quarta-feira, abril 22, 2009

UM CONTO DE NATAL (Un Conte de Noël)























Dramas familiares em geral costumam despertar o meu interesse, especialmente os que procuram dar mais profundidade aos personagens. UM CONTO DE NATAL (2008), minha primeira experiência com o cinema de Arnaud Desplechin, no início ameaça ser um filme que tenta apresentar tudo rápido e metido a engraçadinho, como O FABULOSO DESTINO DE AMELIE POULIN, mas felizmente as coisas se acalmam e os personagens do drama são mostrados com a devida calma. Por isso os 150 minutos de filme são necessários e muito bem utilizados. Uma das primeiras coisas que me chamou a atenção, ainda que eu já tivesse pensado nisso vendo outros filmes franceses, é o seu caráter cerebral. Já se sabe que os franceses são os grandes teóricos de cinema do mundo. E não apenas de cinema. É como se, ao pensar demais sobre a vida e sobre a arte, eles fizessem tudo sempre com certo distanciamento, como se a dor não fosse deles. Essa impressão surge ainda mais forte na sequência em que Junon, a personagem de Catherine Deneuve, observa seus familiares analisarem friamente a sua expectativa de vida, caso o transplante de medula dê certo. Ela mesma, quando descobre que tem leucemia, conta o ocorrido como se não fosse uma doença muito grave, como se fosse um problema pequeno. Desse modo, UM CONTO DE NATAL às vezes se comporta como um antimelodrama.

Até quando os personagens vão se tornando mais próximos do espectador, eles carregam um certo mistério que os distancia. Mesmo assim, é possível nos comovermos com os filhos de Junon, mais do que com ela. A personagem de Catherine Deneuve é uma mãe fria, que tem uma relação aberta e franca com o filho do meio, o pródigo Henri, interpretado por um Mathieu Almeric, que aqui mais parece uma versão francesa de Robert Downey Jr. A mãe costuma dizer friamente para o filho que não gosta dele. Mas será de Henri que Junon receberá a medula, a única compatível entre os filhos. Henri tem uma relação difícil com a família e se tornou alcoólatra desde a morte da esposa. Sua irmã mais velha, Elizabeth (Anne Consigny), não fala com ele desde que ele deu um prejuízo enorme ao pai. Elizabeth também sofre sérios problemas de depressão e baixa autoestima. Sente-se fadada a ser eternamente triste.

E o filme trata de maneira bem interessante o aspecto da depressão e suas causas. Tomemos o exemplo, por exemplo, de Ivan, o filho mais novo (Melvil Poupaud). Ele hoje, casado com uma bela mulher (Chiara Mastroianni) e com dois filhos, é uma fortaleza, um homem preparado para enfrentar qualquer coisa. Mas antes de conhecer Sylvia, a personagem de Chiara, ele era um jovem frágil e deprimido que se não tivesse a chance de namorar e casar com ela talvez tivesse um final trágico. Por isso, seu primo, o pintor Simon (Laurent Capelluto), perdidamente apaixonado por Sylvia, faz um gesto de generosidade tremenda ao "deixar" Sylvia para o primo. E Simon carrega esse amor platônico por Sylvia calado e triste.

Vale destacar o encantamento que Chiara Mastroianni, mais bela e sensual do que nunca, confere à sua personagem. Assim, fica fácil também se apaixonar por ela, por sua generosidade, sensibilidade, coragem e seu sorriso sempre gracioso. Ela é, pra mim, a alma de UM CONTO DE NATAL, embora também mereça atenção a personagem da namorada de Henri, interpretada por Emmanuelle Devos, protagonista do elogiado REIS E RAINHA (2004). Faunia, sua personagem, é outra que transborda amor. E é engraçado eu falar de sentimentos tão intensos num filme que a princípio eu comentei ser de caráter mais cerebral. Talvez essa seja a graça das melhores obras francesas: quando mais pensamos ou refletimos sobre elas, mais os sentimentos, escondidos pelo véu da racionalidade, parecem vir à tona. E cada vez mais eu admiro esse povo.

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