Entre os filmes que não chegaram aos cinemas brasileiros, CERTAS MULHERES (2016), de Kelly Reichardt, talvez seja o que mais fez falta na telona. Não que seja uma obra de muitos planos gerais ou coisas do tipo. É justamente essa aproximação mais requerida entre personagem e espectador que seria importante na telona. Porém, na falta de uma telona, ver o filme com o espírito tranquilo, numa madrugada dessas, também funciona que é uma beleza. Inclusive para nos deixar desconfortáveis com suas histórias, sendo que a minha preferida e mais impactante, no sentido de trazer dor e angústia para o lado de cá, é a que traz Kristen Stewart como uma professora de Direito e Lily Gladstone como a vaqueira de jeito simples que fica encantada com aquela jovem mulher que leva quatro horas para chegar até aquela cidadezinha.
A beleza de cada palavra não dita, os momentos em que os olhares se encontram e principalmente não se encontram – Kristen é ótima em fazer o tipo tímida e imaginem ela dentro de uma sala de aula, toda desconcertada –, tudo neste terceiro segmento contribui para que seja uma leve e gentil facada no peito. E este segmento é o que mais torna a obra de Reichardt valiosa e muito parecida com alguns contos modernistas que lidam com problemas simples e do dia a dia de certas mulheres. É possível se lembrar de Clarice Lispector, Katherine Mansfield ou Virginia Woolf. O que, aliás, é muito bom, levando em consideração que muitas vezes o cinema parece estar um pouco parado no tempo, em sua estrutura convencional.
As demais histórias, ainda que menos impactantes, não deixam de ter também o seu valor, principalmente pela força das atrizes que as interpretam. A primeira traz a grande Laura Dern como uma advogada que tenta ajudar um cliente frustrado. É a história em que mais coisas acontecem, ainda que o tom seja exatamente o oposto de um filme de plot, levando em consideração que há uma situação envolvendo polícia e refém.
Numa dessas histórias em que nada parece estar acontecendo, vemos Michelle Williams fazendo um papel bem distinto do visto em MANCHESTER À BEIRA-MAR. O tom é mais sutil, mas ela traz igualmente aquele sorriso sem graça que lhe caracteriza há algum tempo. Ela está acampando com o marido e a filha adolescente e percebemos que há um atrito entre ela e a filha. Mas o que mais torna a história incômoda é a conversa que ela tem com um senhor que mora isolado. Ela deseja comprar dele umas pedras que remontam a tempos históricos dos Estados Unidos. O velho senhor não parece muito feliz com a proposta, embora não negue doar as pedras. No fim do segmento, fica aquele gosto amargo. Mal sabíamos que um amargo maior ainda estaria por vir no melhor segmento, o que traz a já citada história estrelada por Kristen Stewart, que está cada vez mais se mostrado uma atriz de primeira grandeza. De dar gosto mesmo.
Quanto à diretora Kelly Reichardt (vou demorar um pouco para aprender a escrever o nome dela) , é bem o caso de ir atrás de outras de suas obras, até porque este é apenas o sexto longa-metragem dela. Um deles, inclusive, WENDY AND LUCY (2008), traz Michelle Williams como protagonista.
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