quarta-feira, junho 22, 2005
QUASE DOIS IRMÃOS
Lúcia Murat retorna ao tema de seu primeiro longa-metragem, o documentário QUE BOM TE VER VIVA (1989), que é o dos presos políticos da ditadura militar. Em QUASE DOIS IRMÃOS (2004), ela amplia o foco de sua temática, fazendo um paralelo entre a vida de dois amigos de infância durante o regime militar nos anos 70 e nos dias de hoje. Um deles é branco, de família abastada; o outro, negro, vive no morro.
Enquanto Miguel (Caco Ciocler) era preso político, Jorge (Flávio Bauraqui) tinha sido preso por assalto. Os dois se cruzam no mesmo lugar, o presídio da Ilha Grande, onde os "subversivos" - como eram chamados os presos políticos - e os presos comuns eram enviados. Inicialmente, como a quantidade de "subversivos" era maior, eram eles quem impunham as regras. No presídio, era proibido roubar, praticar a "pederastia" e fumar maconha. Nos dias atuais, Miguel (Werner Schünemann) é deputado, vive relativamente bem em sua rotina burguesa, enquanto Jorge (Antonio Pompeo) é líder de um segmento do narcotráfico do Rio de Janeiro.
QUASE DOIS IRMÃOS se constrói com o ir e voltar no tempo. Ora estamos nos anos 70, ora nos dias atuais. O filme tem o mérito de não parecer uma colagem desconexa. O cuidadoso trabalho de edição é de tirar o chapéu, ainda que eu tenha achado os segmentos dos dias atuais melhor desenvolvidos, mais fortes.
O filme contou com a ajuda de Paulo Lins, autor do livro "Cidade de Deus", que com sua intimidade com o universo dos morros, das "bocas" e do linguajar de lá, fez o roteiro junto com a diretora Lúcia Murat. Desse modo, cada um ficou responsável pela parte que conhece melhor. Lúcia conheceu dolorosamente a triste realidade de ser presa política durante mais de três anos.
Embora QUASE DOIS IRMÃOS não tenha causado o impacto que eu esperava de um filme com tais elementos, ele deixa no ar uma tristeza de ser brasileiro, de fazer parte de uma sociedade com um abismo social tão alarmante. No filme, até o samba é triste, como canta Luiz Melodia em canção de autoria de Cartola e Carlos Cachaça: "Quem me vê sorrindo / Pensa que estou alegre / O meu sorriso é por consolação / Porque sei conter para ninguém ver / O pranto do meu coração."