quarta-feira, julho 23, 2008
JOGO DE CENA
O dia em que o Sol entra em Leão, signo da encenação por excelência, parece propício para falar de JOGO DE CENA (2007), o documentário mais desconcertante de Eduardo Coutinho. Aliás, nem sei se dá pra chamar o filme de documentário, já que as entrevistadas também contam/recontam histórias fictícias ou histórias verdadeiras contadas por outras mulheres. O jogo começa com a imagem de um anúncio de jornal: Eduardo Coutinho convocando mulheres dispostas a contar experiências importantes de suas vidas em frente à câmera. 83 mulheres compareceram e desse total, cerca de um quarto ou menos dessas mulheres foram selecionadas para aparecerem no longa. Já faz algum tempo que todo novo trabalho de Coutinho é um acontecimento. Tive o prazer de ver cinco de seus filmes no cinema desde sua retomada com força total em SANTO FORTE (1999). O diretor tem o poder de arrancar de seus entrevistados depoimentos comoventes e/ou marcantes. O fato de o novo filme deixar o espectador na dúvida entre o que é um depoimento verdadeiro e o que é dramatizado fez com que eu criasse uma espécie de bloqueio em aceitar me emocionar de fato. Tanto que acabei me emocionando de verdade apenas umas duas vezes e uma delas foi pura encenação - e todo mundo sabia que era encenação - que foi a dramatização da Andréa Beltrão.
Muito curioso o bloqueio de Fernanda Torres, ao não conseguir tomar para si as palavras e os sentimentos de uma das entrevistadas. Ela ficou totalmente sem chão, sem saber o que falar, mas Coutinho resolveu colocar isso no filme assim mesmo, apesar da expressão boba do rosto de Fernanda diante da câmera nesse momento. Já Marília Pêra resolveu contar um dos truques de emocionar o espectador, que é o de deixar os olhos marejados e tentar esconder ou conter o choro, em vez de deixar as lágrimas rolarem. Segundo ela, isso torna a interpretação mais realista, mas sinceramente prefiro as lágrimas correndo no rosto na interpretação de Andréa Beltrão, que depois contou que chorou de verdade pois se colocou na posição da entrevistada e acabou se emocionando por ter algo em comum com a sua própria história de vida. Os depoimentos são no geral ligados a problemas e situações relativas à família ou a relacionamentos. Acredito que a presença das três atrizes famosas acabou por eclipsar um pouco as jovens e senhoras anônimas que se prontificaram a contar suas vidas diante da câmera. Uma delas, inclusive, é atriz e mais uma vez o espectador fica sem saber se ela encenou ou fez o seu depoimento com sinceridade.
O fato é que diante de uma câmera, as pessoas têm a tendência a enfeitar, inventar detalhes ou até a mentir. Por isso que eu ainda acho que o filme de Coutinho que mais me pareceu sincero e tocante foi O FIM E O PRINCÍPIO (2005), pois partiu de depoimentos de pessoas muito simples e idosas. Claro que isso não as isenta de mentir ou enfeitar os fatos diante da câmera, mas me pareceu menos provável. Desse modo, JOGO DE CENA foge um pouco do tradicional filme de conversa e pode representar uma ruptura ou um novo caminho para sua obra, como pode representar apenas uma obra diferente do que ele costuma fazer. E como ele é o grande cineasta do acaso do cinema brasileiro, sendo o acidental um dos principais traços característicos de sua obra, nada se pode prever do que virá num próximo trabalho. Ele é um homem que vai seguindo sua intuição com um fiapo de idéia que tem e que tem a sorte de fazer de anônimos estrelas de seus filmes. Inclusive, nesse novo filme, tem uma cena que lembra muito a clássica cena de EDIFÍCIO MASTER (2002), onde um senhor canta, junto com o disco de Frank Sinatra, "My Way", completa, sem nenhuma interrupção. Entre as declarações mais emocionadas destacam-se a da jovem que foi até o fim na promessa de nunca mais falar com o pai e que se ressente disso depois de ele ter morrido, ou da mulher que engravidou no meio da rua, um dos momentos mais engraçados do filme. São pequenas amostras do quanto a mulher e o seu turbilhão de emoções e de mistérios continua sendo o entrevistado ideal para a captura de sentimentos para uma câmera.
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