terça-feira, agosto 29, 2006
WERNER HERZOG EM DOIS FILMES
Werner Herzog é um dos cineastas mais interessantes de que se teve notícia. Não me refiro à sua obra, mas à sua personalidade mesmo. Não faltam histórias escabrosas sobre coisas que ele fez. O homem já roubou uma câmera para realizar o seu primeiro curta-metragem, já comeu o próprio sapato depois de ter perdido uma aposta, já ameaçou meter uma bala no "seu melhor inimigo" Klaus Kinski, já levou duas vezes uma equipe inteira para uma região desconhecida da Amazônia (AGUIRRE, A CÓLERA DOS DEUSES, 1972, e FITZCARRALDO, 1981) e já hipnotizou todos os atores de um filme para obter o resultado desejado (CORAÇÃO DE CRISTAL,1976). Um livro contando suas aventuras, se não foi escrito ainda, deveria ser providenciado logo. Seu lema é: vale tudo para fazer um filme. E talvez seja essa a razão de ele ter se interessado pela vida de Timothy Treadwell, o ativista protetor dos ursos que morreu fazendo o que mais gostava. Abaixo, dois belos exemplares do cinema de Werner Herzog, cineasta que ultimamente tem se dedicado mais aos documentários do que aos filmes de ficção.
O ENIGMA DE KASPAR HAUSER (Jeder für sich und Gott gegen Alle / Kaspar Hauser)
Um de seus maiores sucessos, O ENIGMA DE KASPAR HAUSER (1974) conta a misteriosa história (verídica) de Kaspar Hauser, um homem que esteve cativo até a idade adulta, sem jamais ter visto uma pessoa ou mesmo uma árvore. Ele foi solto e deixado numa cidade, depois de ter aprendido a falar algumas palavras e a andar. O filme mostra o seu processo de integração à sociedade e os questionamentos que ele começa a fazer a partir do momento em que ele ganha a capacidade de reflexão. O filme se assemelha a outras duas obras, O MENINO SELVAGEM, de François Truffaut, e O HOMEM ELEFANTE, de David Lynch. Um dos momentos mais legais do filme é quando Kaspar acredita que as laranjas possuem vontade própria e um de seus tutores tenta lhe provar o contrário. O filme tem um aspecto de documentário, passando uma sensação de veracidade. Bruno S., o rapaz que interpreta Kaspar Hauser, ele próprio era problemático. Bruno viveu boa parte de sua vida em reformatórios e instituições de tratamento para doentes mentais. Bruno era literalmente um filho da puta. Sua mãe era prostituta e batia tanto nele que o garoto chegou a ter problemas auditivos de tanto levar porrada na orelha. Assim como Kaspar Hauser, apesar das dificuldades, ele chegou até a aprender a tocar piano. Bruno apareceria em outro filme de Herzog, STROSZECK (1977). Um outro momento bastante significativo do filme é quando perguntam para Kaspar como era o lugar em que ele vivia quando estava preso e isolado da sociedade. Kaspar, já cansado da hipocrisia no mundo, responde: melhor do que aqui fora.
O HOMEM-URSO (Grizzly Man)
Vi esse filme quando estive em São Paulo em julho. (Puxa, como o tempo passa rápido.) O HOMEM-URSO (2005) continua inédito nos cinemas de Fortaleza, tendo previsão de estréia apenas para outubro. Vendo o filme, a gente até questiona essa "apropriação" que Herzog faz do material mais importante do filme: as filmagens realizadas pelo americano Timothy Treadwell, o maluco que estudava e protegia os ursos do Alasca até o dia em que ele foi devorado por um dos bichos. Trata-se de um dos documentários mais interessantes dos últimos anos e que tem momentos de muita emoção. Minha principal dúvida antes de assistir o filme era: será que o filme mostra a cena do urso devorando Treadwell? Ou ainda, será que existe um registro dessa terrível morte? Bom, na hora do ataque do urso, a câmera estava com o visor tampado, mas há registro do som. Herzog explora esse material, mas sem apresentar de fato o conteúdo da fita. Timothy, ao menos da maneira como ele se apresentava nos videotapes, não era bem uma pessoa normal. Ele tinha a coragem de se aproximar dos ursos, tentando se passar por um deles. Na maioria das vezes, essa tática funcionou. Até o dia que um dos ursos ficou de saco cheio e resolveu variar o cardápio. O mais triste de tudo é que a namorada de Timothy também foi morta pelo mesmo urso, enquanto tentava salvá-lo. A coitada morria de medo dos bichos e deveria amar muito o namorado para topar ir numa viagem dessas. Interessante notar que Herzog não fez um filme em homenagem a Timothy. O espectador é mais levado a culpá-lo pela morte de sua namorada e a concordar com o que um piloto diz a respeito dele, que ele teve o que mereceu ao tratar os ursos como pessoas fantasiadas de ursos. Em alguns momentos, O HOMEM-URSO parece um documentário exploitation, que lucra com imagens de arquivo sinistras e com a morte brutal de duas pessoas. Mas a verdade é que o filme tem uma coerência impressionante com a obra de Herzog. Como se apenas Herzog pudesse fazê-lo.
Vale a pena ler o dossiê sobre o cineasta que Marcelo Lyra escreveu para a Revista de Cinema.
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