É curioso como alguns cineastas importantes da Velha Hollywood acabam não ganhando o mesmo status e a mesma glória de outros tantos. Fui olhar no livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer se achava algum do Henry King e nada. Nem O MATADOR (1950), que é o que eu esperava encontrar. Noutro livro de minha coleção imaginei que ele estaria: O Cinema Americano dos Anos Cinquenta, de Olivier-René Veillon, e lá também o cineasta também não é citado – estará no livro dos anos 1930, já que sua carreira remonta desde o cinema silencioso? Soube que em 2007 o Festival de San Sebastián prestou uma homenagem ao realizador, dedicando-lhe uma retrospectiva. Jacques Lourcelles, no texto “Henry King, o Admirável”, tenta explicar esse pouco louvor ao diretor com o fato de King não ter cunhado “nenhum símbolo pelo qual pôde apanhar a imaginação do público”. Ou seja, é possível que tenha passado batido entre os jovens críticos franceses, em parte por isso, embora eu esteja fazendo uma simplificação.
De todo modo, meus questionamentos vêm do fato de que fiquei particularmente impressionado com O MATADOR. Não conhecia outros filmes de King, a não ser JESSE JAMES (1939), western que só vi por anteceder O RETORNO DE FRANK JAMES, de Fritz Lang, e funcionava como pré-requisito para o primeiro western dirigido pelo cineasta vienense. Ah, vi também o filme em segmentos PÁGINAS DA VIDA (1952), mas por causa principalmente do segmento de Howard Hawks. Ou seja, o preconceito parte de mim, mas porque fui influenciado pelos críticos que ditam quem são os autores que merecem mais a nossa atenção.
Por sorte, a Versátil tem feito um trabalho fantástico atualmente, que é a confecção de livros de cerca de 100 páginas contendo ensaios sobre filmes de uma coleção específica da distribuidora. No livro sobre Cinema Faroeste, que eu tive a honra de comparecer com uma análise sobre CONSCIÊNCIAS MORTAS, de William A. Wellman, O MATADOR foi selecionado pelos curadores da empresa como um dos dez filmes essenciais da coleção. E isso é dizer muito, se pensarmos que muitos filmes de altíssimo nível ficaram de fora.
O MATADOR é uma espécie de anti-western com bem pouca ação e um sentimentalismo apaixonante. Na trama, Gregory Peck é Jimmy Ringo, o pistoleiro mais rápido do oeste. Sua fama agora é mais um obstáculo do que uma ajuda, pois ele vive sendo desafiado por jovens pistoleiros que querem ficar famosos às suas custas, tentando lhe tirar a vida. Sua missão de vida atualmente é conseguir falar com a ex-esposa, que não vê há muitos anos, e mudar de rumo. O aspecto de Peck, seu cansaço, fica logo evidente nas primeiras cenas, mas também sua honradez e sua elegância. Como não conhecemos o jovem pistoleiro selvagem que ele foi, o que temos contato é este homem mais maduro e disposto a esquecer o passado e a viver uma vida tranquila com a mulher amada (Helen Westcott).
Algo impressionante no filme, aliás, é o quanto nos envolvemos e nos solidarizamos com o herói, tendo o conhecido tão pouco e em uma obra de apenas 84 minutos de duração. Com facilidade nos afeiçoamos a Ringo e também ao xerife (Millard Mitchell), um velho amigo que ele encontra por sorte na pequena cidade. Outra coisa que chama a atenção é o quanto King e os roteiristas nos deixam em estado de suspense naqueles instantes em que o herói passa quase o tempo todo naquele saloon, aguardando. Ao mesmo tempo, nossas expectativas são constantemente quebradas. Esse suspense também tem a ver com o uso das horas de maneira que antecipa MATAR OU MORRER, de Fred Zinnemann, lançado dois anos depois.
Uma das curiosidades geralmente conhecidas de O MATADOR é que o projeto original não era de King. Surgiu de uma colaboração entre John Bowers e André De Toth, com John Wayne em mente para o papel do pistoleiro. De Toth teria ficado chateado com os rumos que sua criação estava tomando e saiu do projeto. Não gostava da ideia de Gregory Peck como o pistoleiro mais veloz do Oeste, já que Peck tinha um aspecto mais de intelectual, carecendo de uma suposta necessidade de ser mais selvagem para o papel. Porém, o que King fez em seu filme foi algo que transborda amor, um libelo contra a violência. Logo, muito compreensível um ator que passe esse sentimento. E isso Peck faz, certamente, assim como boa parte do elenco de apoio.
King e Peck já haviam trabalhado juntos antes no drama de guerra ALMAS EM CHAMAS (1949) e, depois de O MATADOR, o diretor e o astro se reuniram de novo em filmes bem distintos: DAVID E BETSABÁ (1951), AS NEVES DE KILIMANJARO (1952), ESTIGMA DA CRUELDADE (1958) e O ÍDOLO DE CRISTAL (1959).
Filme visto no box Cinema Faroeste Vol. 11.
+ UM ANÚNCIO IMPORTANTE
16º FOR RAINBOW – FESTIVAL DE CINEMA E CULTURA DA DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO
De 14 a 21 de dezembro acontecerá um dos festivais mais tradicionais da cidade, o For Rainbow. Os filmes escolhidos pela curadoria para esta edição já foram divulgados. Segue a lista:
LONGAS-METRAGENS
A FILHA DO PALHAÇO (Brasil, 2022), de Pedro Diógenes
CORPOLÍTICA (Brasil, 2022), de Pedro Henrique França
EU SOU ALMA / I AM ALMA (Alemanha/Argentina, 2022), de Mariana Manuela Bellone
GERMINO PÉTALAS NO ASFALTO (Brasil, 2022), de Coraci Ruiz e Julio Matos
PETIT MAL (Colômbia, 2022), de Ruth Caudeli
PROJETO FANTASMA / POYECTO FANTASMA (Chile, 2022), de Roberto Doveris
UM PEDAÇO DO MUNDO (Brasil, 2022), de Tarcísio Rocha Filho, Victor Costa Lopes e Wislan Esmeraldo
UÝRA – A RETOMADA DA FLORESTA (Brasil/EUA, 2022), de Juliana Curi
CURTAS-METRAGENS
CABILUDA (Brasil, 2022), de aColetto e Dera Santos
CAPIM-NAVALHA (Brasil, 2021), de Michel Queiroz
COMER MAMÃO À BEIRA-MAR / EATING PAPAW ON THE SEASHORE (Guiana, 2022), de Rae Wiltshire e Nickose Layne
ELA É A PROTAGONISTA / SHE’S THE PROTAGONIST (Bélgica, 2021), de Sarah Carlot Jaber
ELUSÃO (Brasil, 2022), de Taís Augusto
ESTA TERRA NOBRE /THIS NOBLE LAND (Botswana, 2022), de Theo Silitshena
FANTASMA NEON (Brasil, 2021), de Leonardo Martinelli
LUAZUL (Brasil, 2022), de Letícia Batista e Vitória Liz
LUTE PELA SUA LIBERDADE / FIGHT FOR YOUR FREEDOM (Burkina Faso, 2022), de Canisius Avéko
MÍSSIL – PARTE 1 (Brasil, 2022), de Roberta Marques
NA ESTRADA SEM FIM HÁ LAMPEJOS DE ESPLENDOR (Brasil, 2021), de Liv Costa e Sunny Maia
NEM O MAR TEM TANTA ÁGUA (Brasil, 2022), de Mayara Valentim
NO CÉU / IN HEAVEN (Espanha, 2022), de Manuel Gomar
NÓS, OS OUTRES / WE, THE OTHERS (Chile, 2022), de Mato Ariel Torga
PEDRO FAZ CHOVER (Brasil, 2022), de Felipe César de Almeida
PENSADOR / OVERTHINKER (Argentina, 2022), de Matías Dinardo
POSSA PODER (Brasil, 2022), de Victor di Marco e Márcio Picoli
PRAZER / JOUISSANCE (Irã, 2022), de Sadeq Es-haqi
PROCURA-SE BIXAS PRETAS (Brasil, 2022), de Vinicius Elizário
PROMESSA DE UM AMOR SELVAGEM (Brasil, 2022), de Davi Mello
QUANDO CHEGAR A NOITE, PISE DEVAGAR (Brasil, 2021), de Gabriela Alcântara
QUINZE PRIMAVERAS (Brasil, 2022), de Leão Neto
ROSA NEON (Brasil, 2022), de Tiago Tereza
TÁ FAZENDO SABÃO (Brasil, 2022), de Ianca Oliveira
UMA PESSOA COMUM / ORDINARY (EUA, 2022), de Atlas O Phoenix
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