sexta-feira, junho 27, 2014

O HOMEM DUPLICADO (Enemy)























Pode não ser o tipo de filme que se indique para qualquer espectador, mas certamente O HOMEM DUPLICADO (2013) é o tipo de filme que encanta aos ávidos por um tipo de cinema mais desafiador e que, ainda por cima, consegue transcender uma trama que por si só já é intrigante. A história é relativamente simples e possivelmente já deve ter sido vista em outros filmes: o encontro de um homem comum com o seu doppelgänger, termo alemão usado para designar um duplo, geralmente representando o lado mais sombrio da pessoa.

Por mais que o filme de Denis Villeneuve (INCÊNDIOS, 2010; OS SUSPEITOS, 2013) tenha uma identidade própria, ao sabermos que se trata de uma adaptação de um romance de José Saramago, é até possível pensar em outras premissas geniais do escritor português, como o fato de imaginar uma morte para um heterônimo de Fernando Pessoa (em O Ano da Morte de Ricardo Reis), fazer de Jesus o herói e de Deus o vilão (em O Evangelho segundo Jesus Cristo), imaginar um mundo em que todos ficam cegos (Ensaio sobre a Cegueira), imaginar um dia em que ninguém morre (Intermitências da Morte) etc.

No entanto, a adaptação para cinema tem um quê de David Lynch, inclusive com uma trilha sonora opressiva e um desenho de som espetacular, que convidam o espectador a ver o filme no cinema, para se ter uma melhor imersão naquele ambiente que também se pode dizer que seja kafkiano. Inclusive pelo uso da figura de uma aranha como elemento recorrente, em algumas imagens que podem perturbar o espectador. A figura da aranha também está presente em pequenos detalhes, como a própria lousa em que o professor de História Adam (Jake Gyllenhaal) ministra sua aula; ou no modo como o vidro de um carro se quebra.

O filme nos apresenta a um homem inseguro. Inseguro e desconfortável em dar sua aula de História, inseguro nos passos, no modo como se posiciona ao sentar, na maneira como é passivo quando vai para a cama com sua namorada (Mélanie Laurent). Certo dia, um colega da universidade pergunta se ele gosta de ir ao cinema. E recomenda um filme que pode ser encontrado nas locadoras. Para sua surpresa, no tal filme, há um ator em um papel muito pequeno que é o seu espelho. A partir daí ele não descansa enquanto não encontrar aquele homem pessoalmente.

O HOMEM DUPLICADO é bastante devedor de sua trilha sonora, que arrasta a trama com seus tons graves para um clima de pesadelo. Mas um filme se faz por todo um conjunto. Portanto, isso não desmerece de maneira alguma o trabalho de Villeneuve, que já havia mostrado em suas obras anteriores a sua capacidade de tecer tramas perturbadoras em diferentes situações. Aqui é um pouco diferente, pois ele entra no território do surreal, deixando o espectador pensando no filme e nos seus significados e simbolismos ao sair da sessão.

Algumas cenas são particularmente dignas de nota e atestam a grandeza da obra, como aquela que mostra os dois homens encontrando a mulher do outro, em uma situação de admirável simetria em vários sentidos (passividade de Adam e extrema atividade agressiva de Anthony e o oposto sendo visto nas mulheres). Aliás, se lamentamos a pouca participação de Mélanie Laurent, depois percebemos que a importância de sua personagem não é de modo algum diminuída.

Ao contrário, tanto ela quanto Sarah Gadon desempenham muito bem seus papéis de coadjuvantes, assim como uma envelhecida Isabella Rossellini no papel da mãe de Adam. Inclusive, a presença de Isabella pode ser uma pista para se pensar mais uma vez na possível vontade de Villeneuve em emular Lynch, dada a importância da atriz na obra do diretor americano.

Vale destacar também as imagens da cidade sempre nublada e vazia que comparece como uma espécie de personagem para a trama. A cidade é mais um elemento que compõe essa história estranha que lida com descobertas, medos, controle e submissão, dualidade, crise de identidade, realidade e sonho.

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