sábado, fevereiro 06, 2016
MATE-ME POR FAVOR
Sempre muito agradável quando vemos que o cinema de gênero, especialmente do gênero horror, está começando a se estabelecer com mais força em nossa cinematografia. Se o Brasil é tão rico em folclore e superstições e também bebeu por tantos anos da fórmula de filmes de horror americanos, britânicos, italianos ou japoneses, não há por que não acreditar que ótimos exemplares surjam no Brasil também.
MATE-ME POR FAVOR (2015), de Anita Rocha da Silveira, é muito feliz em tratar o tema de um assassino serial aterrorizando a vida de jovens, especialmente meninas, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, lidando também com questões bem próximas da idade de suas personagens, como o desejo sexual latente, o beijo na boca, o bullying na escola, a rivalidade entre as meninas etc. Junte-se a isso a obsessão por coisas mórbidas ou nojentas, como o modo como as vítimas do assassino se encontram depois que seu corpo é encontrado e nessa fórmula até poemas de Augusto dos Anjos entram na brincadeira. É como se Anita Rocha da Silveira fosse o mais próximo que temos atualmente de David Cronenberg, ao lidar o tempo todo com feridas, hematomas, chupões, embora essa afirmação seja ainda um tanto cedo para se fazer.
Curiosamente, o elenco de adultos é inexistente. Bia, a personagem principal, mora com o irmão e a mãe que nunca aparece (viajou para algum lugar, aparentemente). Não vemos os pais, professores e até mesmo quando é comunicado o assassinato de um garoto, isso é ouvido pela caixa de som da escola. Mesmo a igreja evangélica, que é usada como tiração de sarro no enredo (com direito a trilha musical), tem como principal pregadora uma das jovens do elenco. O namorado de Bia é um jovem frequentador da igreja que tem receio de estar fazendo algo errado, ao transar com a namorada antes do casamento.
Enquanto isso, o desejo é mostrado como algo bastante próximo da violência. Os beijos são violentos e tórridos, com direito a uma cena de pegação entre duas meninas dentro de um banheiro e outra dentro da sala de aula. Vemos dois jovens se beijando como se estivessem sozinhos, entre quatro paredes. E como os adultos parecem inexistir, é como se tudo fosse permitido, ainda que tudo seja também muito perigoso, com essa onda de assassinatos à solta. Mas viver é divertido e a morte é fascinante, como Bia descobre ao encontrar, em seus últimos suspiros, uma jovem deixada para morrer pelo assassino.
Há muito funk carioca, como Claudinho & Buchecha, além de clássicos internacionais dos anos 80/90 e o misto de brincadeira com seriedade pode confundir e fazer com que muitos vejam o filme como um projeto equivocado. Mas como não ficar impressionado com a sequência final, que problematiza e torna a questão dos assassinatos uma indagação reflexiva? Isso faz com que o que poderia ser um mero whodunit ganhe ares de autocrítica. E se as coisas ainda não ficam muito claras, pouco importa. O mistério não é algo tão ou mais fascinante quanto o descobrimento?
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