E a primeira sessão organizada pela Aceccine (Associação Cearense de Críticos de Cinema) foi um sucesso. O filme escolhido, e exibido no último domingo, dia 6, foi CORPO ELÉTRICO (2017), de Marcelo Caetano. A sessão, lotada e com muita gente que ficou de fora, sem poder assistir a essa première, contou com a presença do diretor para um debate muito enriquecedor sobre a obra e sobre as questões que ela levanta.
Trata-se do primeiro longa-metragem do diretor, que já trabalhou como assistente de direção de cineastas como Kiko Goifman, Hilton Lacerda, Gabriel Mascaro e Anna Muylaert. Logo, ele faz parte dessa nova geração de ótimos realizadores que trazem uma saudável inquietação para a tela e, em consequência, para a audiência.
O diretor, no debate, comentou que assistiu bastante FALSA LOURA, de Carlos Reichenbach, como um exemplo de trabalho que dialoga bastante com o seu filme – Caetano afirmou que seu filme-farol é ANJOS DO ARRABALDE, também do Carlão. Assim, no que se refere ao trabalho em uma fábrica e à busca urgente do prazer no pouco tempo livre que resta a esses personagens, há, sim, uma conversa com esses dois cinemas que demonstram amor pelos menos favorecidos pela sociedade e que trabalham por muitas e muitas horas diariamente.
Diferente do cinema de Carlão, no entanto, o trabalho de Caetano tem uma preocupação (ou interesse natural) por um tipo de cinema-verdade, que flerta com o documentário e de diálogos mais realistas. A primeira cena, em que vemos o protagonista Elias (Kelner Macêdo) contando um sonho que teve envolvendo o mar traz uma intimidade que conquista e fascina o espectador logo no início, e que demarca o território de aproximação de corpos que será uma constante em todo o filme, a partir da relação que Elias estabelece com o universo ao redor.
Há quem vá estranhar no filme o modo como os personagens se aproximam uns dos outros de maneira tão intensa, ainda mais levando em consideração que há uma intenção de dar voz aos grupos gays mais marginalizados, como é o caso, principalmente, do núcleo familiar de Wellington (Lucas Andrade), constituído de pessoas que trabalham no entretenimento da noite, nas boates. O filme, inclusive, traz nomes como Marcia Pantera, Mc Linn da Quebrada e outras conhecidas de quem acompanha o trabalho de transformistas da noite paulistana.
O filme frustra algumas expectativas, o que sinaliza um flerte com a vida real. Há, por exemplo, o caso do migrante africano que chega até a fábrica e que desperta o desejo de Elias mas que é algo que acaba não se concretizando. Há uma fuga do amor romântico em todo o filme, tipo de amor que seria opressor, segundo o diretor.
No entanto, a alegria de viver e a liberdade de estar com quem quiser de Elias acabam, eventualmente, trombando com uma melancolia que nasce dessa necessidade (e dessa facilidade) que o personagem tem de estar sempre perto de alguém – não necessariamente em busca de sexo fácil - e isso funciona como uma mola para que a conclusão seja carregada de uma espécie de medo de Elias de não querer ficar só. Mas isso só torna a obra ainda mais rica e complexamente interessante.
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