domingo, março 23, 2025

LOBISOMEM (Wolf Man)



Ontem dei uma entrevista para o podcast Cine Amora (que ainda vai ao ar) e o Gabriel Amora se impressionou com a capacidade que eu tive/tenho de manter este blog por tanto tempo. A conversa foi muito legal e poderia ter se estendido até mais, pois falar de cinema é sempre um prazer. Este blog é um espaço que mantenho atualizado por amor, mesmo. Sei que é muito pouco lido em tempos de Instagram e Tik Tok, mas o que acho mais importante é mantê-lo vivo.

Este mês de março não está sendo fácil para mim. Além de estar vivendo uma tempestade em minha vida. Além de situações familiares delicadas, inclusive de doenças, e de perdas materiais, ainda estou cumprindo uma promessa de não ir ao cinema por 30 dias, por uma bênção alcançada. Ontem mesmo, aliás, ao sair do estúdio do Amora, me encontrei com o querido cineasta Allan Deberton, que havia sido recém-entrevistado. Ele talvez tenha se perguntado se não vi ou por que não vi ainda seu novo filme, O MELHOR AMIGO, em cartaz há duas semanas nos cinemas (ou não, talvez ele tenha mais com o que se preocupar). De todo modo terei que esperar até o início de abril para vê-lo, e também tentar ver o máximo de filmes que estiverem ainda em cartaz. Me aguardem. Mal posso esperar.  

Enquanto isso, a escolha de hoje para um texto um pouquinho maior é o subestimado LOBISOMEM (2025), de Leigh Whannell, que a maioria da crítica e da cinefilia recebeu com certa frieza ou mesmo desdém. Achei um belo filme. Se em O HOMEM INVISÍVEL (2020) Whannell tratou de violência doméstica e masculinidade tóxica, em LOBISOMEM, a masculinidade volta novamente à tona como preocupação do enredo. Talvez não exatamente a masculinidade, mas o modo como alguns homens, em sua incapacidade de expressarem seus sentimentos ou de serem brutos mesmo, acabam ferindo algumas pessoas, principalmente seus familiares, seus filhos.

Talvez o interesse do filme seja lidar com a paternidade e o quanto a educação e o cuidado fazem a diferença na criação da pessoa. Falando assim, nem parece filme de horror, mas é sim, e bastante sangrento, inclusive. E, diferente daquele O LOBISOMEM de 2010, que foi mais um filme de monstro da Universal fracassado do período, este novo tem um cuidado maior em trabalhar tanto com o suspense quanto com a transformação física e a perda gradual do personagem de Christopher Abbott, um ator, aliás, que tem aparecido bastante em filmes de gênero, como AO CAIR DA NOITE, de Trey Edward Shults, POSSESSOR, de Brandon Cronenberg, BLACK BEAR, de Lawrence Michael Levine e SANTUÁRIO, de Zachary Wigon, todos filmes pequenos e com um viés autoral ou mais artesanal, fugindo um pouco do estilo industrial das produções maiores dos grandes estúdios. Ah, Abbott também aparece num papel pequeno mas essencial em POBRES CRIATURAS, de Yorgos Lanthimos.

Este LOBISOMEM de Whannell, inclusive, apesar de ter uma produção mais cara, e percebemos claramente um interesse da Universal numa revitalização dos monstros clássicos da era de ouro do estúdio, é também é um filme que aposta no novo, por mais que muita coisa seja reciclada, até para dar um ar de certa familiaridade, o que é também bom para o espectador habitual do cinema de horror. O gênero é costumeiramente associado a um sentimento de bem-estar, por incrível que possa parecer para aqueles que não o apreciam ou têm pouca intimidade.

Há também algo bastante criativo nesta nova abordagem, que é a dificuldade de comunicação após o início da transformação e a forma como Whannell e a roteirista estreante Corbett Tuck, esposa de Whannell, tratam. O visual do monstro lembra um pouco o do clássico O LOBISOMEM de 1941, a principal referência, em que o monstro não se transforma totalmente num lobo, e anda com as duas pernas (pelo menos a maior parte do tempo), mas aqui não há uma intenção de aprofundar a questão do folclore ou nada do tipo.

Na trama, Blake, o personagem de Abbott, sua esposa Charlotte (Julia Garner, que depois se revelaria a principal protagonista) e a filha pré-adolescente Ginger (Matilda Firth) partem de São Francisco para uma temporada na terra onde Blake cresceu com o pai no passado. Agora que o pai foi dado oficialmente como morto, ele volta ao lugar para ver questões de herança. Não demora para que, ao chegarem ao lugar, serem atacados por uma criatura feroz. Depois, eles conseguem fugir para uma cabana, onde tentam se proteger da criatura, ao mesmo tempo que algo estranho começa a acontecer com o corpo de Blake.

Se Whannell não fez tão bonito quanto no anterior, fez um terror intimista calcado num drama familiar muito bom. Espero que no futuro LOBISOMEM seja mais valorizado e se torne uma obra mais respeitada e mais querida. Com frequência esse tipo de coisa acontece, afinal.

+ TRÊS FILMES

STING – ARANHA ASSASSINA (Sting)

Há filmes que parecem nascidos de cartazes. Era uma lógica que prevalecia em indústrias de filmes B tanto nos Estados Unidos quanto na Itália décadas atrás. E o cartaz de STING – ARANHA ASSASSINA (2024), de Kiah Roache-Turner, é tão bonito e atraente que até parece que o filme pode ter nascido dessa maneira também, embora ache pouco provável. O que esta produção austaliana traz de melhor talvez seja a ótima concepção do espaço, que é formado basicamente pelos apartamentos e os dutos de ar, por onde andam tanto a aranha alienígena quanto a menina que a adota. Há uma trama de família envolvendo o abandono do pai e o relacionamento carinhoso com o padrasto, desenhista de histórias em quadrinhos, mas que ganha a vida mesmo como zelador do prédio. Enquanto isso, a menina vai percebendo as peculiaridades daquela aranhinha pequena que vai se tornando cada vez maior e mais faminta. Senti falta no filme de mais suspense e terror, mas a aura de familiaridade e de diversão acabam compensando e tornando STING uma bela diversão descompromissada.

ACOMPANHANTE PERFEITA (Companion)

Uma das graças de ACOMPANHANTE PERFEITA (2025), de Drew Hancock, está em trazer uma sucessão de surpresas ao longo da trama, o que contribui para seu potencial de atração para o público, em especial o mais jovem. No fim, além de divertido, é também uma história sobre dependência emocional e busca de libertação após uma percepção da realidade. Pode parecer muito para um filme com essa embalagem mais pop e que se vende como horror, quando pode ser vendido também como ficção científica, que muitos vão associar à série BLACK MIRROR, mas há tempos o cinema de gênero tem trazido temas relevantes de nossa sociedade. Além do mais, Sophie Thatcher está muito bem como a protagonista. Legal que ela vem de outro filme de gênero muito bom da safra atual, HEREGE. Só acho que o filme me perdeu um bocado em sua segunda metade, talvez por algum problema de ritmo.

CHIME

Não sei se por ser mais curto ainda do que eu esperava (o que de certa forma é um bom sinal, pelo menos de que estava gostando do filme), mas não tive tempo de me conectar suficientemente com CHIME (2024), de Kiyoshi Kurosawa, que contém elementos tanto de A CURA (1997) quanto de PULSE (2001), especialmente na forma como o cineasta manipula sua câmera, seja em movimento lento para os lados, revelando ações e figuras, seja estaticamente, às vezes em posições pouco usuais. Na trama inicial, um professor de culinária frustrado profissionalmente é confrontado com um aluno que diz estar ouvindo um badalo. A princípio, achei que o filme enveredaria por algo parecido com MEMORIA, obra-prima de Apichatpong Weerasethaku. Felizmente o filme se encaminha para algo diferente e mais a cara de Kurosawa, que trata de temas como depressão e solidão com a chave do horror. A opção por uma obra menor (em duração) não significa um cansaço do criador, pois no mesmo ano de 2024 lançou três filmes diferentes. CLOUD tem sido tão ou mais elogiado que CHIME, por exemplo. A ver.