quinta-feira, novembro 16, 2023

O EXORCISTA (The Exorcist)



Minha primeira relação com O EXORCISTA (1973) não foi com o filme de William Friedkin, mas na pré-adolescência, quando um amigo da vizinhança me emprestou o romance de 1971 de William Peter Blatty. Fiquei bem impressionado com os diálogos entre o padre e o demônio e com detalhamentos sobre coisas que não aparecem no filme, um texto lido por um personagem da trama, pesquisando sobre missas negras ministradas com hóstias feitas de farinha, fezes, sangue de menstruação e pus. Entre outros detalhes blasfemos e não vistos nem em filmes como OS DEMÔNIOS, de Ken Russell. Se eu, que não sou católico, achei isso chocante, imagine os católicos devotos.

Não me recordo bem da primeira vez que vi o filme de Friedkin. Foi em meu primeiro ano de cinefilia, quando estreou na TV aberta em 1989, no SBT.  Na época a emissora investia bastante em grandes filmes e fazia uma disputa bem saudável e divertida com a Rede Globo. Cheguei a rever no cinema, em 2001, se não me engano, na versão estendida, com cerca de 10 minutos adicionais, e trazendo pelo menos uma cena então famosa por ter sido deletada da versão original, a que Regan (Linda Blair) desce as escadas de costas.

Depois de mais de duas décadas da última vez em que revi o filme, retorno a este clássico do cinema de horror, que, ao contrário do que muita gente pensa ou lembra dele, é uma obra que guarda muita distância de quase todos os títulos que lidam com possessão demoníaca, que foram influenciados por ele. O fato de a direção ser de um expoente da Nova Hollywood faz toda a diferença, dando um ar de estranheza e dureza até para quem está acostumado com o gênero. Há também o aspecto pessimista que impregnava a sociedade americana da época, ajudando a tornar a experiência do filme bem singular. 

O prólogo se passa numa expedição arqueológica que só se liga ao filme próximo de sua conclusão. E há toda a luta da mãe para descobrir o que há de errado com a filha, inicialmente submetendo-a a exames cerebrais com aparelhos que parecem saídos de câmaras de  tortura. Hoje em dia essas cenas causam até mais desconforto que as próprias cenas de exorcismo, que, por conta da maquiagem verde, talvez nos tire um pouco da suspensão da descrença. Não há como negar, porém, a grandeza do filme de Friedkin, de como ele dialoga com sua obra – lembrei-me, por exemplo, de PARCEIROS DA NOITE (1980), visto recentemente por mim por ocasião da morte do cineasta.

Gosto do final misterioso e em aberto de ambos os filmes, de como eles deixam no ar mais dúvidas que certezas. Há também algo que representou um sucesso para as plateias mais rebeldes da época, que foi uma espécie de simpatia pelo demônio, pelo modo como ele perturba os sacerdotes da igreja. Assim, não vejo O EXORCISTA como um filme tão cristão quanto um INVOCAÇÃO DO MAL, por exemplo. Ele é mais complexo, mais contraditório, mais enviesado. Não à toa o filme não foi visto com bons olhos por certos evangelistas, como foi o caso de Billy Graham, que declarou que cada frame do celuloide era maligno.

Essa suposta simpatia pelo mal caia como uma luva com aquele momento de rebeldia da juventude, em que o rock, com frequência, trazia uma aproximação com o satanismo, como uma forma de quebrar paradigmas, de incomodar a sociedade tradicional e de chocar. O próprio filme também tem essa intenção de causar choque. Se bem que o romance de Blatty já era assim, trazendo coisas que se distanciavam do caso real do menino possuído, novidades como a masturbação com o crucifixo, os jatos de vômito verde e as quedas de temperatura dentro do quarto.

Quanto ao clima no set, conta-se que Friedkin tinha o hábito de atirar com uma arma para cima para aumentar as tensões, ou usar música com o som nas alturas, de modo a incomodar a todos. Há também o caso de lesão da coluna de Linda Blair nas cenas em que ela aparece na cama sendo arremessada para frente e para trás pelo demônio, como uma boneca. Quem também teve a coluna lesionada foi Ellen Burstyn, na cena em que ela é arremessada pela adolescente endemoniada. 

No livro Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’Roll Salvou Hollywood, de Peter Biskind, não há quase nada sobre situações delicadas envolvendo Linda Blair, mas é um pouco chocante para quem gosta do artista Friedkin dar de cara com coisas terríveis que ele fazia com as mulheres. Certamente não é um diretor que trabalharia da mesma maneira na Hollywood de hoje. E sobre outras tantas coisas relativas às filmagens tumultuadas de O EXORCISTA, o livro de Biskind também não entrega muito. Até porque é preciso um livro inteiro para dar conta dos fatos e da mitologia que se criou em torno do filme.

+ DOIS FILMES

O EXORCISTA – O DEVOTO (The Exorcist – Believer)

Que horror este filme que se pretende ser uma continuação direta do original de William Friedkin, ignorando as outras continuações. O diretor da nova trilogia HALLOWEEN (2018-21-22) parece não ter entendido nada do filme original, de suas ambiguidades e do modo como se sente a presença do mal, sem precisar se ater a nada muito explícito. Este aqui não consegue nem mesmo ser um genérico filme de possessão. E o que é o papel da Ellen Burstyn, tentando reprisar a atriz de cinema mãe da Regan? Que maldade com a atriz. Há também um monte de frases de autoajuda constrangedoras em O EXORCISTA – O DEVOTO (2023), além de personagens despidos de personalidade. Não faltam também jump scares vagabundos aqui e acolá. Enfim, se David Gordon Green já tinha decepcionado com a trilogia HALLOWEEN, que eu nem acho tão ruins, com este aqui (e terão continuações, vejam só!!) ele entra na lista negra de muitos cinéfilos que têm o mínimo de respeito pela obra clássica de 1973.

CUANDO ACECHA LA MALDAD

A primeira metade de CUANDO ACECHA LA MALDAD (2023) é tão boa que é difícil não ficar empolgado com o suspense, a velocidade dos acontecimentos, as imagens gráficas feitas para grudar no subconsciente, a mitologia nova que Demián Rugna cria. É como uma variação dos filmes de zumbis, mas com o mal sendo destacado. Mais ou menos como em EVIL DEAD, mas com um tom mais dramático e mais apocalíptico. A trama acontece numa área rural da Argentina, e dois irmãos ficam sabendo que uma pessoa do povoado está infectada por um demônio. Vendo como única possibilidade de livrar a vila daquele demônio o transporte daquele corpo infectado ainda com vida, os dois acabam enfrentando o mal em outros momentos. Acho que o filme perde um pouco a força quando há um aumento do número de personagens e um crescimento considerável das regras para combater ou se desviar desse mal. Acharia fantástico poder ver esse filme no cinema. Ainda não sei se o discreto burburinho entre os cinéfilos fará isso acontecer.

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