segunda-feira, novembro 13, 2006

VOLVER



Depois de uma obra-prima comovente como FALE COM ELA (2002), é até natural que Pedro Almodóvar não consiga mais se superar. Mesmo assim, ainda espero o dia em que o cineasta nos presenteará com uma obra à altura de seu grande talento. VOLVER (2006) é tão bom quanto MÁ EDUCAÇÃO (2004), ainda que seja um pouco mais comportado. Trata-se de um retorno às protagonistas femininas, depois de dois filmes centrados em personagens homens. Carmen Maura, depois de um longo tempo afastada de Almodóvar por causa de um desentendimento, volta a trabalhar com o diretor num papel de destaque. Como em time que está ganhando, não se mexe, Alberto Iglesias, responsável pela trilha sonora dos filmes de Almodóvar desde A FLOR DO MEU SEGREDO (1995) continua presente. Bem como o veterano diretor de fotografia José Luis Alcaine, que trabalhou com o cineasta em mais três outros títulos. Se bem que qualquer fotógrafo que trabalhe com Almodóvar deve seguir as orientações do cineasta. A ênfase nas cores quentes, em especial o vermelho e o amarelo, já é uma marca de seus filmes.

Se fosse feito no Brasil, talvez o filme se chamasse "A Velha debaixo da Cama", tendo em vista as várias vezes que Carmen Maura aparece escondida. Ela interpreta a falecida mãe das irmãs interpretadas por Penélope Cruz e Lola Dueñas. O filme começa com as duas mulheres - e mais Yohana Cobo no papel da filha adolescente de Penélope - no cemitério, limpando o túmulo da mãe. A trama gira em torno de dois acontecimentos: a morte do marido de Raimunda (Penélope Cruz) pela própria filha, depois que o pai tenta abusar sexualmente da menina; e o aparecimento da já citada mãe morta.

Interessante que o filme é totalmente isento de moralismos. Os crimes são imediatamente perdoados pelo público, que se torna cúmplice das personagens. A presença feminina é poderosa e constante. Quase não há espaço para personagens masculinos, ainda que eles tenham a sua importância na trama, sendo responsáveis pelos traumas na vida das mulheres. Se em MÁ EDUCAÇÃO, o abuso sexual está presente na igreja, em VOLVER, ele aparece dentro do lar. O marido de Raimunda, no pouco tempo que aparece no filme, mostra-se um completo inútil e dominado por desejos carnais. A cena dele se masturbando na cama porque a mulher lhe nega fogo, me fez lembrar do estuprador de KIKA (1993), que precisa a todo custo satisfazer os seus desejos. Penélope Cruz aparece muito sensual, com um decote matador e usando uns enchimentos para ficar com os quadris mais largos, mais próximos da típica mulher italiana que Almodóvar quis homenagear. Numa seqüência, Carmen Maura assiste na televisão a Ana Magnani numa cena de BELÍSSIMA, de Luchino Visconti.

Interessante a mudança gradativa de tom do começo para o final do filme. No início, VOLVER se alimenta de um clima de mistério, acentuado pela música de Alberto Iglesias e pelo som do vento uivante da região de La Mancha. No começo, uma série de eventos tornam o filme um pouco pesado: a morte de Paco, o câncer em Agustina (Blanca Portillo), a morte de Tia Paula, o aparecimento de um fantasma. Aos poucos, com o esclarecimento dos mistérios e a praticidade com que as irmãs Raimunda e Sole (Lola Dueñas) contornam seus problemas, o filme vai ficando mais leve e mais colorido. Entre as cenas mais marcantes do filme está, com certeza, aquela em que Penélope Cruz canta, com os olhos cheios de lágrimas, o tango "Volver", de Carlos Gardel. Sua mãe, escondidinha no canto, fica toda orgulhosa. E aposto que Almodóvar também.