sábado, janeiro 31, 2009
FOI APENAS UM SONHO (Revolutionary Road)
Sam Mendes, depois de ter estreado com o pé direito no cinema, ganhando Oscar de melhor filme e tudo mais com BELEZA AMERICANA (1999), volta a abordar o tema da falência da instituição familiar, do american way of life. E desta vez, com FOI APENAS UM SONHO (2008), Mendes vai na raiz, os anos 50, momentos antes de a instituição ser ameaçada pela contracultura, uma época em que só os artistas de vanguarda tratavam com acidez de algo considerado sagrado pelos americanos. Até então, o que havia era uma espécie de obrigação de ser feliz. Ter um emprego, constituir uma família e morar numa daquelas casas bonitas de subúrbio, com um jardim na frente era algo fundamental e desejado pela maioria das pessoas. Não se podia fugir das regras da sociedade e nem achar que a vida era vazia. Quem passava por isso não estava bem da cabeça. Que o diga o personagem mais lúcido do filme, que foi internado num hospício e submetido a várias sessões de eletrochoque. O personagem, vivido por Michael Shannon, que já havia dado uma de doido em POSSUÍDOS, de William Friedkin, das poucas vezes em que aparece, rouba a cena. Ele é o único inteligente o suficiente para entender os motivos de o casal ser tentado a mudar de vida, de fugir da mesmice do cotidiano a fim de evitar a completa dissolução do casamento em crise e "sentir-se vivo", para usar uma expressão recorrente da personagem de Kate Winslet.
Sam Mendes apenas nos oferece um pequeno momento de alegria, que acontece no comecinho do filme, quando vemos o início do relacionamento entre Frank e April, vividos por Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, juntos novamente nas telas, onze anos depois do retumbante sucesso de TITANIC. O casal de protagonistas não deixa de ser um chamariz para a platéia. Muita gente vai ver o filme por causa dos dois, mas pode quebrar a cara com um filme adulto e que não dá trégua para o espectador no quesito "infelicidade". FOI APENAS UM SONHO tem diálogos tão bem lapidados que até parece um filme baseado numa peça de teatro, quando na verdade é a adaptação do livro homônimo de Richard Yates que só foi lançado no Brasil recentemente, na esteira do filme.
Na trama, Kate Winslet, abalada pelo fracasso de seu sonho de ser atriz e cansada da vida de dona de casa e de ver que o marido também não está exatamente satisfeito com o emprego, tem a idéia de ambos irem para Paris, cidade que ele esteve na época em que serviu na Segunda Grande Guerra e ficou maravilhado. Ela vê a fuga para Paris, então, como uma última tentativa de o casal finalmente encontrar a tão sonhada felicidade. April, como mulher à frente de seu tempo, não via problemas em trabalhar enquanto o marido ficava em casa, pensando no que ele realmente queria fazer da vida. Frank compensa o seu vazio existencial e inconformismo profissional com a bebida e com um sexo casual com uma das empregadas da firma. Inclusive, um dos momentos mais tocantes do filme é quando, no dia de seu aniversário, ele chega em casa, depois de ter passado o dia bebendo e fazendo sexo com a secretária, é recebido com um "parabéns para você" e um bolo de aniversário da mulher e seus dois filhos pequenos.
Interessante notar que os filhos dificilmente aparecem no filme. Nunca estão quando o casal está discutindo e só aparecem mesmo em momentos fundamentais. Como se Mendes se sentisse obrigado a poupar as crianças de possíveis traumas resultantes das brigas dos pais. Teve gente que achou que foi até covardia do cineasta e do roteirista. Mas eu, sinceramente, não me importei com isso e até achei que foi uma solução até interessante. Outra coisa interessante de se notar é que no filme quem mais tem interesse em discutir a relação é o homem e não a mulher, como geralmente acontece. Mas uma coisa não mudou com a realidade atual: o fato de a mulher preferir não saber dos relacionamentos do marido com outras mulheres do que ouvi-lo contando a verdade.
O final triste já é bem esperado, até pelo próprio título brasileiro, que mais uma vez é infeliz. Ainda assim, não esperava que fosse tão intenso, ainda que haja um certo distanciamento entre espectador e personagens. O que não quer dizer que alguém não possa se identificar com algum dos personagens. Principalmente se for um casal que não tenha outras coisas com o que se preocupar, como não deixar faltar comida em casa e pagar as contas em dia. Ter uma crise existencial e profissional é um luxo que poucos podem ter. Mas se você percebe que algo está errado e sente necessidade de mudar, talvez essa seja a chance. A angústia às vezes é amiga. Eu, de certa forma, me identifiquei com o personagem de DiCaprio, já que tive alguns planos frustrados e acabei ficando no mesmo emprego porque uma coisa ou outra não deu certo. E até hoje estou esperando a hora certa para mudar de rumo.
FOI APENAS UM SONHO recebeu apenas três indicações ao Oscar: ator coadjuvante (Michael Shannon), direção de arte e figurino. Até a indicação de Kate Winslet foi frustrada pelos produtores, já que ela foi indicada, mas por outro filme: O LEITOR, de Stephen Daldry, que deve estrear na próxima semana, junto com outro filme oscarizável - DÚVIDA, de John Patrick Shanley. Quer dizer, quatro dos cinco indicados a melhor filme ainda não estrearam no circuito comercial.
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