sábado, março 25, 2023

JOHN WICK 4 – BABA YAGA (John Wick – Chapter 4)



“It’s not a piece of the song, it’s the whole song that makes you rock out.”
Chad Stahelski


Li uma crítica por aí comparando a cinessérie John Wick com a trilogia dos dólares de Sergio Leone. E se pensarmos JOHN WICK 4 – BABA YAGA (2023) como sendo o maior, mais arriscado e mais poético dos quatro, é sim possível vê-lo como o TRÊS HOMENS EM CONFLITO da nova geração, inclusive também por ter o western como um dos vários gêneros assimilados e por estender a ação como Leone tão habilmente fez. 

Até pouco tempo atrás havia poucos exemplares do cinema de ação recente, dentre os produzidos em Hollywood, cujos realizadores pareciam preocupados em mostrar a coreografia das cenas de luta. Talvez por isso Quentin Tarantino tenha deixado tanta gente impressionada quando fez o seu KILL BILL (2003/2004), não sem antes convidar assistentes de direção de Hong Kong, assim como fizeram também as irmãs Wachowski em seu MATRIX, lá em 1999. Sim, os verdadeiros especialistas em cinema de ação estavam (estão) no oriente, ainda que alguns tenham vindo trabalhar nos Estados Unidos. É de lá (Hong Kong, Japão e Tailândia, principalmente) a fonte, quando o assunto é esse.

E aí surgiu a opção dos filmes da franquia Jason Bourne (especialmente os dirigidos por Paul Greengrass), que supostamente nos colocavam no “meio da ação” para justificar aquela montagem picotada e caótica nas cenas de embate físico ou mesmo de tiroteio. E veio JOHN WICK – DE VOLTA AO JOGO (2014), dirigido por Chad Stahelski e David Leitch, para botar as cartas na mesa e mostrar o que havia de errado com esse cinema de ação mais preguiçoso. Não que isso tenha mudado muito o cenário atual, pois fazer esse tipo de trabalho requer muito esforço, talento e dedicação. Então, a franquia John Wick segue praticamente independente nesse cenário.

Depois de três filmes ótimos – o segundo, JOHN WICK – UM NOVO DIA PARA MATAR (2017), é uma pequena obra-prima –, Stahelski segue com o inspirado e carismático Keanu Reeves como o querido herói assassino disposto a encontrar um pouco de paz, quando na verdade está com a cabeça a prêmio. E um prêmio nas alturas, o que faz com que ele tenha que lutar com centenas de assassinos do mundo inteiro dispostos à glória para vencer o Baba Yaga, como é conhecido Wick por aí. O termo se refere a uma lenda do folclore eslavo: um ser sobrenatural com a aparência de uma mulher deformada que apaga os rastros que deixa com sua vassoura (obrigado, Wikipédia). Seria mais ou menos uma espécie de bicho-papão. Enfim, isso serve mais para dar ao personagem uma aura de medo, respeito e quase invencibilidade.

Ainda que muito se fale de sua duração (2h49min), o primeiro corte do filme tinha 3h45min (confesso que gostaria de ver esse corte também). É possível que a montagem tenha tirado muita coisa do que está na primeira hora de filme, que talvez seja a que mais se ressente de uma melhor coesão (se bem que eu precisaria rever, para saber se realmente há esse problema). Uma coisa que percebi é que o diretor Chad Stahelski prefere não colocar os nomes dos lugares onde a ação acontece. Numa hora, Wick está no Japão, depois está em Nova York novamente, por exemplo. Talvez essa questão do trânsito seja um problema, mas optar pelos hiatos muitas vezes é sinal de inteligência.

John Wick agora luta por sua sobrevivência. E por mais que haja uma amplitude no número de personagens para enriquecer sua mitologia, bem como para trazer graça e novidade constantes, sabemos que o que importa no filme é a ação, antes de mais nada. Um tipo de ação que nos deixa sem fôlego, mas que de vez em quando nos dá um respiro antes de começar novamente. 

Trata-se de uma obra que traz muitas surpresas e tem um capricho na direção de arte e na fotografia que enchem os olhos. As cores dos cenários, totalmente anti-naturalistas, servem ao deslumbre visual e me fizeram lembrar filmes de gênero italianos dos anos 1970. A criatividade com as cenas de ação segue em alta, com revezamento entre cenas com tiroteio, luta com faca ou corpo a corpo, com automóveis ou motocicletas etc. Stahelski une as tradições do cinema americano de ação dos anos 1970 (Friedkin, Frankenheimer), do cinema de artes marciais de Hong Kong, do cinema samurai do Japão e do faroeste para compor quase um novo gênero. Em determinado momento, no início do filme, é tanto tiro que me lembrei de FERVURA MÁXIMA, de John Woo.

Três cenas memoráveis: a luta contra um homem enorme (Scott Adkins) num clube, a luta no meio da rua com vários homens e com os carros passando, a luta para subir uma escadaria etc. E ainda temos dois anti-heróis muito legais: o assassino cego vivido por Donnie Yen (O GRANDE MESTRE) e o auto-intitulado Sr. Ninguém, vivido por Shamier Anderson. 

Aliás, poderia mais uma vez fazer referência a Tarantino e seu KILL BILL para fazer uma associação com JOHN WICK, pois ambos os diretores contam com vários personagens muito interessantes. O homem enorme vivido por Scott Adkins parece saído de uma história em quadrinhos (lembrei-me do Rei do Crime, da Marvel) e é incrível quando começa a luta entre os dois naquele clube, enquanto a música eletrônica (rock? industrial?) toca e as pessoas seguem dançando como se não houvesse amanhã. (Aliás, como é bom ouvir o rock no talo ao longo do filme. Por isso a importância de vê-lo numa sala de cinema que valorize a imagem e o som.)

Os dois assassinos citados representam pessoas que se identificam com John, que o respeitam muito, pessoas que ao mesmo tempo estão ali para trazer sua morte, mas que adiam isso, por algum motivo. Caine, o homem cego, é alguém que está ali por causa da família. Medo de perdê-la se não fizer o que o homem que o contrata pede. John, por sua vez, já perdeu sua esposa e se encontra só no mundo, como uma espécie de deus solitário que habita um Olimpo triste. O contratante dos assassinos é vivido por Bill Skarsgård, mais uma vez um sujeito covarde, mas que tem recursos para tentar vencer o adversário no cansaço. Já o Sr. Ninguém, em determinado momento, representa o espectador, ao assistir à luta final como nós no cinema. Ele bebe sua cerveja; nós comemos nossa pipoca. O fato de ele ter um cachorro sempre a seu lado o torna não apenas um personagem fascinante e querido, como alguém que tem outra coisa em comum com John.

O que torna difícil fazer jus a um filme como JOHN WICK 4 num texto escrito é o quanto se trata de uma obra quase que totalmente construída com a imagem. Logo, o formato ideal para prestar-lhe tributo seria com um ensaio visual, destacando imagens do filme. E é bem possível que isso já exista pela internet. E que deveria ser feito com muito carinho numa edição em mídia física da obra. Mas várias palavras ditas, ainda que poucas e econômicas, têm algo de poético. Destaque para o que Ian McShane diz para Wick sobre a beleza do sol nascendo antes do duelo. Ou quando Wick pede para que ele o leve para casa. Ou seja, Stahelski, poeta das imagens, sabe também usar palavras econômicas para atingir nossa sensibilidade.

+ TRÊS FILMES

VENUS

Bom ver que Jaume Balagueró segue fazendo filmes de terror  – sou fã de A SÉTIMA VÍTIMA (2002). Não sei por que motivo seus filmes deixaram de chamar a atenção depois de [REC] (2007) e sua sequência de 2009. Este seu novo filme, VENUS (2022), é visualmente muito bonito, embora eu tenha alguns poréns, especialmente com seu final. Ao contrário dos filmes de bruxaria ou de casa assombrada tradicionais, a pessoa que adentra a casa não está com a vida tranquila. Ao contrário, nossa heroína é uma dançarina de boate que rouba uma bolsa cheia de drogas excitantes (ecstasy?) e vai parar no apartamento da irmã, com um ferimento feio na perna. Mal sabia ela que aquele lugar é uma cilada muito maior do que lidar com os mafiosos ou a polícia. O que me agrada muito no filme é sua coragem de se apresentar bem gráfico e sangrento e de não ter medo de parecer inverossímil, ainda por cima trazendo uma trama envolvendo o sobrenatural. Ainda assim, podiam ter pensado num final melhor.

SHORTBUS

Uma surpresa ver que um filme que é mais famoso por suas cenas de sexo explícito acaba sendo, na verdade, um filme sobre pessoas que convivem com alguns problemas e que vivem em busca de solução. Há a terapeuta que nunca teve um orgasmo, um rapaz que teme sair da relação e magoar o namorado, uma moça que trabalha como dominatrix e que tem dificuldade de se relacionar etc. Um dos aspectos mais bonitos do filme é como ele é uma celebração da diversidade e da alegria trazida pelo sexo. É como se fosse uma obra passada num universo alternativo em que a década de 1970 pulou para os anos 2000 e não tivéssemos vivenciado a epidemia da AIDS e a era Reagan. SHORTBUS (2006), de John Cameron Mitchell, é uma obra ousada em sua proposta e com uma produção que deve ter dado muito trabalho, em se tratando da quantidade de figurantes nas cenas das orgias. Curiosamente, o filme não tem uma voltagem erótica muito elevada. Em vez disso, há um senso de humor muito interessante e que convida o espectador a se solidarizar com os personagens sem muito esforço.

DECISÃO DE PARTIR (Heojil Kyolshim)

Interessante como DECISÃO DE PARTIR (2022) trouxe em mim sentimentos paradoxais: em alguns momentos, me sentia intrigado e encantado; noutros, a trama confusa me afastava. E o fato de eu achar a trama confusa não tem muito a ver com gostar ou não do filme. Há muitos filmes de fundir o cérebro que me ganharam. Park Chan-wook (e também muitos diretores da Coreia do Sul) optam por um tipo de narrativa que não subestima o espectador, e por isso é bem possível que se trate aqui de um filme que se beneficie bastante de uma revisão para clarear certas cenas. Na trama, um detetive de polícia se vê obcecado e apaixonado pela principal suspeita da morte de um homem. Sua obsessão por ela faz com que ele nuble seus olhos para a realidade. E por isso a metáfora do colírio que ele usa constantemente é tão eficiente. Na trama, há situações que são apresentadas em momento posterior na montagem e há situações que são simplesmente omitidas, o que torna a compreensão do filme por vezes confusa. A segunda parte (por assim dizer), que traz a personagem da mulher chinesa novamente para a vida do protagonista é até mais interessante, justamente por trazer ainda mais mistério para a trama. Aliás, podemos ver DECISÃO DE PARTIR como uma ode ao mistério. Assim como o protagonista, Park Chan-wook parece ser um amante da névoa, em detrimento da clareza. Só queria ter me envolvido mais com os personagens, de modo a me perder com gosto pelo filme. Ainda assim, não é sempre que temos a oportunidade de ver um grande cineasta com um filme novo no cinema. Isso já é uma alegria.

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