domingo, fevereiro 26, 2017

OS BELOS DIAS DE ARANJUEZ (Les Beaux Jours d'Aranjuez)























Ao que parece o Wim Wenders que a gente conheceu nos anos 1970 e 1980 morreu há muito tempo. O que vive hoje é uma sombra do que foi, embora ainda consiga fazer bons documentários, como PINA (2011) e O SAL DA TERRA (2014). Esses dois filmes, aliás, comprovam o gosto do cineasta alemão por diferentes expressões artísticas, como a dança e a fotografia. Logo, se Wenders perdeu a mão em comparação com o que foi em sua fase áurea, pelo menos seu interesse pelas artes tem motivado o diretor para desenvolver projetos interessantes.

OS BELOS DIAS DE ARANJUEZ (2016), seu mais recente trabalho, é uma experimentação que une teatro (já que é baseado em uma peça) com literatura (pois é muito dependente da palavra e há uma história dentro da história narrada por um escritor-deus-criador). O filme é convidativo nos créditos iniciais, quando se inicia com a linda "Perfect day", de Lou Reed. Poder ouvir esta canção no cinema, e integralmente, já é mais do que motivo para agradecermos a Wenders.

O interesse pela música, e pelo rock, especificamente, já transparece em obras famosas de Wenders, como ASAS DO DESEJO (1987), ATÉ O FIM DO MUNDO (1991), TÃO LONGE, TÃO PERTO (1993) e O HOTEL DE UM MILHÃO DE DÓLARES (2000). A presença antológica de Nick Cave em ASAS DO DESEJO, aliás, é mais ou menos reprisada no novo filme, com uma participação discreta, cantando e tocando ao piano uma de suas mais belas canções.

Infelizmente, o jogo com a música do filme serve apenas para nos deixar um pouco animados diante do desinteressante diálogo que segue entre um homem e uma mulher, que falam sobre as experiências sexuais dela. Ele tenta lhe puxar as memórias mais detalhadas possíveis sobre a primeira vez e também de outros momentos. Mas não há a menor intenção de que essa conversa seja contada de modo a excitar o espectador, como em SEXO, MENTIRAS E VIDEOTAPE, de Steven Soderbergh. Longe disso.

Aqui chegamos até mesmo a ficar dispersos diante da tentativa de o filme de soar poético. Esse esforço chega a cansar já nos minutos iniciais. Imaginem como ficamos durante quase duas horas de conversa cheia de rodeios e floreios. Wenders tenta usar o vento e a beleza plástica da fotografia para nos enganar em alguns momentos. Mas o foco é mesmo o diálogo difícil de gostar.

Baseado numa peça de Peter Handke, amigo e colaborador de roteiros de Wenders desde O MEDO DO GOLEIRO DIANTE DO PÊNALTI (1972), o filme não tem interesse em esconder sua origem teatral, embora possa muito bem parecer uma experimentação de um desses cineastas novos ou não tão novos que trabalham com diálogos nada naturalistas. A impressão que fica é que o texto ficaria muito melhor se fosse apenas lido. Lido num livro, sem as distrações que a imagem traz. Pena constatar que Wenders mais atrapalha do que ajuda com a imagem em movimento de um texto teatral, quando deveria ser o contrário.

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