sábado, abril 10, 2021
RASTRO DE MALDADE (Bone Tomahawk)
Lendo alguns comentários do público que viu RASTRO DE MALDADE (2015) há alguns anos, percebi que é comum acharem o filme lento e longo (na verdade só tem pouco mais de duas horas). Mal sabiam essas pessoas que o cineasta S. Craig Zahler faria um filme ainda mais lento e longo. E como meu primeiro contato com a obra de Zahler foi com JUSTIÇA BRUTAL (2018), seu terceiro longa, já estava mais ou menos preparado para este seu debut. Na verdade, acho que essa narrativa sem pressa dele está entre as suas maiores qualidades. Mostra o quanto ele é seguro na direção, na construção do roteiro e na construção das imagens.
A estreia de Zahler na direção foi fantástica. Lamento que seus filmes não estejam alcançando mais popularidade do que merecem, mas o culto vai aumentando à medida que as pessoas vão conhecendo seu trabalho. Em RASTRO DE MALDADE, o diretor une o western com o horror e em certo momento remete a certo ciclo de filmes de gênero italianos (não vou dizer mais nada sobre isso para não estragar as surpresas).
Quanto à parte western, parece uma mistura de RASTROS DE ÓDIO, de John Ford, com ONDE COMEÇA O INFERNO, de Howard Hawks. Há a missão desesperada por alguém que foi sequestrada por indígenas e há o grupo fisicamente frágil, composto por um idoso (Richard Jenkins) e um homem com a perna ferida (Patrick Wilson). Os mais fortes no grupo são o xerife vivido por Kurt Russell e um homem arrogante e famoso por ter matado muitos índios (Matthew Fox). Aliás, que baita elenco, hein? E pensar que esse filme é uma produção de baixo orçamento (U$ 1,8 milhão) e que foi rodada em apenas 21 dias...
Zahler credita muito do sucesso artístico do filme a seu excelente elenco. Que é masculino em grande maioria, mas que traz uma personagem feminina maravilhosa, a médica sequestrada pelos “índios trogloditas” vivida por Lili Simmons. No pouco tempo de tela que ela aparece, sua presença é luminosa. Mas, assim como os outros dois longas do cineasta, este seu primeiro trabalho como diretor é essencialmente masculino. E isso não deixa de ser um nadar contra a corrente neste momento, inclusive pelo fato de o diretor lidar com temas desconfortáveis como novamente trazer os índios como vilões, como nos westerns da velha Hollywood. Ele faz, porém, uma diferenciação, ao mostrar os inimigos como bem particulares. A caracterização dos tais trogloditas, aliás, é fantástica, saída da mente de quem é fã de ficção de horror - Zahler é também letrista de uma banda de death metal.
A história é bem simples, mas cada detalhe que o diretor/roteirista inclui na narrativa a enriquece cada vez mais. Seja a luneta que o personagem de Matthew Fox usa, o ópio usado pela médica e depois por seu marido (Wilson) ou o som que os trogloditas emitem. Além de tratar bem os aspectos psicológicos de cada personagem. E há todo o trajeto que os quatro percorrem para chegar ao destino, que vai se tornando cada vez mais penoso, cada vez mais próximo de um cenário de horror.
A comparação que costumam fazer entre Zahler e Tarantino tem sua razão de ser. Ambos são cineastas mestres em lidar com o prolongamento do tempo e com diálogos às vezes “pouco produtivos”. O que dizer daquela conversa do personagem de Jenkins sobre ler livros numa banheira?
Outro elemento muito presente nesta estreia de Zahler é a beleza plástica. Percebemos um cuidado com a composição dos personagens no quadro. Como se trata de uma produção barata, há bem poucos extras na cidade e isso acentua ainda mais o clima de beleza estranha. Enfim, mal posso esperar para o próximo Zahler. E quem sabe conhecer também seus trabalhos como romancista, roteirista de quadrinhos e roteirista de outros filmes não dirigidos por ele.
+ TRÊS FILMES
A RENA BRANCA (Valkoinen Peura)
Na busca por um filme de curta duração durante a madrugada, fiquei intrigado com este filme de horror finlandês bem diferente. A fotografia em tons expressionistas contrasta com a trilha sonora, que às vezes mais parece com a de algumas comédias da Velha Hollywood, o que acaba tornando este objeto ainda mais estranho. A história de A RENA BRANCA (1952), de Erik Blomberg, se passa nos campos gelados em uma comunidade de pastores de renas. Na trama, bela mulher do vilarejo, um tanto insatisfeita com o marido, procura um xamã, que a oferece poder através de uma poção e do sacrifício de um animal. De certa forma, parece uma variação de filmes de lobisomem, substituindo o lobo por uma rena branca. Achei pouco envolvente em sua conclusão, mas é muito bonito visualmente e tem o seu charme. Filme presente no box Obras-Primas do Terror 11.
TIMER - CONTAGEM REGRESSIVA PARA O AMOR (TiMER)
Depois de WANDAVISION fiquei curioso com este longa da criadora da série, Jac Schaeffer, e que tem também elementos tanto de romance quanto de ficção científica. Na história de TIMER - CONTAGEM REGRESSIVA PARA O AMOR (2009), cientistas inventaram um timer que indica/avisa quando a pessoa vai encontrar a sua cara-metade. A personagem principal tem o seu timer em branco, o que indica que o seu predestinado ainda não implantou um. Enquanto isso, ela conhece um rapaz por quem ela tem interesse. Ao mesmo tempo, vemos sua meia-irmã e suas atitudes mais altruístas e mais interessadas na felicidade dela. É interessante que há o espaço para o questionamento da validade ou não dessa tecnologia, e gosto de como a história se encerra.
O RELOJOEIRO (L'Horloger de Saint-Paul)
O filme escolhido para homenagear Bertrand Tavernier, que partiu na quinta-feira, dia 25 de março, foi esta obra presente no box Filme Noir Francês 4, da Versátil. A vantagem de ter esses boxes com filmes diversos estrategicamente guardados é ter obras como esta, cheias de surpresas, à mão. E pra mim a surpresa está principalmente no fato de que este longa-metragem de estreia de Tavernier é muito mais um filme sobre a relação entre pai e filho (e antes disso entre o pai e o policial responsável pelo caso, vivido por Jean Rochefort) do que sobre o crime em si. Em O RELOJOEIRO (1974), acontece o crime, um assassinato, e o personagem de Philippe Noiret fica aturdido ao saber que seu jovem filho fugiu com a namorada depois de ter matado um homem. A partir daí o filme segue em um andamento lento, sem pressa, com escolhas nada óbvias de composição narrativa, com relação ao que acha melhor mostrar e o não mostrar. Acho a cena final muito bonita. Por mais que o filme não explore tão bem a relação pai e filho, ela se estabelece de maneira forte a partir da ausência e da dor do personagem de Noiret.
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