Não sei o que mais me deixou irritado neste filme: a personagem de Marlene Dietrich, Concha Perez, que faz gato e sapato de um homem (de bem mais de um homem, na verdade), ou se do infeliz que não consegue virar a página, o Capitão Don Pasqual Costelar, vivido por Lionel Atwill. Pensando bem, quem mais merece mesmo o nosso desprezo é o tal homem, que não consegue dominar seu coração.
O problema é que em MULHER SATÂNICA (1935) Marlene Dietrich já nem estava tão bela quanto nos trabalhos anteriores de Josef Von Sternberg. Se fosse uma femme fatale mais bela talvez nós entendêssemos um pouco mais a obsessão de Pasqualito (como Concha costuma chama o homem, meio que carinhosamente, meio que tirando sarro do coitado, que fica mendigando seus beijos e só recebe traições ou enganações em troca.
O drama de Don Pasqual é narrado, em parte, em um longo flashback, a outro homem, Don Paquito (Edward Everett Horton), que seria supostamente mais uma vítima dos feitiços de Concha, nesta trama que se passa durante a revolução na Espanha, no século XIX. Na verdade, a intenção de Don Pasqual era espantar o novo rival, mais jovem e belo do que ele.
Como se trata de um filme de Sternberg, já se espera todo um trabalho de direção de arte bem cuidada, como foi o caso, principalmente, do anterior, A IMPERATRIZ VERMELHA (1934), o mais barroco de todos os trabalho do diretor. Em MULHER SATÂNICA os cenários são bem menores e econômicos, mas o diretor consegue nos deixar dentro da ação com poucos recursos. Vemos poucos lugares: a casa onde mora Concha, o local do carnaval do começo do filme ou a estação de trem, tudo mostrado numa espécie de filtro. Gostei particularmente de uma cena de chuva.
Mas, no geral, parece que o cineasta já se cansava de trabalhar com Dietrich e vice-versa. Por outro lado, ela tem uma representação tão forte no cinema do diretor que imaginá-lo sem sua musa é até difícil, por mais que muitos elogiem seu trabalho seguinte, o ambicioso CRIME E CASTIGO (1935), adaptação do famoso romance de Dostoiévski.
A despedida da parceria Sternberg-Dietrich representa um fechamento de um ciclo bem interessante, em que a mulher é mostrada muitas vezes em situação de poder. Já começou assim no primeiro filme que fizeram juntos, O ANJO AZUL (1930), mas a versatilidade de Dietrich se mostrou bem mais atraente quando ela encarnou mulheres mais sensíveis e apaixonadas, como foi o caso de seus papéis em MARROCOS (1930) e DESONRADA (1931), não por acaso filmes em que ela aparece com uma beleza bem mais digna de nota.
MULHER SATÂNICA é também mais um exemplo do interesse do cineasta por locais exóticos. Por mais que percebamos uma visão bem estereotipada do povo espanhol, não dá para negar que há também um fascínio do diretor pelo estrangeiro, que funciona mais uma vez aqui para oferecer combustível para a construção de mais uma extravagância visual na obra de Sternberg.
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