terça-feira, março 25, 2025

ESTÔMAGO



Ando vendo menos filmes e por isso surge a oportunidade de repensar alguns títulos vistos no ano passado e que estavam ainda na lista dos que “esperavam” espaço no blog. Sempre escrevo um textinho no calor do momento e esses textos agora são aproveitados no “+ 3 Filmes” depois do principal, como muita gente já deve ter notado. Esse recurso passou a ser feito por mim por conta do pouco tempo que tenho para escrever, em comparação com tempos atrás, em que eu conseguia escrever sobre qualquer filme visto. Agora eu acabo escolhendo um para expandir um pouco, pensar mais um pouco, e trazer para este espaço. 

Eis que percebo que ESTÔMAGO (2007), de Marcos Jorge, visto no ano passado, quando de seu relançamento, poderia ser um desses filmes. Até porque posso aproveitar e ler o texto de Andrea Ormond para o livro Ensaios de Cinema Brasileiro: Volume III – Os Anos 2000 e 2010. E há também o texto de Marcos Santuario para o 100 Melhores Filmes Brasileiros, livro produzido pela Abraccine, com apoio do Canal Brasil. Sim, eu gosto muito de ler sobre os filmes antes de escrever a respeito, e faço isso não apenas para perceber novas maneiras de se ver o mesmo filme, mas também para obter mais informações a respeito, ainda que, em se tratando de filmes novos, eu prefira não ler outras críticas. 

Os textos da Andrea sempre me ganham muito por seu valor literário mesmo. Percebe-se que ela tem um vasto background de alta literatura, em especial de literatura brasileira. Lembro de Machado de Assis quando a leio, mas também de escritores modernistas e contemporâneos. Sobre ESTÔMAGO, ela destaca o erotismo que uma receita de comida pode também representar, algo que o próprio Jorge Amado havia destacado em algumas de suas obras (Gabriela, Cravo e Canela; Dona Flor e Seus Dois Maridos, em especial, ambas levadas ao cinema). E o filme de Marcos Jorge também explora muito bem esses dois elementos: quem não se lembra da cena de sexo em que Nonato saboreia o corpo de Íria (Fabíula Nascimento), enquanto ela saboreia a comida feita por ele simultaneamente? Ou quem não se lembra do êxtase de Íria ao experimentar pela primeira vez a coxinha feita por ele?

Andrea também destaca o recurso do voice-over de Nonato/Alecrim, e do quanto ele parece um “cordel sem rimas”. O sotaque e a musicalidade da voz de João Miguel fazem a diferença no modo como o personagem nos ganha, ao contar sua história em duas linhas temporais: a chegada à cidade grande, a descoberta de seu dom culinário e seu encontro com a prostituta Íris; e a vida na prisão, depois de ter cometido um crime grave, apenas revelado no final do filme.

Já Santuario destaca as hierarquias de poder que o filme trata: o poder de alguém que sabe cozinhar, o poder de um bandido numa penitenciária, o poder de sedução de uma mulher, o poder de alguém que tem dinheiro, como o dono do restaurante que contrata Nonato. Há também destaque para o toque cômico que é um dos elementos que o filme mais se beneficia para conquistar o espectador. Nesse sentido, eu diria que aí está o poder de Marcos Jorge, o de saber manipular o espectador com seus ingredientes, e organizando-os na ordem correta para que o resultado seja o melhor possível.

Podemos dizer que ESTÔMAGO se tornou um clássico. Revê-lo depois de menos de vinte anos mostrou o quanto este sucesso do cinema brasileiro dos anos 2000 permanece um prazer de ver. Eu diria até que ficou melhor com o tempo. E talvez seja o grande papel da carreira de João Miguel, mesmo contendo no currículo maravilhas como CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS, O CÉU DE SUELY e À BEIRA DO CAMINHO, só pra citar três de meus queridos.

Como seu personagem é muito divertido e aparentemente ingênuo, e a montagem contribui para que tenhamos esse tipo de relação com ele, fica até difícil acabar o filme fazendo algum tipo de julgamento mais pesado. Além do mais, isso atrapalharia se a história fosse contada na ordem exata dos acontecimentos, com toda a história na prisão sendo jogada para a segunda metade. ESTÔMAGO é uma delícia de ver, pela gastronomia também, mas principalmente por ser um exemplo de filme em que tudo funciona perfeitamente: montagem, roteiro, atuação (Paulo Miklos sempre rouba a cena quando aparece) e humor (difícil não rir várias vezes durante a projeção).

Inclusive, o diretor confessou que para fazer ESTÔMAGO, ele bebeu na fonte de outros filmes de gastronomia, como A FESTA DE BABETTE, de Gabriel Axel, e O COZINHEIRO, O LADRÃO, SUA MULHER E O AMANTE, de Peter Greenaway. Sim, o cinema também é feito para dar água na boca.

+ TRÊS FILMES

GREICE

Dos três longas-metragens de Leonardo Mouramateus, vejo GREICE (2024) como seu maior acerto até o momento. É um filme que tem um sabor de Éric Rohmer, mas com o diferencial (vantagem) de fazer com que o espectador brasileiro, em especial o cearense, se veja representado no sotaque, na graça e na espontaneidade dos personagens. Amandyra, jovem atriz-revelação, dá um show como a personagem-título que se vê numa encrenca em seu curso superior em Lisboa e volta para Fortaleza, sem que sua família saiba, até a poeira baixar. O trabalho de montagem está sempre a favor da narrativa e é usado de maneira criativa e envolvente. Gosto também de que existe um mistério na trama, um segredo, mas há algo que torna esse segredo leve e consonante com o espírito do filme e de seus heróis.

BANDIDA – A NÚMERO UM

Vendo BANDIDA – A NÚMERO UM (2024) fiquei pensando no quanto CIDADE DE DEUS poderia ter sido uma dessas obras muito copiadas, devido a sua importância e repercussão inclusive internacional, mas que acabou não sendo. Talvez porque, para seguir os passos do filme de Meirelles, teria que haver uma produção mais cara, mais caprichada, e nem sempre se pode contar com isso no Brasil. Eis que vendo este novo trabalho de João Wainer (A JAULA, 2022), percebemos que é uma obra que segue, sim, os passos do CIDADE. E falo isso não como um problema. Na verdade, é uma delícia de acompanhar, tem uma linguagem bem dinâmica e conta a história da heroína de um jeito que nos importamos com os personagens, além de ser muito fácil gostar de alguém como Rebeca (Maria Bomani, ótima!), a garota que é comprada na infância para ser propriedade de um traficante e depois acaba se tornando, de certa forma, a líder do tráfico na Rocinha nos anos 1990. Aliás, a contextualização da época é muito boa também, embora eu considere meio aleatórias aquelas mudanças de janela e texturas, mas não chega a incomodar. Até é uma maneira de brincar com os formatos de filmagem existentes nas épocas retratadas (anos 1970-90). As escolhas de Milhem Cortez e Otto como dois líderes de tráfico rivais foi muito acertada. Eu até faço a reclamação de que o filme podia ser maior (tem apenas 82 minutos) e também vejo isso como uma qualidade. Afinal temos um filme que deixa aquele gostinho de quero-mais. Muito bom.

AUMENTA QUE É ROCK'N'ROLL

Muito da força de AUMENTA QUE É ROCK'N'ROLL (2024), de Tomas Portella, vem da sempre ótima atuação de Johnny Massaro. Ele imprime ao personagem Luiz Antônio algo que certamente teria se perdido se fosse outro ator no papel. O filme é sobre ele, sobre sua busca por criar uma rádio dedicada exclusivamente ao rock num tempo em que o rádio era o meio de comunicação mais democrático e barato do país, que ainda vivia em tempos de ditadura, mas a caminho da redemocratização. O filme de Portella é redondinho e muito gostoso de ver, principalmente para quem viveu aquele período, e também para quem é amante da energia sem igual do rock. Quando termina vemos que não se trata apenas da história da criação da primeira rádio rock do Brasil, mas também da superação do medo pelo amor, para usar as palavras da minha namorada Giselle. E o filme até faz uso de um clichê de comédia romântica para isso. Mas ficou lindo, hein. Além do mais, ouvir duas canções inteiras (ou quase) da Legião Urbana (ao contrário das demais que tocam só trechos) pode ter uma justificativa: a trilha sonora do filme é de Dado Villa-Lobos. Não sei o quanto a inclusão da banda de Renato Russo foi ou não uma "licença poética", mais ou menos como fez BOHEMIAN RHAPSODY, que brincou com a ordem dos acontecimentos, já que a história do filme termina justamente em janeiro de 1985, com os shows do Rock in Rio. O primeiro disco da Legião também foi lançado em janeiro de 85.

domingo, março 23, 2025

LOBISOMEM (Wolf Man)



Ontem dei uma entrevista para o podcast Cine Amora (que ainda vai ao ar) e o Gabriel Amora se impressionou com a capacidade que eu tive/tenho de manter este blog por tanto tempo. A conversa foi muito legal e poderia ter se estendido até mais, pois falar de cinema é sempre um prazer. Este blog é um espaço que mantenho atualizado por amor, mesmo. Sei que é muito pouco lido em tempos de Instagram e Tik Tok, mas o que acho mais importante é mantê-lo vivo.

Este mês de março não está sendo fácil para mim. Além de estar vivendo uma tempestade em minha vida. Além de situações familiares delicadas, inclusive de doenças, e de perdas materiais, ainda estou cumprindo uma promessa de não ir ao cinema por 30 dias, por uma bênção alcançada. Ontem mesmo, aliás, ao sair do estúdio do Amora, me encontrei com o querido cineasta Allan Deberton, que havia sido recém-entrevistado. Ele talvez tenha se perguntado se não vi ou por que não vi ainda seu novo filme, O MELHOR AMIGO, em cartaz há duas semanas nos cinemas (ou não, talvez ele tenha mais com o que se preocupar). De todo modo terei que esperar até o início de abril para vê-lo, e também tentar ver o máximo de filmes que estiverem ainda em cartaz. Me aguardem. Mal posso esperar.  

Enquanto isso, a escolha de hoje para um texto um pouquinho maior é o subestimado LOBISOMEM (2025), de Leigh Whannell, que a maioria da crítica e da cinefilia recebeu com certa frieza ou mesmo desdém. Achei um belo filme. Se em O HOMEM INVISÍVEL (2020) Whannell tratou de violência doméstica e masculinidade tóxica, em LOBISOMEM, a masculinidade volta novamente à tona como preocupação do enredo. Talvez não exatamente a masculinidade, mas o modo como alguns homens, em sua incapacidade de expressarem seus sentimentos ou de serem brutos mesmo, acabam ferindo algumas pessoas, principalmente seus familiares, seus filhos.

Talvez o interesse do filme seja lidar com a paternidade e o quanto a educação e o cuidado fazem a diferença na criação da pessoa. Falando assim, nem parece filme de horror, mas é sim, e bastante sangrento, inclusive. E, diferente daquele O LOBISOMEM de 2010, que foi mais um filme de monstro da Universal fracassado do período, este novo tem um cuidado maior em trabalhar tanto com o suspense quanto com a transformação física e a perda gradual do personagem de Christopher Abbott, um ator, aliás, que tem aparecido bastante em filmes de gênero, como AO CAIR DA NOITE, de Trey Edward Shults, POSSESSOR, de Brandon Cronenberg, BLACK BEAR, de Lawrence Michael Levine e SANTUÁRIO, de Zachary Wigon, todos filmes pequenos e com um viés autoral ou mais artesanal, fugindo um pouco do estilo industrial das produções maiores dos grandes estúdios. Ah, Abbott também aparece num papel pequeno mas essencial em POBRES CRIATURAS, de Yorgos Lanthimos.

Este LOBISOMEM de Whannell, inclusive, apesar de ter uma produção mais cara, e percebemos claramente um interesse da Universal numa revitalização dos monstros clássicos da era de ouro do estúdio, é também é um filme que aposta no novo, por mais que muita coisa seja reciclada, até para dar um ar de certa familiaridade, o que é também bom para o espectador habitual do cinema de horror. O gênero é costumeiramente associado a um sentimento de bem-estar, por incrível que possa parecer para aqueles que não o apreciam ou têm pouca intimidade.

Há também algo bastante criativo nesta nova abordagem, que é a dificuldade de comunicação após o início da transformação e a forma como Whannell e a roteirista estreante Corbett Tuck, esposa de Whannell, tratam. O visual do monstro lembra um pouco o do clássico O LOBISOMEM de 1941, a principal referência, em que o monstro não se transforma totalmente num lobo, e anda com as duas pernas (pelo menos a maior parte do tempo), mas aqui não há uma intenção de aprofundar a questão do folclore ou nada do tipo.

Na trama, Blake, o personagem de Abbott, sua esposa Charlotte (Julia Garner, que depois se revelaria a principal protagonista) e a filha pré-adolescente Ginger (Matilda Firth) partem de São Francisco para uma temporada na terra onde Blake cresceu com o pai no passado. Agora que o pai foi dado oficialmente como morto, ele volta ao lugar para ver questões de herança. Não demora para que, ao chegarem ao lugar, serem atacados por uma criatura feroz. Depois, eles conseguem fugir para uma cabana, onde tentam se proteger da criatura, ao mesmo tempo que algo estranho começa a acontecer com o corpo de Blake.

Se Whannell não fez tão bonito quanto no anterior, fez um terror intimista calcado num drama familiar muito bom. Espero que no futuro LOBISOMEM seja mais valorizado e se torne uma obra mais respeitada e mais querida. Com frequência esse tipo de coisa acontece, afinal.

+ TRÊS FILMES

STING – ARANHA ASSASSINA (Sting)

Há filmes que parecem nascidos de cartazes. Era uma lógica que prevalecia em indústrias de filmes B tanto nos Estados Unidos quanto na Itália décadas atrás. E o cartaz de STING – ARANHA ASSASSINA (2024), de Kiah Roache-Turner, é tão bonito e atraente que até parece que o filme pode ter nascido dessa maneira também, embora ache pouco provável. O que esta produção austaliana traz de melhor talvez seja a ótima concepção do espaço, que é formado basicamente pelos apartamentos e os dutos de ar, por onde andam tanto a aranha alienígena quanto a menina que a adota. Há uma trama de família envolvendo o abandono do pai e o relacionamento carinhoso com o padrasto, desenhista de histórias em quadrinhos, mas que ganha a vida mesmo como zelador do prédio. Enquanto isso, a menina vai percebendo as peculiaridades daquela aranhinha pequena que vai se tornando cada vez maior e mais faminta. Senti falta no filme de mais suspense e terror, mas a aura de familiaridade e de diversão acabam compensando e tornando STING uma bela diversão descompromissada.

ACOMPANHANTE PERFEITA (Companion)

Uma das graças de ACOMPANHANTE PERFEITA (2025), de Drew Hancock, está em trazer uma sucessão de surpresas ao longo da trama, o que contribui para seu potencial de atração para o público, em especial o mais jovem. No fim, além de divertido, é também uma história sobre dependência emocional e busca de libertação após uma percepção da realidade. Pode parecer muito para um filme com essa embalagem mais pop e que se vende como horror, quando pode ser vendido também como ficção científica, que muitos vão associar à série BLACK MIRROR, mas há tempos o cinema de gênero tem trazido temas relevantes de nossa sociedade. Além do mais, Sophie Thatcher está muito bem como a protagonista. Legal que ela vem de outro filme de gênero muito bom da safra atual, HEREGE. Só acho que o filme me perdeu um bocado em sua segunda metade, talvez por algum problema de ritmo.

CHIME

Não sei se por ser mais curto ainda do que eu esperava (o que de certa forma é um bom sinal, pelo menos de que estava gostando do filme), mas não tive tempo de me conectar suficientemente com CHIME (2024), de Kiyoshi Kurosawa, que contém elementos tanto de A CURA (1997) quanto de PULSE (2001), especialmente na forma como o cineasta manipula sua câmera, seja em movimento lento para os lados, revelando ações e figuras, seja estaticamente, às vezes em posições pouco usuais. Na trama inicial, um professor de culinária frustrado profissionalmente é confrontado com um aluno que diz estar ouvindo um badalo. A princípio, achei que o filme enveredaria por algo parecido com MEMORIA, obra-prima de Apichatpong Weerasethaku. Felizmente o filme se encaminha para algo diferente e mais a cara de Kurosawa, que trata de temas como depressão e solidão com a chave do horror. A opção por uma obra menor (em duração) não significa um cansaço do criador, pois no mesmo ano de 2024 lançou três filmes diferentes. CLOUD tem sido tão ou mais elogiado que CHIME, por exemplo. A ver.

terça-feira, março 18, 2025

DRAGÕES DA VIOLÊNCIA (Forty Guns)



Que ano intenso foi 1957 para Samuel Fuller! Ele entregou três trabalhos fenomenais: o drama de guerra NO UMBRAL DA CHINA, o western RENEGANDO MEU SANGUE e este outro western, DRAGÕES DA VIOLÊNCIA. E o mais incrível da experiência de ver seus filmes é o quanto eles geram sentimentos mistos, mas sempre sentimentos também de muita admiração por suas ousadias estéticas, e aqui ainda mais, por seu virtuosismo. E ele fazia isso sempre com cinema de baixo orçamento, com produções B. Seus filmes, com frequência (ou quase sempre?), são produções escritas, dirigidas e produzidas por ele mesmo, o que não quer dizer que ele tinha o corte final sempre que queria. No caso de DRAGÕES DA VIOLÊNCIA ele não pôde usar o final que gostaria, por exemplo. A Fox achou por demais niilista.

Talvez este seja o filme em que se percebe com mais facilidade o virtuosismo de Fuller. O uso do cinemascope para mostrar a mulher cheia de poder e seus quarenta ladrões, já desde sua primeira aparição deixando um rastro de areia como numa tempestade, o uso de imagens aéreas para nos apresentar a um território ou uma imagem de cima para nos trazer informação privilegiada, de travellings para nos trazer uma sensação de levitar ou o super close-up dos olhos do herói antes mesmo de existirem os westerns de Sergio Leone, ou aquela cena incrível do tornado. 

E mais: o que dizer daquela cena de uma beleza plástica fenomenal, que é a do enterro do irmão do protagonista, com um contraste no preto e branco, de encher os olhos? Mas DRAGÕES DA VIOLÊNCIA sofre com personagens masculinos fracos (talvez os atores escolhidos não tenham sido suficientemente bons) e uma sensação de que algo faltou na mesa de edição.

Barbara Stanwyck, por sua vez, está incrível (como sempre), aqui num papel que geralmente costuma ser associado ou comparado aos de Joan Crawford em JOHNNY GUITAR, de Nicholas Ray, e Marlene Dietrich em O DIABO FEITO MULHER, de Fritz Lang. Curiosamente, as três atrizes dos referidos filmes já eram mulheres maduras e por isso mesmo esses papéis têm a força que tem, embora eu sinta falta de um texto melhor para Stanwyck. Aqui Fuller prefere privilegiar as imagens, e é justamente pelas imagens que este filme costuma ser tão celebrado.

Além do mais, há todo um discurso anti-armas que a princípio eu não notei, mas, vendo o ótimo extra, presente no box O Cinema de Samuel Fuller, meus olhos se abriram e deu para perceber o quanto o cineasta via a arma de fogo como um brinquedo estúpido usado pelos homens para fazer guerras e matar as pessoas. A arma como um brinquedo que pode ser tirado por uma figura materna é algo que se apresenta muito explícito na cena em que a personagem de Stanwyck toma a arma do irmão mais novo, que gosta de ficar aprontando e fazendo besteiras. Inclusive, acho muito interessante que esse tipo de coisa ajude a compensar as acusações que o cineasta por vezes recebia de ser fascista. Do ponto de vista político, ele era tão complexo quanto fascinante.

Aliás, é curiosa a questão entre o protagonista (Barry Sullivan) e a personagem de Stanwyck. Ele, como homem da lei, sente uma atração por aquela mulher que abriga 40 ladrões, e muitos deles com crimes graves, como assassinato, além de assalto a banco também. Fica muito estranho o final, mas há toda uma questão envolvendo a Fox, e Fuller acabou fazendo um final ruim de propósito, ao que parece. Mesmo assim, do jeito que ficou, acho muito curioso ele mostrar a personagem de Stanwyck, depois de ter se apresentado como durona e dona de um império, se desnudando para ficar com o homem que ama e encararem o desconhecido à medida que vão sumindo no horizonte.

No livro Samuel Fuller, de Phil Hardy, publicado em 1970, o autor divide a obra do cineasta em cinco aspectos: “An American Dream”, “Journalism and Style”, “An American Reality”, “Asia” e “The Violence of Love”. DRAGÕES DA VIOLÊNCIA se encaixa nesse último capítulo, junto a EU MATEI JESSE JAMES (1949), O BARÃO AVENTUREIRO (1950) e O BEIJO AMARGO (1964). Trata-se, portanto, de um filme de paixões. Não que vários outros também não o fossem, mas achei interessante essa divisão. 

A primeira lembrança que Hardy faz de DRAGÕES DA VIOLÊNCIA nesse capítulo é da cena em que os personagens de Stanwyck e Sullivan se beijam ao som do barulho dos pés do homem que havia acabado de se enforcar: um homem que trabalhava para a líder do bando, e que nutria por ela uma paixão. Ou seja, há nesta cena um conflito terrível: como se o amor estivesse fadado a ser interrompido pela tragédia ou pelo horror. Em EU MATEI JESSE JAMES, Bob Ford descobre que sua namorada não o ama e que ele amava, na verdade, o companheiro que assassinou covardemente. Já em DRAGÕES, vemos aquela cena bastante incômoda do tiro: Sullivan não apenas atira na mulher para, em seguida, matar o bandido, mas também segue friamente, dizendo: chamem o médico, ela está viva, ou algo do tipo. Mas deixarei para falar um pouco mais sobre isso, quando da revisão de O BEIJO AMARGO. 

+ TRÊS FILMES

CORAÇÕES LOUCOS (Les Valseuses)

Em homenagem a Bertrand Blier, falecido no dia 20 de janeiro, escolhi este CORAÇÕES LOUCOS (1974) para ver, muito por sempre ter achado atraente a foto que circula pela internet com os três protagonistas nus, Gérard Depardieu, Patrick Dewaere e Miou-Miou. É fácil se pegar com raiva dos protagonistas do filme logo de início, não por eles serem ladrões pés-de-chinelo e também homens com um grau de taradice bastante acentuado, mas justamente pelo modo como eles se aproveitam da masculinidade para se aproximar de mulheres indefesas. Felizmente este trabalho de Blier é muito mais complexo e traz tons de cinza para esses dois homens, especialmente quando entra em cena a ótima personagem de Miou-Miou, uma mulher que tem problema de frigidez. Mas o filme me ganha mesmo quando surge em cena a personagem de Jeanne Moreau. Seu momento em cena é curto, mas muito marcante e faz com que os rumos das vidas dos três mudem consideravelmente, assim como a vontade de fazer algo bom. Certamente é um filme que jamais seria feito nos dias de hoje (a cena com uma bem jovem Isabelle Huppert, principalmente), mas funciona como um documento daqueles anos mais complexos e mais libertários. A palavra liberdade e suas variáveis é a primeira que vem à mente nas últimas cenas do filme, inclusive. E que sensacional que é a cena de sexo dentro do carro em movimento, hein.

VONTADE INDÔMITA (The Fountainhead)

O filme que inspirou O BRUTALISTA tem um visual ainda mais emulador dos grandes edifícios em cada fotograma. Embora o filme me perca por vezes no roteiro e nas ideias do personagem de Gary Cooper, ele me ganha quando um triângulo amoroso muito interessante se estabelece, com Patricia Neal e Raymond Massey. Do ponto de vista político achei estranho que King Vidor, o mesmo diretor de O PÃO NOSSO (1934), de forte aceno comunista, seja o mesmo deste VONTADE INDÔMITA (1949), uma ode ao individualismo e um filme claramente liberal. Gosto muito das cenas entre Cooper e Neal, e acho engraçado como a lógica do melodrama aqui se forma de maneira a mostrar seus heróis como figuras trágicas e muitas vezes estúpidas: quando estão com a felicidade em suas mãos, do ponto de vista do amor, acabam tomando outros caminhos, por causa de caprichos. É um filme estranho também justamente por ter nascido da parceria com a autora do romance, a russa Ayn Rand, que exigiu muita fidelidade a seus diálogos. Por isso há algo de travado e pouco realista quando os personagens falam sobre suas visões de mundo. Ainda assim, é visualmente admirável. De encher os olhos. Visto no box Melodrama no Cinema.

ALUCARDA – A FILHA DAS TREVAS (Alucarda – La Hija de las Tinieblas)

Por mais que eu não tenha sido tão conquistado por ALUCARDA – A FILHA DAS TREVAS (1977), de Juan López Moctezuma, é preciso ver o quanto o filme traz um visual original (o que são aquelas freiras vestidas de múmia?) e uma seriedade que o afasta de um horror B mais comum ou de um nunsploitation vulgar. Sem falar que temos aqui um filme de vampiro que é também um filme de possessão demoníaca. Ou seja, pensamos nos dois filmes de terror possivelmente mais influentes dos anos 1970, OS DEMÔNIOS, de Ken Russell, e O EXORCISTA, de William Friedkin. Gosto muito da protagonista, vivida pela belíssima Tina Romero, que já tinha 28 anos na época, mas que convence muito bem como uma adolescente rebelde e estranha em seu vestido preto e expressões que vão da paixão ao ódio. Há cenas que ficam grudadas na memória, como a tentativa de exorcismo de Justine, com a entrada em seguida do médico. O visual do convento, que também é um orfanato, é muito próprio, parecendo uma caverna. Coisas que só um diretor ousado e criativo e filmando de maneira bem independente conseguiria. Visto no box Obras-Primas do Terror 10.

domingo, março 16, 2025

FILME DE AMOR



“O prazer passa, mas o desejo volta sempre; e é o alimento do amor.”

Vários filmes dos anos 2000 estão precisando de uma remasterização, pois foram realizados em película naquele momento de transição para o digital e, com sorte (podia ser pior), suas únicas fontes são dos DVDs lançados. É o caso de FILME DE AMOR (2023), que há tempos eu já deveria ter visto, mas que calhou de ser um dia desses, em que eu fiquei em casa, de modo a me dedicar a mais este título de Julio Bressane.

Aliás, descobri que a melhor maneira de ver Bressane em casa é fazendo anotações, tanto do que me chama a atenção nas imagens e sons, quanto de reflexões a partir do que me vem à mente sob o efeito do que o diretor apresenta. É quase como ler um livro fazendo anotações a lápis. Fiz isso com GAROTO (2015), filme que abriu meu ano de 2025, e agora repito com esta produção que acabou ditando um pouco do que seria o Bressane do século XXI, em especial seu interesse mais crescente por tratar do sexo.

Até achei que FILME DE AMOR fosse menos verbal do que vários de sua fase mais recente, mas traz bastante da erudição do cineasta, de seu interesse em equiparar o prazer da leitura e da cultura com o prazer pelo sexo, que aqui surge de maneira bem pouco usual até para o próprio Bressane. Não se trata nem do filme mais sensual dele, embora seja um filme sobre sexo, de certa forma, e um pouco mais gráfico.

Não dá para dizer que somos apresentados a três personagens, pois eles não são devidamente apresentados. Não têm nome, nem sabemos nada sobre eles. Apenas que se reúnem para passar um domingo (ou um fim de semana?) num apartamento para beber, ler e fazer sexo. Ou o que mais der vontade.

A fotografia de Walter Carvalho se alterna entre as cores e o preto e branco. Quando eles chegam ao local de encontro, os três ficam sentados à mesa, e é como se as mulheres passassem a ter uma noção maior da sensualidade de seus corpos, do fogo que os habita, como uma Eva após o fruto proibido. Só que sem culpa. E sem vergonha. Bressane logo nos presenteia com sua erudição em trechos retirados de diversas fontes antigas e clássicas, como “O amor é uma guerra; o mais doce dos combates." Em certo momento, quando uma das mulheres desce a escada, é como se o Bressane de MATOU A FAMÍLIA E FOI AO CINEMA (1969) estivesse de volta, ao som da canção “De cigarro em cigarro”, na voz de Nora Ney.

Não é um filme de fácil compreensão, o que não quer dizer que não seja delicioso. Além do mais, quem se dispõe a ver um Bressane não vai necessariamente em busca de respostas. Ao contrário, vai querer se deliciar com o não saber também, com o mistério de não compreender algumas coisas, embora haja a compreensão ou percepção de outras.

Quando começamos a ver o filme, o que sabemos é que se trata de um filme de sexo (ou com sexo) que ganha o título de “Filme de Amor”, pois o amor aqui é o “eros”. FILME DE AMOR começa com o som das ondas. A primeira imagem: duas mulheres e um homem em trajes de banho numa praia, os nossos heróis. Close de pés na água, uma imagem estranhamente familiar dentro do cinema recente de Bressane. Vemos a imagem do homem acariciando as coxas de uma delas, enquanto a outra sorri. Todos sorriem. Não há nenhum diálogo por enquanto, só o som das ondas. Uma das meninas acaricia o rosto da outra. Os três contemplam o mar.

Corta para o título do filme e mudança de fotografia. Agora é preto e branco, o que pode trazer tanto a impressão de que estamos no território da realidade crua da vida dos três. Imagem de baixo para cima do rosto da mulher, tentando buscar as árvores, o que me fez lembrar TABU (1982). Depois, há o contemplar a paisagem no trem. Não parece haver contentamento. Ela carrega uma sacola. As ruas parecem desertas. A outra mulher também carrega sua sacola de plástico. Assim como o homem, que segue no ônibus, em expressão séria, quase de raiva.

Os filmes do Bressane são um convite à contemplação. Especialmente os que usam poucos diálogos. Mas ele também é especialmente atraente quando usa diálogos. O cineasta não se preocupa se não ouvimos as vozes dessas pessoas no começo, talvez o que importa seja o que vemos; não o que ouvimos. Pelo menos a princípio. O álcool consumido ajuda a trazer mais libido. Um leite é derramado num prato para um gato. Uma história picante será contada. Só que não há muita lógica nas falas. São falas de alguém embriagado.

Interessante essa busca pela ousadia do que mostrar no sexo, mas sem que entre na pornografia. Até porque as palavras começam a levar o foco para a cabeça, o sangue passa a ser mais bombeado para o cérebro. Enquanto isso o cinema de Bressane passa a desempenhar sua função a partir de imagens que podem funcionar como simbolismos. As duas mulheres flutuando: o sexo como elevador da percepção, com algo transcendental. Há alguns enxertos de imagens e sons de outros filmes e músicas, como o som da voz de Gregory Peck na adaptação de John Huston do romance de Herman Melville, MOBY DICK. Mas qual a relação de Moby Dick com aquele encontro de três pessoas movidas pelo sexo?

Um pênis ereto falso, uma cena de felação sensual (embora eu prefira a de GAROTO), mas entrecortada por sons de filmes variados, diálogos que pouco parecem fazer sentido diante do que estamos vendo. Uma das mulheres tendo seu púbis raspado com uma navalha. Close da genitália. Que seria visto em CLEÓPATRA (2007) também, talvez o meu favorito dele. A cortina se abrindo para ver melhor o corpo nu da mulher faz lembrar NOSFERATU, de Murnau. O mesmo Murnau que inspiraria Bressane a fazer TABU, décadas atrás, um TABU festivo e carnavalesco.

Bressane faz tanto uma celebração libertária à vida e ao sexo, como também nos convida ao mundo da erudição, embora essa palavra deva ser bem pouco usada para quem já vive se aprofundando em muitos textos literários e filosóficos, no estudo da pintura (em FILME DE AMOR, a principal inspiração é do pintor francês Jean Baltus), da música e do próprio cinema. Nem todos temos tempo para nos aprofundar nesse manancial de cultura, mas é importante pelo menos termos a consciência de que nosso tempo pode estar sendo bastante desperdiçado com coisas muito fúteis.

+ TRÊS FILMES

O REFORMATÓRIO NICKEL (Nickel Boys)

Filme de 140 min com sensação térmica de 240 esse O REFORMATÓRIO NICKEL (2024), de RaMell Ross. Não é fácil. Não por causa da história dura de vida dos protagonistas, dois jovens negros nos anos 1960, tendo que viver presos num reformatório que por vezes lembra campos de concentração. A escolha pela câmera subjetiva é arriscada e justamente por isso é tão pouco adotada. Mas curiosamente meu filme brasileiro favorito, EROS – O DEUS DO AMOR, usa esse recurso. Até imagino que a intenção ê mesmo causar desconforto, mas quando esse sentimento passa a causar desinteresse sinto que há algo de errado: com o filme ou comigo. Na verdade, ando passando por dias de ansiedade e angústia e nem sempre esse mal-estar é propício para certos filmes, ainda mais os mais experimentais, que ousam na forma. Vejo problema no ritmo, e não tive envolvimento o bastante com os personagens a ponto de sofrer com eles. Talvez apenas numa cena de tensão, perto do final. Gosto das inserções explicitamente documentais e de cenas de um filme estrelado por Sidney Poitier, querido pela comunidade negra como um dos homens mais bonitos do cinema. Nos créditos, vê-se o nome de Brad Pitt como um dos produtores associados. Bem possível que isso tenha ajudado o filme a ter visibilidade o bastante para ser indicado ao Oscar. Além do mais, há cenas que doem bastante. Então é uma obra que merece nosso respeito, tanto como filme de protesto quanto como um filme dotado de uma proposta que a princípio parece ter pouca razão de ser, mas que no final passamos a compreender.

TUDO QUE IMAGINAMOS COMO LUZ (All We Imagine as Light)

O chato de ver filmes de andamento muito lento quando estamos muito ansiosos é que esses filmes podem acabar se prejudicando. Mas talvez tenha me faltado algo nos dramas dessas personagens que pudesse funcionar como identificação para mim. Então, acabei vendo TUDO QUE IMAGINAMOS COMO LUZ (2024), de Payal Kapadia, com certo distanciamento e também, muitas vezes, com curiosidade, já que se trata de um outro mundo, o da Índia, e mais especificamente da cidade superpopulosa de Mumbai, que é onde vivem as três mulheres de diferentes idades e da classe trabalhadora, que têm dificuldade para pagar o aluguel e lutam com suas próprias aflições. Prahba é uma enfermeira cujo (ex-)marido está ausente durante muito tempo, foi para a Alemanha a trabalho, segundo a última informação que teve, e nunca mais voltou; A mais jovem, Anu, divide o aluguel com ela, e está tendo um caso às escondidas com um rapaz muçulmano (ela é hindu); e há uma personagem que tem menos tempo de tela, mas que não é menos importante, uma mulher de meia idade que está perdendo a casa onde mora por não ter as devidas documentações. É legal quando o filme sai de Mumbai um pouco, para tentar acalmar o espírito delas numa aldeia de pescadores. Ajuda um pouco a diminuir a ansiedade das personagens, mas não sei se ajudou muito a minha.

FOUR UNLOVED WOMEN, ADRIFT ON A PURPOSELESS SEA, EXPERIENCE THE ECSTASY OF DISSECTION

Este curta é como uma espécie de sequência de CRIMES OF THE FUTURE (2022), no que se refere à obsessão de David Cronenberg pela anatomia humana, em especial aquilo que só se pode ver através da dissecação, ou sendo aberto, numa cirurgia. O título do filme, FOUR UNLOVED WOMEN, ADRIFT ON A PURPOSELESS SEA, EXPERIENCE THE ECSTASY OF DISSECTION (2023), já diz o que ele traz, mas não diz que o cineasta utiliza bonecas, como de porcelana, que funciona tanto para atenuar algum choque visual como também para acentuar a beleza desses corpos, e dos órgãos que podem ser vistos à luz do sol, enquanto ouvimos o som de gaivotas e o som de gozos femininos. É um filme que fala mais para quem tem intimidade com a obra do diretor, ainda que não fale tanto assim, tendo em vista sua duração, de menos de quatro minutos. Disponível na MUBI.

sábado, março 08, 2025

MISERICÓRDIA (Miséricorde)



Quando MISERICÓRDIA (2024), de Alain Guiraudie, apareceu encabeçando o top 10 da prestigiada revista francesa Cahiers du Cinéma, à frente de filmes incríveis como SEGREDOS DE UM ESCÂNDALO, ZONA DE INTERESSE, OS DELINQUENTES, O MAL NÃO EXISTE e ARMADILHA, para citar apenas os que vi dos dez, fiquei logo muito interessado para conferir este novo trabalho do diretor de UM ESTRANHO NO LAGO (2013) e NA VERTICAL (2016). Os três filmes, inclusive, acredito que foram os únicos dos nove longas-metragens do realizador que chegaram a nosso circuito comercial. E, aliás, é uma pena que este novo filme não tenha ficado um bom tempo em exibição, pois eu diria que se trata de um dos melhores lançamentos do ano, sem dúvida nenhuma.

Saí da sessão de MISERICÓRDIA, no já distante janeiro, com a sensação de ter visto uma espécie de Luis Buñuel queer, além de trazer também a lembrança do Hitchcock de filmes tão distintos quanto O TERCEIRO TIRO e A TORTURA DO SILÊNCIO. A melhor coisa a fazer com relação ao novo trabalho de Guiraudie é entrar na sessão sem saber nada da trama, uma vez que tudo o que surge em cena floresce como incríveis surpresas.

Na trama, Félix Kysyl é um rapaz que volta à cidade onde viveu na juventude para o velório de um homem, um padeiro daquela cidadezinha ou vilarejo. Demora um pouco para compreendermos sua relação com a família desse homem, mas aos poucos vamos entendo a lógica das relações e da própria cidadezinha, que parece representar um espaço habitado por personagens em sua maioria gays, ou que já tiveram alguma história de relacionamentos homossexuais. Há um quê de TEOREMA, o clássico moderno de Pasolini também, já que o rapaz é objeto do desejo de quase todos ao redor, inclusive da mãe do falecido, interpretada por Catherine Frot.

MISERICÓRDIA é também um retorno de Guiraudie ao thriller de assassinato, embora aqui haja um tom fabular e de comicidade, que eu, sinceramente, demorei um pouco a perceber. No último ato, porém, a sala inteira troca a tensão pelo riso. Às vezes até pela gargalhada. Sem falar no bem-estar que é a sensação de ver uma obra tão primorosa no cinema. O filme mereceu a ótima recepção da crítica francesa. É um filme sobre desejo, ciúme e solidão, mas com aquele toque de estranheza e transgressão dos outros filmes do realizador.

Perguntado em entrevista sobre o tema da culpa, presente neste filme e em outros trabalhos seus, Guiraudie diz que ela veio de sua criação, de sua educação católica, e que ele viveu pensando muito a respeito desses conceitos de culpa e de perdão. Então, o diretor acabou fazendo uma espécie de conto moral, que não necessariamente faz uma crítica ao catolicismo (como Buñuel costumava fazer), mas que é mais humanista, ao pensar sobre o perdão de certos atos cometidos por pessoas que não têm uma índole ruim. Além do mais, há também um senso de humanidade (no sentido de reconhecer as próprias fraquezas) no modo como o padre justifica a ação do rapaz, levando em consideração seu desejo por ele.

+ TRÊS FILMES

BABY

Se BABY (2024) não me ganhou em tudo, a mão boa de Marcelo Caetano é algo que se percebe desde o primeiro fotograma, com aquela imagem da banda na prisão onde o jovem protagonista está prestes a sair para enfrentar uma nova vida, sem pais ou qualquer outra pessoa que o possa acolher, do lado de fora. As cores, os sons, a São Paulo que mais uma vez Caetano sabe tão bem mostrar – como fez também em CORPO ELÉTRICO (2017) –, assim como o caminho tortuoso que o jovem passa a partir do momento que conhece um homem mais velho que busca ganhar uns trocados como michê. São pessoas que expõem feridas expostas, mas que preferem seguir em frente, na batalha. Baby, mais jovem, parece ter mais esperança no futuro ao descer do ônibus numa das cenas mais delicadas do filme. A cena final, e a opção por uma técnica cinematográfica pouco usual, me deixou desconcertado, mas também me fez respeitar ainda mais o trabalho do diretor.

MALU

Assim como fiquei impressionado com TIA VIRGÍNIA, de Fabio Meira, no ano passado, isso se repete com MALU (2024), de Pedro Freire. O que há de comum entre os dois filmes? A incrível capacidade de os realizadores serem tão bons na construção do texto e da importância dada a seus atores contracenando dentro de espaços fechados, que é de se ficar admirado de se tratar de roteiros originais, feitos para o cinema. O trio de atrizes está incrível, especialmente Yara de Novaes, como a personagem-título, mas também Juliana Carneiro da Cunha como sua mãe idosa e Carol Duarte como a filha jovem que volta de uma temporada na Europa. A lembrança de UMA MULHER SOB INFLUÊNCIA do Cassavetes é praticamente inevitável, mas o texto em MALU parece ser mais preciso, bem menos improvisado. É difícil não sair da sessão pensando em nossas famílias, em nossas mães e avós, no nosso próprio processo de envelhecimento, mas o trabalho de condução do filme é tão impressionante que essa lembrança da vida real vem junto com nosso extremo carinho e admiração por este primeiro longa-metragem de Freire.

TUDO O QUE VOCÊ PODIA SER

Durante boa parte da metragem de TUDO O QUE VOCÊ PODIA SER (2023), de Ricardo Alves Jr., diretor do ótimo ELON NÃO ACREDITA NA MORTE (2016), as quatro personagens LGBT principais são mostradas como num mundo paralelo e pacífico, um pouco desligado do mundo habitado pela maioria heterossexual. Mais adiante, porém, as duas cenas em que as personagens se veem em contato com pessoas não-LGBT são vistas em momentos de rejeição, incompreensão e agressão. Ou seja, estarem juntas e unidas é o que as faz felizes neste filme que tem um respiro muito bonito e bem-vindo (como na cena em que as quatro comem um sanduíche depois da festa), assim como há soluções plásticas interessantes, como o mostrar portas ou paredes entrecortando a imagem principal onde acontece a ação. É também um filme que pode representar um momento de alegria para as pessoas LGBT, já que duas delas ganham oportunidades de vencerem dentro dos meios profissional e acadêmico. Em alguns momentos, o diretor parece deixar as personagens falarem com muita naturalidade e menos rigor formal, como se as conversas fossem quase todas improvisadas, e como se para dar a elas a devida voz. Belo filme, que equilibra muito bem a alegria e a melancolia.

terça-feira, março 04, 2025

FLOW (Straume)



O gato é um animal incrível. Ele faz acrobacias impossíveis, parecendo uma espécie de super-herói. E ainda tem toda essa elegância no andar e no se portar. Além disso, o olhar do gato, especialmente quando endereçado à pessoa que ele ama e admira, é muito tocante e bonito. O Jorginho, que vive comigo há mais de dez anos, é uma das criaturas de que mais gosto no mundo. E sei também que sou a pessoa que ele mais ama, justamente por ser quem mais se importa com ele. Quando ele desapareceu por uma semana, durante a pandemia, eu ficava falando o nome dele na noite, esperando que ele me ouvisse, onde quer que estivesse. E quando ele chegou seriamente ferido, eu o recebi com um misto de alegria e dor, mas principalmente de alegria. Ele estava vivo e eu podia ajudá-lo a se curar, com a ajuda dos veterinários.

Foram meses em que ele teve que ficar trancado num compartimento para não fugir e porque estava com pontos na barriga, enquanto eu ficava muitas vezes sozinho conversando com ele. E a gente estabeleceu um vínculo muito forte nesse tempo. Foi um processo demorado e todos os dias eu tinha que fazer a assepsia cuidadosa, coisa que seria difícil em tempos em que eu tivesse que passar o dia fora trabalhando. O Jorginho é o gato que vive comigo, mas sempre que vejo gatos nas ruas ou nos filmes, fico encantado.

Então fui ver FLOW (2024) já sabendo da possibilidade de me envolver com o filme, por ter um gato como protagonista. Não um gato falante, mas um gato que mia, assim como os outros bichos também não falam, mas latem ou fazem seus sons particulares. FLOW, do ponto de vista emocional, não é um filme fácil. Ao mesmo, é fácil se envolver emocionalmente, além de nos pegarmos maravilhados com as imagens impressionantemente belas.

Logo no começo, o gatinho preto e solitário, que vive numa casa que provavelmente foi de seu antigo tutor num mundo pós-apocalíptico, aproveita a deixa para roubar o peixe pelo que um grupo de cães brigava. Ele foge com o peixe na boca, mas logo isso passa a ser a menor de suas preocupações, já que todos os animais da floresta correm de uma grande inundação, de uma forte onda que avança por aquele espaço verde. Essa cena já nos coloca numa situação de preocupação diante da vida daquele gato, ao mesmo tempo que nos deixa maravilhados diante do que os animadores foram capazes de fazer com tão pouco dinheiro, especialmente se compararmos com as animações produzidas nos Estados Unidos ou no Japão.

O fato de o gato ser um animal que por natureza evita a água faz com que aquelas ondas gigantes e o nível das águas subindo sejam elementos de muita preocupação e o gato tem nossa solidariedade o tempo todo. O mais bonito é quando ocorre uma reunião de diferentes bichos: um labrador, uma capivara, um lêmure e depois um pássaro. E esses bichos, naquela espécie de Arca de Noé sem Noé, como alguns disseram por aí, ou seja, numa solidão imensa e tendo que se virar diante das intempéries daquele novo mundo mais aquático, esses bichos conseguem vencer suas diferenças e se unir para ajudar um ao outro.

Ou seja, se no começo, o gato olha para o reflexo da água e se vê sozinho, agora ele tem uma trupe de amigos, o que diminui um pouco o clima de melancolia e de fim de mundo. Não sei o quanto o filme pode ser adequado para crianças menores (na minha sessão só havia umas três crianças, os demais eram adultos), mas diria, sim, que é um filme para ser visto por todos. Até por ser um lembrete, sem falar uma palavra sequer, de como o planeta pode se tornar se não cuidarmos dele a tempo.

FLOW ganhou o Oscar de melhor animação em longa-metragem, vencendo competidores de peso, como ROBÔ SELVAGEM e DIVERTIDA MENTE 2. O filme dirigido por Gints Zibalodis foi a primeira produção da Letônia a chegar ao Oscar. E foi responsável por uma verdadeira festa no país, que até estátua do gato ganhou, assim como um maior interesse do governo em investir mais no cinema a partir de agora.

+ TRÊS FILMES

WISH – O PODER DOS DESEJO (Wish)

O estúdio de animações da Disney precisa se reinventar se quiser voltar a ser interessante para seu público-alvo, que é (ou era) bem grande até um tempo atrás, e composto não apenas de crianças. Este aqui é mais um filme que tenta se aproveitar das fórmulas que o estúdio desenvolveu ao longo desses 100 anos de existência e que aqui busca homenagear. Para não dizer que desgostei de tudo de WISH – O PODER DOS DESEJOS (2023), de Chris Buck e Fawn Veerasunthorn, gostei um pouco da heroína, Asha, especialmente de sua rebeldia revolucionária. Não deixa de ser um belo exemplo para a molecada que quer se livrar de tiranos, especialmente os disfarçados de bonzinhos, como é o caso do rei feiticeiro Magnífico. A história até tem seus momentos interessantes, especialmente próximo da conclusão, mas chegar até lá é puxado. E quando chegam os momentos das canções, então? Imagino que sejam ruins no original, pois só ouvi dubladas - só havia cópia dublada nos cinemas daqui. Parece canção gospel industrial da pior qualidade.

WICKED (Wicked – Part I)

Eu gostei mais de WICKED (2024), de Jon M. Chu, do que esperava, ainda que seu efeito sobre mim tenha sido ora de chateação (as cenas musicais raramente me ganharam), ora de certa empolgação. Principalmente quando o filme ganha um tom mais sombrio, quando certas coisas parecem ganhar mais sentido, quando eu passo a me importar um pouco mais com a Elphaba ou com os animais. E as duas atrizes, Cynthia Eribo e Ariana Grande, também estão muito bem no papel. Isso é difícil de negar. Minha questão com o filme talvez seja mesmo de pouco interesse por fantasia, por O MÁGICO DE OZ ou por musicais da Broadway no geral. E aqui há tudo isso junto. Por outro lado, quando a Glinda passa a contar a história de sua relação com Elphaba, que se tornaria a "Bruxa Má do Oeste", e depois vemos uma personagem que sofre bullying, passo a simpatizar com a ideia de dar voz a uma personagem amaldiçoada, e inicialmente pela cor. Ou seja, é bem provável que eu até veja a continuação no cinema. No ano passado, não estava muito bem de saúde e não quis encarar 2h40 de fantasia musical. Ainda mais que ele estreou na época do Cine Ceará, quando eu já me esforçava para ir do trabalho para o festival durante toda a semana. E teve toda a antipatia que o trailer me causou de início. E, sim, não teria visto se não fosse pelo Oscar.

AQUI (Here)

Para alguém que está com uma carreira praticamente apagada há quase 10 anos – lembro que ALIADOS (2016) teve uma repercussão razoavelmente boa – Robert Zemeckis conseguiu chamar a atenção com AQUI (2024), a adaptação da cultuada graphic novel de Richard McGuire. Nem lembro mais da história da HQ, mas talvez porque a história não seja importante. Já Zemeckis se ampara numa história, ainda que não abra mão da ideia original do quadrinho, principalmente a história da família de Paul Bettany, Tom Hanks e Robin Wright. As demais acabam perdendo a importância, justamente por não serem abordadas com interesse, a não ser por justificarem a própria lógica e ideia do filme de centrar as histórias apenas na sala de uma casa, ou no que seria essa sala no futuro. É um filme que nos lembra do caráter fugaz da vida, e cuja memória sendo desvanecida se explicita na personagem de Robin Wright, inclusive pelas falas dela. Diferente do marido, sua personagem quer fugir da paralisia enquanto a morte não a leva embora. Achei que ia ficar mais incomodado com os efeitos visuais, mas na verdade eles são incríveis. Quem não conhece Tom Hanks, por exemplo, pode comprar muito bem a sua imagem de adolescente perto do começo do filme. Gosto muito da conclusão também, muito sensível.

segunda-feira, março 03, 2025

OSCAR 2025



Dei uma pausa em O REFORMATÓRIO NICKEL para tentar escrever este texto sobre o Oscar. Acho que foi a primeira vez em muito tempo que fiquei sem ver um dos indicados à categoria principal antes da premiação. Gosto sempre de estar em dia. Mas o tempo anda raro, problemas não faltam e acabei não conseguindo fechar os 10 principais. Se bem que o fato de o número agora ser 10 e não cinco, como era antes, colabora um pouco para a maior dificuldade, mesmo para quem é cinéfilo e costuma acompanhar os lançamentos. Mas, confesso: agora mesmo estou um pouco cansado dos filmes do Oscar. Mal posso esperar para voltar a ver os clássicos, filmes antigos menos badalados e também filmes de terror (de preferência antigos).

Não me levem a mal. Essa temporada de premiações é ótima, principalmente para ir ao cinema, já que é nesta época que temos a oportunidade ver certos filmes em cinemas populares (e em cópias legendadas) que jamais entrariam em cartaz se não fossem as indicações. No ano passado, foi o caso de ZONA DE INTERESSE. Neste ano, talvez o representante mais hermético, por assim dizer, é O BRUTALISTA. Se bem que O REFORMATÓRIO NICKEL é o mais experimental dos 10, mas esse não chegou aos cinemas: foi direto para o Amazon Prime.

Pois bem. O Oscar 2025. Trata-se do Oscar mais badalado que eu já tive a sorte de acompanhar. Não me refiro a um evento específico da premiação, como a noite do tapa ou a noite da entrega errada do prêmio: refiro-me a toda a temporada, principalmente para nós, brasileiros, com a presença de AINDA ESTOU AQUI, de Walter Salles, em três categorias, inclusive melhor filme, e com chances reais para melhor atriz para nossa querida Fernanda Torres (o nome mais comentado dos últimos meses, sem dúvida, pelo menos no Brasil) e para filme internacional. 

Também foi uma temporada polêmica por causa de uma personagem que até então quase ninguém fora do México ou da Espanha conhecia: Karla Sofía Gascón, que interpreta a personagem-título de EMILIA PÉREZ, controverso filme da Netflix que, graças principalmente a coisas ditas pela atriz (a primeira mulher trans a concorrer ao prêmio de atriz), mas também às besteiras do próprio diretor Jacques Audiard, acabou sendo alvo de cancelamento. Ainda assim, conseguiram ganhar em duas categorias, as duas por causa de Zoe Saldaña, que conseguiu sair sem muitos arranhões de todo esse processo. Hoje mesmo a vi respondendo a uma jornalista mexicana sobre o quanto o filme os ofende. 

A cerimônia em si não foi tão leve, curta e divertida quanto a do ano passado, mas certamente foi muito mais especial para nós, brasileiros. Nunca na história da Academia um filme brasileiro havia sido indicado a tantos prêmios. Ou seja, a visibilidade que conseguimos, a bolha que foi furada, a campanha que foi a maior já feita de um filme brasileiro (pela Sony Classics), tudo funcionou perfeitamente. Talvez ainda tenha faltado mais trabalho, já que a distância de qualidade entre AINDA ESTOU AQUI e os demais concorrentes ficou clara. Mas sabemos que há a barreira da língua e o fato de que, até o prêmio de Fernanda Torres no Globo de Ouro, poucos no Hemisfério Norte sabiam quem era a atriz.

E olha que o próprio Walter Salles já havia furado a bolha vários anos atrás, com CENTRAL DO BRASIL e a indicação de Fernanda Montenegro. Mas gosto de pensar que a vitória de AINDA ESTOU AQUI na categoria de filme internacional e todo a repercussão nas redes sociais vão trazer interesse do público estrangeiro para o cinema brasileiro, um dos melhores do mundo. Mesmo assim, não podemos culpar o esforço de Salles e Torres, que estiveram desde a premiação de roteiro no Festival de Veneza nessa campanha incrível, que se intensificou depois do Globo de Ouro. 

Agora há pouco até a minha mãe, que não se liga muito nisso, estava vendo a repercussão nos telejornais (Globo, Record, talvez SBT) e comentou comigo. É o assunto do dia. Ou dos próximos dias. Espero que a nossa querida Fernanda consiga descansar ao chegar em sua casa depois de passar por tudo isso, que deve ser tão gostoso quanto exaustivo. Mas sei que estando no Brasil haverá não apenas a presença dela em desfile numa escola de samba, como também uma batelada de entrevistas por todos os lados. A história foi feita, podem reclamar que o diretor é bilionário e não um artista do povo, mas não dá para reclamar de um posicionamento político bem mais à esquerda e do quanto Walter e Fernanda tiveram a coragem de falar da culpa dos Estados Unidos no golpe militar de 1964 em programas de televisão americanos. 

Outro prêmio muito querido da noite veio também de um país que não faz parte de Hollywood. Foi para a animação FLOW, de Gints Zilbalodis, uma produção de baixo custo de uma país de que poucos lembram, a Letônia. O filme é lindo, sensível e muito bem realizado. Quase um milagre em sua criação. Outro país que também ganhou visibilidade no Oscar foi o Irã, através do curta de animação IN THE SHADOW OF THE CYPRESS. Os diretores, ao receberam o prêmio, disseram que só conseguiram o visto para entrar nos Estados Unidos na véspera da festa. Os iranianos e suas histórias de sofrimento e resistência merecem o nosso respeito. Assim como os palestinos, que também estiveram presentes na cerimônia: o documentário SEM CHÃO, feito no território ocupado da Palestina, foi o escolhido da categoria, o que deixou muita gente surpresa, dada a grande quantidade de judeus na academia. Felizmente a academia tem essa tendência mais progressista, o que muito pode nos ajudar nestes quatro anos de governo Trump.

No mais, a festa contou com alguns números musicais não muito felizes: a homenagem à franquia James Bond, recém-adquirida pela Amazon, não contou com um número musical tão bom assim, mas teve os seus bons momentos, e as canções lembradas foram boas, ao menos. Lá perto do final da premiação, ainda houve uma apresentação musical em homenagem a Quincy Jones. A premiação também começou com música: Ariana Grande e Cynthia Erivo abriram a festa com um belo dueto, tanto remetendo a O MÁGICO DE OZ original quanto às canções de WICKED. Destaque para a bela “Defying Gravity”. Revendo as duas cantando a canção meu respeito pela fantasia musical de Jon M. Chu até cresceu.

Quanto às premiações, a maioria já era esperada: Adrien Brody (que fez um discurso tão demorado que bateu o recorde), os prêmios para DUNA – PARTE 2 e para WICKED, o prêmio de maquiagem e cabelos para A SUBSTÂNCIA, os de roteiro para ANORA e CONCLAVE, os dois prêmios técnicos para O BRUTALISTA etc. A surpresa mesmo foi o “abraço” que a Academia deu em ANORA. Já era o filme favorito a ganhar a categoria principal, mas não se esperava um prêmio de montagem (que não é tão boa assim) e para Mikey Madison, uma jovem atriz de 25 anos que surgiu quase que do nada para o estrelato, como a personagem-título do filme de Sean Baker, que já havia ganhado a Palma de Ouro em Cannes – repetindo o feito de PARASITA.

Sorte que Madison não tem redes sociais, pois os brasileiros poderiam importunar a moça, que não tem culpa de ter sido a escolhida. Acredito que houve uma divisão de votos e tanto Demi Moore quanto Fernanda Torres foram prejudicadas no final. Venceu a terceira favorita das apostas. E também tem muita gente dizendo que o filme não merece ganhar o Oscar e tal, mas o Oscar não é bem uma premiação de justiça. Pelo menos, raras vezes os meus favoritos ganharam. Se bem que, falando isso, estaria falando dos meus favoritos e não dos eleitos pelos votantes, que têm suas preferências, suas tendências. O que achei curioso foi que no ano passado, quando Emma Stone ganhou o Oscar de atriz por POBRES CRIATURAS, muita gente também não esperava, por causa das várias cenas de sexo do filme. Agora a história se repete. E ao menos podemos dizer que a academia não é careta. Ou não tanto assim. 



Os Premiados

Melhor Filme – ANORA
Direção – Sean Baker (ANORA)
Ator – Adrien Brody (O BRUTALISTA)
Atriz – Mikey Madison (ANORA)
Ator Coadjuvante – Kieran Culkin (A VERDADEIRA DOR)
Atriz Coadjuvante – Zoe Saldaña (EMILIA PÉREZ)
Roteiro Original – ANORA
Roteiro Adaptado – CONCLAVE
Fotografia – O BRUTALISTA
Montagem – ANORA
Trilha Sonora Original – O BRUTALISTA
Canção Original – “El Mal”, por Zoe Saldaña (EMILIA PÉREZ)
Som – DUNA – PARTE 2
Efeitos Visuais – DUNA – PARTE 2
Direção de arte – WICKED
Figurino – WICKED
Maquiagem e cabelos – A SUBSTÂNCIA
Filme Internacional – AINDA ESTOU AQUI (Brasil)
Longa de Animação – FLOW
Curta de Animação – IN THE SHADOW OF THE CYPRESS
Curta-metragem (live action) – I’M NOT A ROBOT
Documentário – SEM CHÃO (Noruega/Território ocupado da Palestina)
Curta Documentário – A ÚNICA MULHER NA ORQUESTRA