quinta-feira, novembro 09, 2023
GATA EM TETO DE ZINCO QUENTE (Cat on a Hot Tin Roof)
Ver GATA EM TETO DE ZINCO QUENTE (1958) me fez pensar no quanto o desejo sexual estava à flor da pele na sociedade americana, e, consequentemente, estava espelhado nos filmes de Hollywood. Naquele tempo, a sexualidade parecia uma panela de pressão prestes a explodir. Não fiz nenhum estudo ou pesquisa, mas lembrei-me, por exemplo, de UM CORPO QUE CAI, do Hitchcock, que é do mesmo ano, e é também carregado dessa sexualidade em erupção. E podemos pensar em outras obras do mesmo período que também possuem essa sensibilidade, como DE REPENTE, NO ÚLTIMO VERÃO, de Joseph L. Mankiewicz (também com Elizabeth Taylor), JANELA INDISCRETA e LADRÃO DE CASACA (também de Hitchcock e ambos com Grace Kelly), FÉRIAS DE AMOR, de Joshua Logan (também com a Kim Novak de UM CORPO QUE CAI). Enfim, havia um novo tipo de percepção sensual no ar, embora saibamos ser uma continuação do que havia sido apresentado/sentido na década antecessora.
No caso deste filme de Richard Brooks, baseado na peça de Tennessee Williams premiada com o Pulitzer, fico pensando se as exibições no teatro causaram a mesma sensação no público. E imagino que esse efeito tem muito a ver com a escolha da atriz para a personagem Margaret, também conhecida como "Maggie, a gata".
Nesse sentido, a presença de Elizabeth Taylor, em toda sua exuberância, na pele da personagem, faz toda a diferença. Além do mais, o cinema tem, mais do que o teatro, penso eu, mais ferramentas para que esse desejo à flor da pele da personagem, se manifeste de maneira mais eficaz. O cuidado com os figurinos, tanto do ponto de vista da produção, quanto da intenção sensual das peças, acredito ser também mais bem resolvido numa produção classe A hollywoodiana do que numa peça da Broadway.
Em determinado momento, por exemplo, Liz Taylor usa roupas íntimas, quando está no quarto com o marido. Ainda que muito decentes para os padrões de hoje, esses trajes seguem contribuindo muito bem para o sentimento de desejo intenso vivido pela personagem, que está recebendo uma espécie de castigo do marido, Brick, interpretado por Paul Newman. Ela deseja sexo e ele há semanas a despreza, lhe dá um gelo, preferindo se embebedar de uísque. Aos poucos, a trama vai nos mostrando os motivos da amargura de Brick e da angústia de Maggie.
GATA EM TETO DE ZINCO QUENTE foi um daqueles filmes vistos por mim nos tempos do VHS e cuja lembrança ficou nas brumas. Então, rever agora, na busca por uma compreensão da poética do diretor Richard Brooks, foi como se o visse pela primeira vez. Além do mais, filmes baseados em obras teatrais, não era sempre que eu tinha paciência de ver, e mesmo hoje sinto que há um momento em que a duração parece um pouco maior do que deveria, embora compreenda a necessidade de se trabalhar os pormenores dos personagens e o clima mais tenso da trama, que aqui acontece durante uma tempestade.
O texto de Tennessee Williams é tão bom e tão envolvente que logo o drama familiar passa a ocupar o lugar de maior destaque e as presenças de Taylor e Newman são fundamentais para solidificá-los como os personagens mais simpáticos – ou menos antipáticos, já que parte dos familiares é composta de pessoas dotadas de falsidade. Há o patriarca rabugento que não sabe que está com câncer (Burl Ives) e sua esposa devotada como símbolos da riqueza da família e de objeto de interesse por parte de alguns.
Richard Brooks opta por uma direção sóbria, sem muitos efeitos de câmera, de modo a não desviar a atenção para o que há de mais importante: o texto e as interpretações. Mas há algo que chama a atenção na questão envolvendo Brick e seu melhor amigo morto. A relação dos dois passa a impressão de ser mais do que amizade. A verdade é que a questão da homossexualidade foi censurada na versão para cinema da peça. E isso acaba deixando alguns furos e indagações. Não deixa de ser uma marca que denuncia as regras vigentes em Hollywood, ainda sob controle do Código Hays, mas também as próprias autocensuras da sociedade americana mais tradicional. Desse modo, ironicamente, o não-dito se destaca numa obra calcada em muitos diálogos.
Brooks voltaria a adaptar outra peça de Williams, DOCE PÁSSARO DA JUVENTUDE (1962), mais uma vez com Paul Newman.
+ DOIS FILMES
A SANGUE FRIO (In Cold Blood)
Meu coração fica muito inquieto e triste quando assisto a filmes sobre pessoas no corredor da morte. A SANGUE FRIO (1967) não é apenas sobre isso, mas já sabemos que se encaminha para esses momentos, ao menos para quem já ouviu falar da história, leu o livro homônimo de Truman Capote ou assistiu ao filme CAPOTE (2005), de Bennett Miller. Este filme de Richard Brooks é um acerto em muitos aspectos. A fotografia em preto e branco de Conrad L. Hall tanto traz mais realismo para algo que é baseado em fatos, quanto tem uma estilização toda própria, que combina, inclusive, com a trilha quase sempre jazzística de Quincy Jones, que opera no suspense, no teor mais sombrio e em aspectos supostamente mais felizes da vida. Uma felicidade prestes a ser encerrada por um quádruplo assassinato. Robert Blake, que para sempre atormentará meus sonhos como o homem misterioso de ESTRADA PERDIDA, de David Lynch, aqui é o mais humano e mais atormentado da dupla que perpetrou o crime chocante. O outro tem um quê de sociopata cínico. Quando A SANGUE FRIO acaba, fica um misto de vontade de rever imediatamente e de ficar longe do filme por um bom tempo. Mas dei play novamente para ver o início, e entender melhor as escolhas da montagem nas cenas iniciais. Mas o que mais me pegou foi o flashback da noite fatal. A partir daí o filme ganha contornos ainda mais incômodos. E a rapidez com que as coisas chegam a um desfecho não deixa de ser representativa de certa vontade de mostrar a frieza do próprio estado ao optar pela pena capital. Além de ampliar e ressignificar o título do filme.
A HORA DA VINGANÇA (Deadline – U.S.A.)
Sendo A HORA DA VINGANÇA (1952) o filme de um cineasta que veio do jornalismo (Richard Brooks), é interessante ver esta ode à imprensa independente, que hoje se apresenta um tanto acima do tom na maneira como coloca o personagem de Humphrey Bogart, o editor de um jornal, e um gângster que está prestes a comprá-lo. Essa distância para o estilo que o próprio cinema americano passou a adotar em sua dramaturgia já na década de 1960 faz uma diferença e tanto no modo como compramos a ação. Mas isso não tira o brilho do filme e nosso interesse em ver essa batalha entre o bem, representado pela verdade e pela coragem, e o gangsterismo, que desde muito tempo quer calar e/ou manipular a informação.
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