sexta-feira, novembro 24, 2006

GERRY



A partir de GERRY (2002), Gus Van Sant vem sendo visto como um diretor de um cinema comtemplativo, a exemplo de um Abbas Kiarostami, um Manoel de Oliveira, um Michelangelo Antonioni, ou o Vincent Gallo de THE BROWN BUNNY. Compararam bastante GERRY com os filmes do cineasta húngaro Bela Tarr, mas como nunca vi nenhum filme desse diretor, fico na minha. Já a comparação com Tarkovski não me agrada. Tudo bem que Tarkovski é um cineasta contemplativo também, mas cada fotograma de seus filmes parece ter um poder, uma força que os filmes de Van Sant ainda não têm. Os tempos mortos de GERRY, por exemplo, podem ser preenchidos por pensamentos dos mais diversos. Por isso que na longa seqüência de caminhada de Matt Damon e Casey Affleck eu me dispersei. Esqueci do filme por alguns momentos e pensei em coisas da minha vida, bem pouco relacionadas àquela cena. Acredito que se tivesse assistido o filme no cinema, essas dispersões seriam bem menos freqüentes.

GERRY é um filme praticamente sem plot. A narrativa não tem muita importância. Pode-se resumir a estória como sendo a de dois amigos que se perdem no deserto. Não se sabe o que os dois pretendem, qual o objetivo dessa viagem, o que eles fazem da vida, porque eles se tratam ambos como "Gerry", porque eles usam o verbo "to gerry" (significando algo como fazer bobagem). Quando eles se vêem "oficialmente" perdidos, muitas dessas perguntas já não nos interessam mais. Só o que importa agora é achar um caminho para sair daquele lugar. Enquanto isso, o deserto os engole aos poucos. E o que é pior: eles estão sem água ou comida. E à medida que eles vão ficando cansados, a conversa vai diminuindo, pois suas forças estão se esgotando e é preciso economizar energia.

Esse suspense tem o seu auge na cena em que Casey Affleck fica "preso" em cima de uma rocha alta e não consegue mais descer. Se ele pular, ele pode torcer o tornozelo. O que fazer, então? É uma cena que dura cerca de dez minutos e é o momento de maior força de GERRY. Depois dessa cena, comecei a ficar um pouco incomodado com o filme. Mas talvez isso seja um elogio e a intenção de Van Sant tenha sido essa mesmo. Dizem, inclusive, que durante a exibição do filme num festival passado, muitas pessoas abandonaram a sessão no meio. Talvez seja por isso que GERRY não chegou a ser exibido no circuito comercial ou a ser lançado em DVD. É, muito provavelmente, o trabalho mais anti-comercial de Van Sant. Mais até do que LAST DAYS (2005), ainda que esse último seja bem mais ousado na opção por abandonar completamente o plot. Acontece que LAST DAYS, por ser inspirado em Kurt Cobain, conquistou o interesse de uma grande audiência, enquanto que GERRY, nem a presença de Matt Damon atraiu bilheteria. Quanto à cena final dos dois rapazes no deserto, eu ainda estou para entendê-la. O interessante é que essa ambigüidade pode gerar mais discussões. Há teorias que dizem que os dois Gerries seriam uma só pessoa dividida; outros já vêem o filme como um romance. De todo modo, vê-se que não se trata de um filminho qualquer ou uma capricho de um cineasta que quer se reinventar e ser reconhecido entre os grandes.

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