domingo, dezembro 13, 2020

OS CORRUPTOS (The Big Heat)



"Guess a scar isn't so bad, not if it's only on one side. I can go through life sideways"
Debbie Marsh, personagem de Gloria Grahame


Não é à toa que OS CORRUPTOS (1953) é considerado uma das obras-primas de Fritz Lang. Eu já tinha visto o filme há alguns anos e mesmo assim fiquei impressionado nesta revisão. Inclusive, havia me esquecido de quase tudo. O que foi bom, de certa forma. Por isso a cena mais emocionalmente impactante me pegou tão forte. E por mais que Lang seja um diretor que prefira não usar violência explícita na tela, este é um dos filmes mais violentos que já vi. Até me lembrei de OS BONS COMPANHEIROS, do Scorsese, nesse sentido, de trazer a violência mais para o sentimento do que para o visual.

Isso acontece, pois o sentimento de perda é de fato sentido e assim temos Glenn Ford como o protagonista com muito ódio no coração e em busca de vingança, um pouco como o Spencer Tracy em FÚRIA (1936) ou Arthur Kennedy em O DIABO FEITO MULHER (1952). Mais aqui a intensidade desse sentimento chega do lado de cá da tela com mais força. Nessa fase, Lang estava trazendo para o estilo de filme policial (noir) um melodrama poderoso. Por isso, quando somos apresentados ao lar e à família do protagonista já ficamos apaixonados por aquele ambiente cheio de amor, que faz oposição ao mundo frio, opulento e agressivo das residências dos gângsteres.

No que se refere à violência, mais uma vez, é curioso que Peter Bogdanovich, quando entrevista Lang para seu livro Afinal, Quem Faz os Filmes, chega a dizer que até o ritmo do filme é violento. O filme já começa com uma cena de um suicídio: um policial atira na própria cabeça e deixa uma carta para o promotor de justiça. A esposa age de maneira fria, esconde a carta e faz uma ligação para o grande chefão do crime da cidade, vivido por Alexander Scourby.

O grande diferencial no que se refere ao desejo de vingança entre OS CORRUPTOS e O DIABO FEITO MULHER - em ambos vemos um homem tentando se vingar de um crime cometido a sua amada - é que aqui não temos uma "distração", como é a presença de Marlene Dietrich no citado western. Em OS CORRUPTOS, por mais que Gloria Grahame seja uma personagem adorável e envolvente, jamais passa pela cabeça do protagonista e talvez nem da do espectador, que apareça ali um envolvimento amoroso. Afinal, a ferida ainda está aberta e a obsessão de pegar os responsáveis pela morte da esposa é o que mais importa. Por isso a personagem de Grahame tem essa função maior de auxiliar o herói nessa missão, já que ela se vê constantemente agredida pelo namorado vivido por Lee Marvin. Principalmente depois da chocante cena do café quente.

Aliás, a performance de Grahame no filme é brilhante. Ela combina o já reconhecido sex appeal em filmes noir da época com uma espontaneidade muito bonita de sua personagem. Acho tocante o momento final dela. O trabalho seguinte de Lang, DESEJO HUMANO (1954), também conta com a dobradinha Ford-Grahame. (Já estou ansioso para ver.)

Quanto ao aspecto visual, ver OS CORRUPTOS em uma cópia HD é de dar gosto. Isso porque o trabalho de Lang em Hollywood, especialmente nos filmes em preto e branco, são um colírio. O diretor levou seu estilo próximo do expressionista para os Estados Unidos e o solidificou, especialmente na década de 1940. Quando as produções eram um pouco mais caras, como é este o caso, esse cuidado com as imagens fica bem mais evidente.

+ TRÊS FILMES

SONHO DE MORTE (Dead of Night)

No mesmo ano do clássico NOITE DO TERROR, Bob Clark fez esta pequena joia sobre um soldado que morre na guerra do Vietnã e que volta para casa como um zumbi. A ideia de SONHO DE MORTE (1974) é interessante, mas é de difícil desenvolvimento. Por isso são bastante satisfatórias as escolhas do diretor e do roteirista com esse personagem. Afinal, por mais que Andy, o morto-vivo, esteja se comportando de maneira estranha, vamos percebendo que ele tem perfeita consciência de sua condição. Os dois pontos altos do filme são: a perseguição ao médico e o incidente no cinema drive-in. Uma prova de que existe uma pluralidade de filmes de zumbis pós 1968: nem todos são derivados de Romero.

OS ÚLTIMOS EMBALOS DA DISCO (The Last Days of Disco)

Não sei se ando com a cabeça muito lenta e peguei um dia não muito bom para acompanhar a rapidez intensa dos filmes de Whit Stillman - mas lembro que quando vi AMOR & AMIZADE (2016) também fiquei um tanto desnorteado. Eu até queria me envolver mais com os personagens, mas isso não aconteceu. Talvez um pouco mais com a personagem da Chloë Sevigny. De todo modo, há algo muito singular - e talvez bem menos universal - nas discussões que o diretor/roteirista promove neste OS ÚLTIMOS EMBALOS DA DISCO (1998), chegando a trazer um papo interessante sobre moral e caráter na animação A DAMA E O VAGABUNDO, da Disney. Gosto também de como o filme vai nos aproximando dos personagens, quando vai se encaminhando para sua conclusão, mas aí já é um tanto tarde. Ficaria mais próximo deles em uma apresentação menos rápida e mais aprofundada nos personagens, principalmente os masculinos, que são os mais prejudicados nesse sentido.

APOCALYPSE NOW - FINAL CUT

Mais de 18 anos depois da experiência de REDUX, lá fui eu ao cinema novamente ver este novo corte de APOCALYPSE NOW (1979), que Francis Ford Coppola acredita ser o melhor e diz ser o definitivo. Ainda continuo achando o filme bem irregular. Não gosto tanto das cenas finais, mas adoro todos os momentos em que o Robert Duvall está em cena ("Cavalgada das Valquírias", surf no meio do bombardeio). Coppola consegue trazer humor para o horror e nos fazer rir no meio daquilo tudo. Gosto bastante também da cena com os franceses, que aqui foi diminuída na duração em relação à versão REDUX. Segue sendo um baita filme, com certeza, mas ainda prefiro os outros três que o Coppola realizou nos anos 1970.

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