domingo, fevereiro 23, 2014
12 ANOS DE ESCRAVIDÃO (12 Years a Slave)
O sentimento de revolta é o que mais nos martela ao ver 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO (2013), terceiro longa-metragem do cineasta inglês Steve McQueen. Imagine ser livre, ter uma família que ama e de repente ser capturado e virar moeda de troca para trabalho escravo de latifundiários sádicos e perversos. Pois essa é a história de Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) e o filme de McQueen nos leva a sentir um pouco pelo que passa este homem que, apesar de todas as humilhações, mantém sua nobreza de caráter intacta.
Ver 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO até faz com que a fé cristã seja posta em xeque, já que o que os escravos aprenderam do Evangelho e que passaram adiante em igrejas protestantes foram passadas pelos senhores de escravos, que ainda tinham a cara de pau de afirmar que todo o sofrimento que eles estavam passando tinha o aval da Bíblia.
No Brasil, por exemplo, os negros foram mais rebeldes, ao manterem vivas religiões afrobrasileiras, até como uma forma de recusa aos dogmas trazidos da Europa. Nos Estados Unidos, porém, não se pode dizer que eles não foram beneficiados com criações gloriosas nascidas da dor, como os spirituals, que depois deram origem a ritmos como o blues, o jazz, o r&b, o soul, o rock'n'roll, o funk ou o rap, com o passar dos tempos. Quer dizer, não dá para imaginar a sociedade ocidental sem essa música rica e influente.
É justamente num desses momentos de dúvida do protagonista, entre aceitar ou não as canções do inimigo, que falam da ida para um lugar melhor, o céu, o paraíso, que Solomon finalmente aceita, no funeral de um escravo que morreu "em serviço". Era viver em rancor eternamente ou crer na glória no céu, depois do sofrimento na Terra.
Steve McQueen, cineasta negro, um estrangeiro abordando um tema americano, mas tão pouco explorado, representa a raça, justifica esse belo trabalho. No ano passado tivemos dois filmes que abordaram o tema, LINCOLN, de Steven Spielberg, e DJANGO LIVRE, de Quentin Tarantino. Mas se o primeiro focava em um momento específico da vida do Presidente que declarou uma guerra contra a escravatura e o segundo fez uma abordagem mais próxima do cinema blaxploitation, McQueen opta por um caminho realista e mais ligado ao tema da escravidão, especificamente.
No prólogo, que antecipa um momento que seria retomado posteriormente, vemos Solomon tentando escrever uma carta utilizando um graveto e amoras machucadas. Devido à dificuldade, ele desiste. Essa sensação de indignação, de impotência, só cresce ao longo do filme. Uma sequência é, sem dúvida, inesquecível: Solomon está enforcado com apenas as pontas dos pés encostadas no chão. Ao fundo, ninguém se mexe para ajudá-lo, como se aquilo fosse algo normal. A trilha sonora, de Hans Zimmer, emula de maneira eficiente o clima de opressão por que passa o personagem.
A cena das chibatadas na personagem de Lupita Nyong'o só não é mais impactante porque não é tão gráfica quanto em, por exemplo, A PAIXÃO DE CRISTO, de Mel Gibson, mas imaginar isso é até perverso de nossa parte. Muito elegantemente, McQueen vira sua câmera para a pessoa que está recebendo as chicotadas, mas a preferência é destacar a dor de Solomon ou o comportamento perverso do personagem de Michael Fassbender.
Quanto ao final extremamente dolorido, o pedido de desculpas por parte de Solomon é de cortar o coração. Como pedir desculpas depois de tudo o que passou? A liberdade, tema também dos outros dois longas de McQueen, HUNGER (2008) e SHAME (2011), não poderia encontrar espaço mais apropriado do que neste pequeno recorte de um dos momentos mais vergonhosos da História das Américas.
12 ANOS DE ESCRAVIDÃO foi indicado ao Oscar nas categorias de melhor filme, direção, ator (Chiwetel Ejiofor), ator coadjuvante (Michael Fassbender), atriz coadjuvante (Lupita Nyong’o), roteiro adaptado, edição, figurino e desenho de produção.
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