sexta-feira, agosto 06, 2010

ROSETTA



Um dos filmes mais festejados da nova geração de cineastas europeus surgidos nos últimos anos, ROSETTA (1999), até a semana passada, permanecia inédito para mim. É mais um daqueles casos de filme que a gente sabe que é importante, tem em casa para ver já há algum tempo, mas que é preciso de um empurrãozinho para finalmente assisti-lo. Aprendi a gostar de verdade do cinema dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne só com A CRIANÇA (2005), até hoje o meu favorito da dupla, o que mais me causou impacto. A primeira experiência havia sido um tanto quanto incômoda, com a aproximação extrema da câmera na nuca do protagonista, em O FILHO (2002).

ROSETTA também apresenta uma proximidade, mas não tão radical quanto em O FILHO. O uso é da câmera na mão, que dá ao filme um ar semidocumental, um sentimento de verdade nas sequências. Até porque não temos aqui uma heroína brava e sem defeitos, nem uma pobre coitada. Temos uma garota que é capaz de coisas que podem torná-la objeto de ódio do público. Eu mesmo, em alguns momentos, me senti assim em relação a ela. A atriz que interpreta Rosetta, a então estreante Émile Dequenne, inclusive, ganhou o prêmio de melhor atriz em Cannes. E já no ano seguinte, ganharia papel de destaque em O PACTO DOS LOBOS, de Christophe Gans. E, mais importante, ROSETTA também ganhou a Palma de Ouro no festival mais cobiçado do mundo.

Várias críticas apontam uma semelhança de ROSETTA com MOUCHETTE, A VIRGEM POSSUÍDA, de Robert Bresson. E a comparação tem sentido até certo ponto. Ambos são filmes descritivos e as cenas no lago remontam ao final da obra de Bresson. O filme já impressiona na sequência inicial, quando vemos o desespero e indignação de Rosetta, quando lhe dizem que ela não trabalha mais na empresa, que seu contrato expirou. Ela parece não entender essas coisas. Rosetta é como uma criança que não se importa com as regras impostas pela sociedade e que luta pelo que ela quer. Ao mesmo tempo, tem um lado de proteção que faz com que ela tente a todo custo livrar a mãe do alcoolismo. E que tenha modos. Esse negócio de ficar pagando boquete ao dono do terreno pra ter direito a água encanada não é coisa de mulher séria.

ROSETTA é recheado de grandes sequências: de cara, lembro da cena do rapaz, Riquet, se afogando no lago e ela, impassível; mas talvez o grande momento seja a tentativa frustrada de Riquet se aproximar dela, num jantar a sós, numa situação que gera extremo desconforto. E Rosetta age como um animal selvagem, não por irracionalidade total, como prova a sequência em que ela trai o rapaz para conseguir um emprego. E é por isso que os Dardenne nos dão a liberdade de tomar ou não partido da jovem. Ou de simplesmente preferirmos observar, sem julgar.

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