Às vezes basta uma cena para que um filme se torne memorável. Mesmo quando esse filme é cheio de problemas e que provoca mais insatisfações do que alegrias. Aliás, falar de alegrias quando o assunto é Gaspar Noé é até um pouco complicado, ainda que as intenções do diretor de provocar náuseas e outras reações ruins dêem com os burros n’água. Com relação à tal cena marcante de CLIMAX (2018), trata-se de uma sucessão de performances solo dos dançarinos e dançarinas, mostrada através de uma câmera que visualiza a ação de cima. Aquilo é tão belo e sensual e a música é tão intensa e envolvente que, por alguns minutos, até parece que estamos vendo um dos melhores filmes do ano.
A cena acontece depois que vamos conhecendo um grupo relativamente grande de dançarinos prontos a participar de uma experiência um tanto misteriosa, mas apresentada de uma maneira interessante e ao mesmo tempo dispersiva que abre o filme. É dispersiva principalmente para quem gosta de livros, filmes e estantes. Do lado de uma televisão há duas prateleiras que completam a tela scope da janela com livros e capas de VHS (o filme se passa nos anos 90) relacionados a cinema ou a temas ao gosto do diretor: Buñuel, Argento, Fassbinder, Pasolini, Nietzsche, entre outros.
Falando em Buñuel, o fato de as pessoas não poderem sair daquele espaço em que estão (só depois atentei para uma ligação da cena que serve de prólogo, de uma mulher agonizando no gelo, com o espaço em que eles se encontram confinados), o fato de que elas estão naquele espaço lembra um pouco O ANJO EXTERMINADOR, do mais talentoso dos cineastas espanhóis. Mas esse elemento acaba sendo esquecido ao longo das conversas entre os personagens, muitas delas sobre sexo. Destaque para o papo entre dois homens sobre quais mulheres do grupo eles já transaram e quais desejam transar e como vão fazer.
Uma pena que Noé tenha essa obsessão quase infantil por querer chocar a plateia e transforma algo que poderia ser impactante do ponto de vista formal, sensual e poético em algo que vai para uma linha do desagradável, como já é tradicional no cinema do diretor, desde antes de ele ficar famoso mundialmente pela cena prolongada de estupro de IRREVERSÍVEL (2002). Assim, o terceiro ato do filme tenta emular o estado de perturbação dos personagens, depois de terem sido drogados por uma substância alucinógena, abrindo espaço para cenas de câmeras rodopiantes e algumas cenas de violência gráfica e brutal (não é nada agradável ver uma mulher grávida receber chutes na barriga).
Ainda assim, a lembrança que guardarei desta experiência filmada apenas com um fiapo de roteiro de cinco páginas e muita vontade de fazer algo diferente, será das referidas danças sensuais ao som de um áudio poderoso. Lembrarei de como esse filme poderia ser tão mais gostoso se não precisasse efetivamente contar uma história.
+ TRÊS FILMES
CONQUISTAR, AMAR E VIVER INTENSAMENTE (Plaire, Aimer et Courir Vite)
Não tenho acompanhado todos os filmes do Christophe Honoré. Só vi os que passaram nos cinemas da cidade. Os três de homenagem à Nouvelle Vague dos anos 2000 e mais o BEM AMADAS (2011). Este é certamente um dos melhores dele. E provavelmente um dos mais pessoais (minha suspeita apenas). O filme parece ter umas gorduras e uma duração maior do que eu gostaria, mas não sei o que tiraria. Ele cresce na memória e seus personagens são fortes e simpáticos o bastante para nos envolvermos com seus dramas. A questão da AIDS no início dos anos 1990 o aproxima bastante de 120 BATIMENTOS POR MINUTOS (que prefiro). Ano: 2018.
A NOSSA ESPERA (Nos Batailles)
Que baita filme lindo! Apresenta a porrada da vida real sem nos dar muito espaço para chorar e descarregar as emoções de tanta emoção. Aí o que fica é um nó na garganta. A história não é apenas a de um homem que é abandonado pela esposa e tem que cuidar dos dois filhos pequenos. Isso é apenas o tronco de uma árvore que apresenta diversos galhos, diversas dores. Adoro uma cena do Duris com a personagem da irmã (que linda!), as cenas de apoio dos amigos que também passam por situação difícil etc. Meus agradecimentos a todos os envolvidos. Direção: Guillaume Senez. Ano: 2018.
O VALOR DE UM HOMEM (La Loi du Marché)
O diretor Stéphane Brizé parece ter se especializado em dramas sobre pessoas vivendo os piores momentos de suas vidas. Bom que está cercado sempre de atores e atrizes muito bons, como é o caso aqui de Vincent Lindon. Na trama, ele é um homem de meia idade que está enfrentando uma dificuldade de encontrar emprego. E mesmo quando consegue, o filme se torna ainda mais incômodo. Ano: 2015.
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