apenas através das expectativas, mas através das idas e vindas no tempo, dos flashbacks e flashforwards. E a peça de teatro da Lexi é muito representativa dessa ferida aberta. A jovem observadora se desnuda a si e aos outros de tal forma que chega a causar uma sensação mista de empolgação com constrangimento. Especialmente no momento da tentativa de Cassie de barrar o espetáculo e brigar com a irmã pelo modo como ela a pinta em sua série. E com alguma razão. Afinal, a trajetória de Cassie, de alguém que é maltratada e vista como a gostosa que não merece respeito, que sofre no dia do aborto e agora sofre por estar apaixonada por um sujeito extremamente tóxico não é brincadeira. E Maddy ainda adianta para ela na cena do banheiro: “isso é só o começo”.

A tentação de falar mais dos episódios finais é maior pois eles estão mais frescos em minha mente, mas não dá para esquecer de alguns momentos bastante especiais da série, como o episódio “Ruminations: Big and Little Bullies”, que nos apresenta à juventude de Cal (Eric Dane), o pai de Nate (Jacob Elordi). Embalado pelo melhor do rock oitentista, ficamos sabendo da relação de amor e amizade que o jovem Cal teve e que foi interrompida por causa da gravidez da namorada, que fez com que ele abandonasse uma vida mais abertamente gay para se sujeitar a uma vida dupla sob a fachada de uma família normal.

Esse jogo da série com o tempo já aparece no primeiro episódio, que conta a história do jovem Fezco e sua difícil infância; depois também teremos episódios focados nos demais personagens. E há aquele episódio que pode trazer mais um Emmy para a Zendaya, "Stand Still Like the Hummingbird", em que sua personagem é confrontada pela família, que descobre seu uso diário de drogas e resolve fazer uma intervenção. A intervenção resulta em violência e fuga da personagem. Fuga da polícia, dos amigos, enquanto seu corpo passa pela máquina de moer a alma que é a crise de abstinência.

Enfim, esta segunda temporada pode não ser perfeita e minhas emoções podem ter nublado tudo, e, ao que parece, houve muitos problemas nos bastidores entre diretor e parte do elenco, mas acho que prefiro essa coisa mais caótica e cheia de pulsação do que os roteiros bem amarrados que resultam em obras frias. Pode ser uma desculpa, mas é uma desculpa sincera.

+ DOIS FILMES

BELLE (Ryû To Sobakasu No Hime)

Primeiro filme de Mamoru Hosoda que vejo e fiquei com sentimentos mistos, talvez por achar um pouco aborrecidas as cenas no universo virtual. Mas como gostei muito dos personagens, da temática e da excelência técnica, fica a impressão de ter sido um privilégio poder ver uma obra como essa, em sua língua original, no cinema. Na trama de BELLE (2021), garota muito tímida, com pouca autoconfiança e que sofre ainda com o luto da morte da mãe se vê como uma estrela da música ao adotar o avatar "Belle" na rede social U. É interessante que o diretor adota um tipo de desenho, mais tradicional, para as cenas no mundo real e outro, mais moderno, para o mundo virtual. Gosto do encaminhamento do filme, por mais que eu tenha achado aquele finalzinho parecido com teatrinho de escola infantil. De todo modo, imagino que o longa é mais destinado a um público mais jovem mesmo, embora sua sofisticação alcance públicos de todas as idades. Adorei a cena mais bem-humorada do filme, capaz de arrancar boas gargalhadas a partir da tradicional timidez do povo japonês, ainda mais sendo ele um adolescente.

THE BEATLES: GET BACK - O ÚLTIMO SHOW (The Beatles: Get Back - The Rooftop Concert)

Mesmo não sendo mais nenhuma novidade para quem já teve a experiência completa de THE BEATLES – GET BACK (2021), de Peter Jackson, esta versão para cinema entitulada THE BEATLES: GET BACK – O ÚLTIMO SHOW (2022), como o próprio nome diz, conta apenas com o show no telhado, mas intensifica o nosso amor por esse momento. Afinal, uma tela de cinema, ainda mais sendo IMAX, tem esse poder. E quando traz música boa, então, nem se fala. Ainda lamento que tenham sido poucas as canções tocadas no show, mas não tanto quanto na primeira vez que assisti. Na primeira vez que John canta "Don't let me down" quase choro, mas foi mais por estar me dando conta da união harmônica da banda naquele momento, apesar de todos os entraves e do fim próximo. "One After 909" segue sendo a canção mais animada e mais divertida, a guitarra de "I've Gotta a Feeling" ganha um peso monstruoso no cinema, e "Dig a Pony" sempre me emociona. Alem do mais, “Get Back" virou aquela canção que eu nem gostava, mas que passei a amar depois de ver o documentário.



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