quarta-feira, dezembro 08, 2021
NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA (Annie Hall)
É interessante que NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA (1977) talvez nem esteja em um top 10 de favoritos meus do Woody Allen. Mas foi a terceira vez que o vi, dada sua incontestável importância, tanto na filmografia do cineasta, quanto na própria história do cinema da chamada Nova Hollywood. Acredito que minha implicância, se é que dá para chamar assim, com o filme se dê pelo fato de que se chame “Annie Hall” e trate muito mais da própria história pessoal de Allen, ou da persona que ele estava criando com ainda mais força, do que do romance entre o comediante Alvy Singer (Allen) e uma mulher aparentemente boba chamada Annie Hall (Diane Keaton).
Aliás, o termo “boba” aparece na sinopse oficial do filme no IMDB e eu não concordo, na verdade. Acho que a aparente simplicidade e o jeito desajeitado de Annie compõem aquilo que a deixa apaixonante. Muito por culpa de Diane Keaton, claro, que estava encantadora neste filme. Além do mais, o próprio figurino usado pela personagem é da própria Diane, o que só ajuda a aumentar o seu crédito de cocriadora da obra. Na época, ela já morava em Los Angeles e já não namorava mais Allen. Tornaram-se grandes amigos por toda a vida. Sabendo disso, talvez aumente a impressão de que o filme teria sido feito pensando na relação dos dois.
NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA também tem o mérito de iniciar uma série de ousadias de Allen que foram impressionantes ao longo dos próximos anos. É incrível o salto que ele deu, ainda que eu já pudesse ver muito disso em SONHOS DE UM SEDUTOR (1972), também estrelado por Allen e Keaton, baseado em uma peça de Allen, mas com direção de Herbert Ross. Aliás, pela minha memória, esse filme foi o que mais me fez rir de toda a carreira de Allen. Mas SONHOS... é um filme de gags, enquanto NOIVO...é uma obra mais ousada formalmente, embora ainda utilizando muito as piadas desde o início. Afinal, essa é a formação de Allen.
Uma formação que me impressiona. O cara começou como um comediante stand-up para depois se tornar um dos cineastas mais cultuados e festejados de todos os tempos. Ele incorpora a comédia em uma estrutura bem mais cinematográfica. Aqui a fotografia é de Gordon Willis, que havia trabalhado em O PODEROSO CHEFÃO, e a partir de então, Allen sempre procuraria um excelente fotógrafo para trazer mais luz para sua obra, seja mais alegria ou mais melancolia e pessimismo (gosto de quando Allen/Alvin Singer divide a humanidade entre aqueles que têm a vida horrível e aqueles que têm a vida miserável, por exemplo.)
E melancolia e pessimismo não faltam em NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA, já que é um filme um sobre o fim de uma relação. E já no começo do filme Alvy já avisa isso. Então, o que nos resta é aproveitar os bons momentos dessa relação que se estabelece entre o protagonista e sua nova namorada. Curiosamente, essa questão mais amorosa do filme, eu vejo como eclipsada pelo humor, pelas cenas das lembranças de infância, pelas questões políticas da época, pela rapidez dos diálogos (quase uma aceleração do que Howard Hawks fazia em suas comédias dos anos 1930) e pela intenção de Allen em mostrar suas idiossincrasias. Por sorte, o filme contou com a ajuda do montador Ralph Rosenbaum, e trouxe um pouco mais de foco para o relacionamento dos dois.
Mas muito do que impressiona no filme e que o torna admirado por muitos apreciadores de cinema é a forma inteligente com que Allen consegue transpor ideias para a linguagem do cinema, como o monólogo interior com legendas de Alvy e Annie, ou a cena em que o espírito de Annie toma distância e fica ela mesma e Alvy fazendo sexo. Há diversos outros casos. Coisas que foram pensadas para o cinema e não poderiam ser feitas da mesma maneira no teatro, por exemplo, ou na literatura.
Curiosidades que eu não lembrava das outras vezes que vi o filme são os atores que aparecem em cenas curtíssimas e que não eram famosos na época: Jeff Goldblum, Sigourney Weaver e Christopher Walken. Truman Capote aparece rapidamente também. Allen havia convidado Luis Buñuel para aparecer em seu filme, mas o mestre espanhol teve que declinar por estar ocupado, provavelmente fazendo um de seus últimos filmes.
O fato de Allen não ter ido buscar suas estatuetas ganhadas pelo filme na festa do Oscar (ganhou os prêmios de filme, diretor, roteiro e atriz) não diminuiu suas indicações posteriores ou seu prestígio na academia. Só de uns tempos para cá que seus filmes pararam de ser indicados, seja pela queda de qualidade ou repetição, seja por seu triste processo de cancelamento.
Agradecimentos a Paula pela companhia durante a sessão.
+ DOIS FILMES
NO RITMO DO CORAÇÃO (CODA)
Feel good movie para aquecer o coração e com uma performance linda da jovem Emilia Jones (revelada ao grande público na série LOCKE & KEY). Emilia aprendeu a linguagem de sinais para fazer o filme e também a mostrar que sabe cantar lindamente. É difícil não gostar do filme, a não ser quem tenha visto a primeira versão (francesa) e faça comparações. Na trama NO RITMO DO CORAÇÃO (2021), de Siân Heder, ela é a única filha que fala de uma família de surdos e que durante sua vida inteira (a personagem tem 17 anos) foi a intérprete dos pais e do irmão mais velho. A família tem um negócio de pesca e tem passado por situações difíceis. A personagem de Emilia também está vivendo situações novas e desafiadoras, como um interesse amoroso, mas principalmente seu futuro como estudante de música em uma conceituada faculdade. Há diversos momentos para rir bastante e outros tantos para, quem sabe, deixar correr uma lágrima.
A CRÔNICA FRANCESA (The French Dispatch)
Como um filme de episódios, A CRÔNICA FRANCESA (2021), de Wes Anderson, bem que podia ser mais regular. Mas não sei se o meu problema com o terceiro "episódio" foi do cansaço do estilo adotado (que é visualmente muito bonito e o texto é espirituoso e tudo) ou se é mesmo um episódio inferior aos demais. O primeiro episódio, só pela presença de Léa Seydoux, já me ganhou. Além do mais, a história é bem interessante e o uso do preto e branco contrastante com cores eventuais ficou bem bom para um diretor que sabe o que quer quando se trata de cor. Aliás, foi muito saudável para Anderson ter um elenco francês para abrilhantar ainda mais sua trupe ilustre. O segundo episódio, uma brincadeira com a primavera francesa, também tem sua graça e Timothée Chalamet, que já tem um jeitão blasé, podia ingressar de vez na turma de Anderson. Mas é a tal coisa, quem já não é tão entusiasta do diretor (como é o meu caso), gosta, mas sente falta de um tipo de sentimento mais humano, como havia em alguns de seus títulos dos anos 2000.
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