É uma felicidade ter a honra de ter um mestre do melodrama em atividade e em pleno domínio de seu ofício e, ainda por cima, termos a chance de conferir seu novo trabalho na tela grande. Como aqui no Brasil a distribuição do filme será na Netflix, pelo menos o serviço de streaming mais popular e poderoso do mundo dá essa pequena janela para que possamos conferir MÃES PARALELAS (2021) no cinema antes de sua estreia na telinha na próxima semana. E de certa forma o lançamento de um Almodóvar na Netflix pode trazer uma visibilidade que talvez nenhum outro filme do cineasta espanhol trouxe até hoje. E olha que estamos falando de um sujeito que é o diretor não americano e não inglês mais popular do mundo.
Felizmente Almodóvar usou seu tempo durante a pandemia de maneira produtiva. Depois de fazer um curta-metragem muito interessante, A VOZ HUMANA (2020), ele retorna aos melodramas protagonizados por mulheres, como já é tradição desde pelo menos QUE FIZ EU PARA MERECER ISTO? (1984), após o bem-sucedido filme masculino e autobiográfico DOR E GLÓRIA (2019). E, deixando de lado comparações entre um filme e outro, mais uma vez Almodóvar acerta, mesmo quando erra, se levarmos em conta que há alguns problemas de desproporcionalidade entre os dois temas abordados no enredo.
MÃES PARALELAS tem o sabor dos grandes melodramas noir dos anos 1940-50 produzidos em Hollywood, com aquela trilha sonora de suspense do grande Alberto Iglesias surgindo nos momentos adequados e trazendo tons sombrios quando necessário. Sobre a trama, acho muito interessante ver o filme sabendo o mínimo possível dela, de modo que cada movimento do enredo seja saboreado em seu devido tempo. Dito isso, peço a licença para comentar um pouco da trama a partir do próximo parágrafo.
Em MÃES PARALELAS, Penélope Cruz é Janis e Milena Smit é Ana, duas mulheres de idades diferentes que se conhecem na maternidade. Ambas estão prestes a dar à luz e estão sozinhas. Ou seja, estão separadas dos pais biológicos das crianças prestes a nascer. As circunstâncias de cada uma são distintas e mais adiante saberemos detalhes principalmente de como ocorreu a gravidez de Ana, já que a princípio só sabemos da história de Janis, nome adotado em homenagem a Janis Joplin, que tem uma de suas canções mais lindas presentes na trilha sonora. Também saberemos em seguida um pouco do passado da mãe de Janis e de como ela se relaciona com a diva do rock.
O interesse de Almodóvar por dramas familiares se dá por sua própria história de vida, nascido de família humilde e em ambiente rural e depois indo para a cidade grande, como a personagem Janis. MÃES PARALELAS, inclusive, demora um pouco para nos apresentar à família e ao passado da personagem, a suas raízes. Isso só ganha espaço após o drama principal, envolvendo maternidade, ficar de certa forma concluído. Inclusive, em certo ponto o filme até parece ficar um pouco à deriva, mas é uma sensação interessante, já que ficamos sempre esperando o que Almodóvar fará em seguida, ele que também é um mestre dos roteiros, assim como é das composições visuais e da sentimentalidade.
Mais uma vez a temática do estupro aparece em um de seus filmes, mas desta vez, embora mais chocante e doloroso, bem menos controverso. E quando o tema surge aumenta nosso carinho pelas personagens, aumenta nosso sentimento de solidariedade por suas dores e seus traumas pessoais. Aquele carinho de Almodóvar pelas mulheres, que também foi marca em TUDO SOBRE MINHA MÃE (1999) segue sendo forte em seu corpo de trabalho. E sobre aquilo que falei sobre a desproporcionalidade da trama envolvendo maternidade versus trama envolvendo os mortos na Guerra Civil Espanhola e na ditadura de Franco, isso deixa de ser tão importante quando essas tramas se complementam.
No fim das contas, MÃES PARALELAS é um filme sobre famílias. Principalmente sobre as mulheres das famílias: as mães, as filhas, as avós, as bisavós. Além do mais, em tempos de extrema direita se apresentando novamente em diversos países do mundo, é sempre importante lembrar de certas coisas essenciais, é sempre importante lembrar dos genocídios, dos crimes, e até mesmo do perigo de ser “apolítico”.
MÃES PARALELAS foi indicado a dois Oscar: melhor atriz (Penélope Cruz) e melhor trilha sonora (Alberto Iglesias).
+ DOIS FILMES
66 QUESTÕES DA LUA (Selíni, 66 Erotíseis)
Longa-metragem de estreia de Jacqueline Lentzou, 66 QUESTÕES DA LUA (2020) é tanto um retrato do amadurecimento de uma jovem adolescente, quanto a história da relação de maior aproximação que ela passa a ter com o pai que está doente. Há um tom pouco doce no modo como a narrativa se desenvolve, começando com imagens de filmagens caseiras em VHS dos anos 1990, que de vez em quando voltam, e seguindo com as dificuldades da menina em cuidar praticamente sozinha do pai. Enquanto isso, ela segue tentando descobrir segredos dolorosos que o homem prefere esquecer ou esconder, e que acabam sendo também elementos de mistério dentro do filme. Não é uma obra tão convidativa e aconchegante, mas também não é difícil de acompanhar.
A DONA DO BARATO (La Daronne)
Pode não ser um grande filme, mas A DONA DO BARATO (2020), de Jean-Paul Salomé, tem uma leveza agradável e tem a força de Isabelle Huppert, que é tão boa que consegue levar o filme, praticamente, nas costas. Na trama, ela é uma intérprete que trabalha na polícia e ajuda na apreensão de imigrantes árabes na França. Chega um dia que ela resolve não só ajudar alguém envolvido com o tráfico, mas ela mesma passar a ganhar dinheiro com o material. Gosto do gesto transgressor da personagem e do filme, que tem um quê de policial francês da década de 1970. Ao contrário do que eu pensava, o diretor já tem vários filmes no currículo.
+ DOIS FILMES
66 QUESTÕES DA LUA (Selíni, 66 Erotíseis)
Longa-metragem de estreia de Jacqueline Lentzou, 66 QUESTÕES DA LUA (2020) é tanto um retrato do amadurecimento de uma jovem adolescente, quanto a história da relação de maior aproximação que ela passa a ter com o pai que está doente. Há um tom pouco doce no modo como a narrativa se desenvolve, começando com imagens de filmagens caseiras em VHS dos anos 1990, que de vez em quando voltam, e seguindo com as dificuldades da menina em cuidar praticamente sozinha do pai. Enquanto isso, ela segue tentando descobrir segredos dolorosos que o homem prefere esquecer ou esconder, e que acabam sendo também elementos de mistério dentro do filme. Não é uma obra tão convidativa e aconchegante, mas também não é difícil de acompanhar.
A DONA DO BARATO (La Daronne)
Pode não ser um grande filme, mas A DONA DO BARATO (2020), de Jean-Paul Salomé, tem uma leveza agradável e tem a força de Isabelle Huppert, que é tão boa que consegue levar o filme, praticamente, nas costas. Na trama, ela é uma intérprete que trabalha na polícia e ajuda na apreensão de imigrantes árabes na França. Chega um dia que ela resolve não só ajudar alguém envolvido com o tráfico, mas ela mesma passar a ganhar dinheiro com o material. Gosto do gesto transgressor da personagem e do filme, que tem um quê de policial francês da década de 1970. Ao contrário do que eu pensava, o diretor já tem vários filmes no currículo.
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