segunda-feira, julho 24, 2017

O FILME DA MINHA VIDA

O terceiro trabalho na direção de Selton Mello talvez tenha como principal calcanhar de Aquiles a sua intenção de ser grandioso em lirismo, mesmo abordando a vida de uma pessoa comum. Assim como MULHER DO PAI, de Cristiane Oliveira, O FILME DA MINHA VIDA (2017) é sobre a dificuldade de crescer e lidar com a ausência de algo ou alguém e ambos os filmes se passam em pequenas cidades do interior do Rio Grande do Sul. Mas, diferente de Oliveira, que fez um filme deliberadamente pequeno, Selton quis algo mais ambicioso. E a produção é realmente admirável, com uma fotografia linda de Walter Carvalho, uma atenção especial com o desenho de som e algumas canções matadoras.

O FILME DA MINHA VIDA também tem o mérito de transbordar vontade de viver por todos os poros. Mesmo que viver seja algo muito doloroso, diante das ausências sentidas. Há a principal delas, que é a ausência do pai de Tony (Johnny Massaro, ótima revelação). O pai do rapaz, , vivido por Vincent Cassel, aparece principalmente nas memórias da infância do garoto, antes de desaparecer sem maiores explicações.

Mas há mais ausências também. A ausência dele para a sofrida mãe de Tony (Ondina Clais Castillo), a ausência de alguém na vida do melhor amigo de Tony, um sujeito que cria porcos chamado Paco (Selton Mello), a ausência de um amor na vida de Tony, que é sentida mais no desejo que ele nutre por duas lindas irmãs, Luna (Bruna Linzmeyer) e Petra (Bia Arantes). Há uma sequência em particular que mostra a confusão no desejo do rapaz, quando ele as imagina fazendo uma espécie de número musical.

Tony não sabe lidar ainda com esse desejo e talvez por isso, por ele não ser exatamente obcecado (e nem apaixonado) por Luna, essa questão mais romântica acaba um pouco diluída, ainda que o diretor saiba colocar canções e imagens plenas de lirismo para emoldurar esse sentimento de excitação (no sentido mais amplo da palavra) por parte do jovem protagonista.

O personagem de Selton Mello, Paco, é o que oferece mais riso para o espectador. Como não rir quando o garçom oferece vinho branco e ele diz que vinho branco só serve para lavar os pés? Ao mesmo tempo, há algo de amargo no jeito como Paco vê a si mesmo, como quando ele pergunta a uma prostituta se ele se parece com um porco. No fim, a gente entende um pouco mais o porquê disso, mas mesmo naquele momento, é compreensível esse tipo de pergunta, levando em consideração que ele está sozinho e sente desejos pela mãe de Tony.

Há, perto do final, um momento em que o filme ganha uma barriga, perde um pouco da magia de recordação juvenil que até então prevalecia, mas é possível que isso tenha sido proposital, já que é o momento em que a realidade entra com força na porta de Tony, quando ele descobre alguns segredos importantes sobre ele e as pessoas que lhe são caras.

Adaptado do romance Um Padre de Película, do escritor chileno Antonio Skármeta (o mesmo de O Carteiro e o Poeta), O FILME DA MINHA VIDA tem um quê de CINEMA PARADISO, até pela fotografia em tom onírico, e a história, embora se passe em 1963, parece se passar nos anos 1950, uma década que ainda tem algo de inocência em torno de sua aura. Essa confusão temporal ajuda a nos transportar para esse universo todo próprio do filme.

Há inúmeros detalhes que fazem com que este terceiro longa-metragem de Selton Mello seja tão ou mais importante que seus trabalhos anteriores - FELIZ NATAL (2008) e O PALHAÇO (2011). Além do que já foi citado, como não ficar impressionado com as marcas de expressão de Rolando Boldrin, vivendo aqui um maquinista? Ou as várias canções que emolduram as cenas, como "Coração de papel", por Sérgio Reis, "I put a spell on you", por Nina Simone, e principalmente "Hier encore", de Charles Aznavour? Essas canções mexem com as emoções do espectador de forma exponencial dentro da sala escura. Nem sempre Selton Mello consegue domar tantas emoções juntas, mas é melhor assim.

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