terça-feira, fevereiro 15, 2005

A TORTURA DO SILÊNCIO (I Confess)

 

A boa notícia é que a minha irmã, que trabalha no fundo de pensão do Banco do Nordeste, me avisou que agora a biblioteca do centro cultural do banco está com um acervo de DVDs para empréstimo. Fiquei feliz ao saber que tem vários filmes do Hitchcock por lá, entre outros filmes clássicos interessantes. Aí, pedi pra ela trazer A TORTURA DO SILÊNCIO (1952) e O HOMEM ERRADO (1957). Assim, minha peregrinação pela obra do mestre do suspense não teve que ser suspensa. Vamos de A TORTURA DO SILÊNCIO, por hoje. 

O filme foi bastante elogiado pela crítica francesa na época do lançamento. Por outro lado, é um filme que Hithcock disse que não deveria ter sido feito. Ele falou isso na entrevista do livro Hitchcock/Truffaut e passou mesmo a impressão de que ele se arrependeu de tê-lo feito. Claro que eu não concordo com ele, apesar de não considerar o filme uma obra-prima. Hitchcock também não gostava do filme por achá-lo extremamente sério, sem o senso de humor típico de suas obras. A TORTURA DO SILÊNCIO, junto com O HOMEM ERRADO, é o par de filmes mais sério do diretor. 

Um dos destaques do filme é a sua fotografia noir, talvez a mais bela de todos os filmes de Hitch. A geografia de Quebec, onde o filme se passa, ajuda a compor o cenário barroco, com suas casas antigas e de uma arquitetura que lembra a de algumas cidades da Europa. 

Hitchcock faz sua aparição logo no início, atravessando uma rua escura, pouco antes de vermos o primeiro personagem da história: um homem assassinado dentro de uma Igreja. O assassino é o sacristão, que depois de cometer o crime sai da Igreja usando uma batina e vai se confessar com o padre, interpretado por Montgomery Clift. Como algumas testemunhas viram alguém sair da igreja de batina na hora do crime, o principal suspeito fica sendo o próprio padre, que não vai poder se defender e entregar o assassino, por causa do seu voto de silêncio. 

Trata-se de mais um filme de Hitchcock com o velho tema da transferência da culpa. Acontece que o filme não foi muito bem recebido nos EUA. Talvez porque o público de lá, a maioria protestante, não entendia porque diabos o padre não contava logo pra polícia quem era o desgraçado do criminoso. Em vez disso, ele ficava com cara de bobo, sem poder dizer nada, prestes a ser executado. Mais ou menos o que eu pensei ao ver o filme - talvez por ter vindo também de uma formação protestante. Isso realmente me incomodou, ao mesmo tempo que se constitui um dos elementos mais perturbadores do filme. Também não gostei do vilão do filme. Muito burro e estereotipado. 

Outro destaque é a presença de um dos atores americanos mais importantes da década de 50: Montgomery Clift. O ator estava no início da carreira quando fez esse filme. E uma de suas características era ter um rosto bonito e sempre triste, como se a tristeza tivesse tão presente nele que nada poderia fazê-lo feliz. Tristeza que só aumentou depois do acidente de carro que desfigurou o seu rosto. Peter Bogdanovich conta no documentário de 20 minutos presente no DVD que, tempos depois do acidente, ele estava num cinema que exibia A TORTURA DO SILÊNCIO, quando viu Clift entrar e sentar-se sozinho na parte de trás da sala. Bogdanovich foi até ele, o cumprimentou e perguntou como ele se sentia ao estar vendo aquele filme. Ele respondeu: "é difícil, muito difícil." 

Hitchcock não gostava do método de trabalho de Clift. Eis um trecho da entrevista de Hitch, contida no livro Afinal, Quem Faz os Filmes, em que ele descreve sua impaciência com o método do ator: 

"Lembro-me de que, quando ele saía do tribunal, pedi-lhe que olhasse para cima, a fim de me permitir cortar para a imagem do que ele estava vendo no edifício do outro lado da rua. Ele respondeu: 'Não sei se olharei para cima.' Bem, imagine. Disse-lhe: 'Se você não olhar para cima, não vou conseguir cortar.' Foi assim o tempo todo." 

O método de Clift, assim como o de outros atores de sua época, como Marlon Brando e James Dean, era procurar uma motivação para poder fazer suas cenas da maneira mais convincente possível. Hitchcock, que preferia filmar em pedacinhos, achava uma frescura esses métodos novos que estavam ensinando para os atores. 

Falando no elenco, pra encerrar, não posso deixar de falar da bela Anne Baxter (de A MALVADA), como a mulher apaixonada pelo padre. As suas cenas com Montgomery Clift são muito bonitas. Há também um curioso uso do flashback narrado por Baxter, todo em tons românticos, imagens difusas e que destoa bastante do restante do filme. A TORTURA DO SILÊNCIO é mais um DVD de dar gosto do pacote da Warner.

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