terça-feira, março 23, 2021

NO SILÊNCIO DE UMA CIDADE (While the City Sleeps)



Nossa, parecia que fazia anos que eu não via um noir de Fritz Lang, de tanta saudade que estava. Isso aconteceu porque ando bem lento na minha peregrinação pelo cinema do diretor e eu tinha visto DESEJO HUMANO (1954) em dezembro do ano passado. Depois disso, vi a aventura gótica em cores O TESOURO DE BARBA RUBRA (1955) e o seu último filme silencioso, A MULHER NA LUA (1929). Ou seja, havia justificativa mesmo de eu estar com saudade dos filmes noir do nosso querido cineasta austríaco. E a saudade aumenta quando tenho a consciência de que se trata de seu penúltimo trabalho em Hollywood. Depois disso ele faria mais três filmes na Alemanha e se aposentaria.

NO SILÊNCIO DE UMA CIDADE (1956) faz parte da dobradinha de longas lançados pela RKO no mesmo ano, no formato tela larga 2:1, SuperScope, não muito a contento de Lang, até porque os filmes eram filmados no formato 1,33:1 e depois cropados para o formato definitivo. Isso deve ter contribuído ainda mais para que Lang tivesse essa opinião de repúdio ao scope, eternizado em fala clássica de O DESPREZO, de Jean-Luc Godard. O outro da dobradinha, SUPLÍCIO DE UMA ALMA (1956), devo ver nos próximos dias. 

Uma das coisas que Lang gostou em NO SILÊNCIO DE UMA CIDADE foi do bom trabalho com o roteirista e do ótimo planejamento financeiro, de modo que houvesse uma possibilidade de ter um filme com vários astros famosos. Isso se deveu ao fato de que os atores e atrizes famosos tiveram que estar disponíveis no máximo cinco dias, no máximo,  para que a produção modesta ganhasse ares de produção mais cara. Além do mais, eles se adequaram bem aos seus papéis. O único ator ruim é John Barrymoore Jr., que faz o papel do maníaco sexual assassino.

Assim, além de ter como protagonista Dana Andrews, o filme ainda contava com George Sanders, Thomas Mitchell, Rhonda Fleming, Ida Lupino e Vincent Price. O ambiente da trama se passa principalmente dentro de uma grande rede jornalística que já havia incluído a televisão como um apoio naqueles novos tempos, ainda que a mídia impressa fosse até mais forte.

O filme se inspira no caso real de um assassinato ocorrido em Chicago, em que um homem escreveu no espelho com batom "Por favor, apanhem-me antes que eu mate outra vez". Assim, foi criada a ideia do assassino do batom, já que no filme, o assassino deixa no espelho a frase "Pergunte à mãe”, o que deixa no ar uma tendência de explorar o aspecto psicológico de linha freudiana, que era comum na época - e ainda seria, vide o sucesso retumbante de PSICOSE, de Alfred Hitchcock, que surgiria em breve. Nesse sentido, e também na relação do personagem do assassino com a mãe, o filme de Lang antecipa o clássico de Hitch.

Aliás, o que deixa muita gente decepcionada é que o prólogo pré-créditos do filme traz uma falsa impressão de que o que estaríamos prestes a ver seria um filme mais violento, até por ele ter feito algo bastante violento em OS CORRUPTOS (1953), além de ter flertado discretamente com o horror com seu trabalho anterior. Ou seja, até que seria um caminho lógico. Em vez disso, NO SILÊNCIO DE UMA CIDADE opta por explorar os dramas de seus personagens, os jornalistas, que se veem em uma situação de rivalidade gerada pelo novo chefe (Price), que diz que premiará quem conseguir pegar o assassino primeiro, quem conseguir o furo. Nesse sentido, o personagem de Andrews faz algo que remete à carta de A GARDÊNIA AZUL (1953).

Há algo que, por sua vez, remete a M - O VAMPIRO DE DUSSELDORF (1931), que é a capacidade que Lang tem de se solidarizar com o maníaco, já que ele, mais uma vez, não consegue evitar os seus atos criminosos, seu problema é de natureza mental. Enquanto isso, os jornalistas, ou boa parte deles, atravessam limites de ética para conseguir o que desejam de maneira bem consciente.

NO SILÊNCIO DE UMA CIDADE também representou um momento de atrito entre Lang e os produtores, algo que já era contínuo, mas que faria com que ele desistisse de Hollywood para sempre. Um episódio que vale usar como exemplo é a cena em que Lupino mostra a/esconde de Andrews um daqueles monóculos com foto no bar. Essa cena teria sido cortada pela vontade do produtor Gene Fowler. Felizmente, a cena provocou risadas na sessão de pré-estreia e acabou ficando na versão definitiva. Foi um exemplo da richa que Lang tinha com os produtores, que sempre mexiam em seus trabalhos. Ele dizia que o único filme que ele teve direito a corte final foi M.

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