quinta-feira, dezembro 17, 2020

23 CURTAS PRESENTES NO 14º FOR RAINBOW



Neste ano, muitos festivais tiveram que se adaptar e adotar o formato digital para não passar em branco. O For Rainbow, o Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual, aconteceu em transmissão para quem quiser ver no YouTube. Faltou aquele calor humano típico do festival, mas é o que tem pra hoje. Tive a oportunidade e a honra este ano de fazer parte do júri da crítica, junto com dois colegas da Aceccine. Vamos aos comentários rápidos sobre os curtas da edição deste ano, então.

FOTOS PRIVADAS

Interessante filme sobre o efeito que uma terceira pessoa pode fazer ao entrar na vida de duas pessoas que têm um relacionamento íntimo mais prolongado. O trabalho de direção privilegia tanto os corpos, nas cenas de intimidade, quanto percepções individuais, como a cena em que um deles fotografa o corpo nu do outro. E há também a DR bem construída e uma cena final agridoce e bonita. Direção: Marcelo Grabowsky. RJ, 2020.

HOJE EU NÃO FICO NO VESTIÁRIO

Há coisas que mal são pensadas e refletidas, pelo menos por mim. Uma delas é o fato de o futebol ser um espaço essencialmente heteronormativo e com muita homofobia (as pessoas estão acostumadas a ver o tipo de xingamento que aparece nos estádios). Raramente se vê um jogador de futebol assumidamente gay. Por outro lado, há uma tendência de achar que as jogadoras de futebol podem ser lésbicas. Neste documentário que pega emprestado o nome do filme de Daniel Ribeiro temos, de maneira bem simples, uma breve discussão sobre esse assunto, entre homens e mulheres gays e apreciadores e profissionais do futebol, para em seguida ver a história breve da formação de um time de futebol só com pessoas gays. Direção: Nicole Lopes. PR, 2019.

OS ÚLTIMOS ROMÂNTICOS DO MUNDO

Um filme cujo maior mérito está nas brincadeiras formais do que na trama, que é bem simples, ainda que com uma reviravolta interessante. Na história, o mundo vai acabar com a chegada de uma enorme nuvem cor-de-rosa. Bem legal a utilização de um estilo que remete aos anos 1980, às sessões exibidas na Globo com dublagem, às fitas VHS envelhecidas pelo tempo. Destaque para a divertida cena com "Total Eclipse of the Heart". Também podemos destacar as discussões sobre o destino dos gays no pós-vida, uma amostra de que a culpa cristã ainda não está totalmente dissolvida. Direção: Henrique Arruda. MT, 2020.

DE VEZ EM QUANDO EU ARDO

É muito bom quando a gente fica empolgado com um filme a ponto de ficar curioso com os outros trabalhos do realizador. No caso, este é o terceiro filme de Carlos Segundo, sendo que o segundo foi um longa-metragem chamado FENDAS (2019), que gostaria de conhecer. A força deste curta está no clima, na montagem, no mistério que se estabelece tanto no trabalho da fotógrafa/artista vivida por Rubia Bernasci quanto no que surge a partir da chegada de uma modelo (Carla Luz). Até as cenas que se passam na residência, com um cuidado especial com o que mostrar e o que esconder, se revestem de uma importância metafísica. RN, 2020.

ALGO_1

Um trabalho de composição de luz e de imagem que parece simular um gozo. Jesuíta Barbosa mais uma vez se mostrando amigo dos filmes LGBTQ neste curta bem curtinho mesmo, mas que impressiona visualmente. Às vezes lembra um pouco a linguagem publicitária, em outras um trabalho experimental herdeiro da videoarte. Na montagem, há a valorização do corpo masculino de uma maneira bem sensual, mas também há uma combinação com outras imagens a fim de trazer ressignificações. Direção: Diego Martins. SP, 2020.

ITINERÂNCIAS DE GÊNERO

Interessante ver um filme que trata de um processo de "retorno às origens" de pessoas trans. O personagem mais importante do filme é Antônio Neto, que não voltou ao gênero masculino por causa de nenhuma religião. Segundo ele, foi um processo de sua psique, ele já não se sentia tão bem como uma mulher. Há outros personagens interessantes, mas Neto é o protagonista e o mais interessante (chegou a escrever um livro sobre sua vida, chamado Mel e Fel), mais eloquente e mais carismático. Há, portanto, essa irregularidade entre um personagem muito bom e outros mostrados rapidamente. Direção: Alexandre Veras. CE, 2019.

DESYRRÊ

Mais um exemplar de documentário que apresenta um perfil de uma personagem interessante, no caso, Desyrrê, transexual que dá duro na vida, trabalhando em um restaurante e fazendo curso técnico de radiografia, além de ter que lutar diariamente para conseguir o respeito das pessoas, até por morar em uma cidade pequena como Triunfo, interior de Pernambuco. Há uma simplicidade bonita no doc que combina com a personagem retratada. Direção: Coletivo Documentando. PE, 2020.

ELA QUE MORA NO ANDAR DE CIMA

Um filme que se destaca muito mais por seus aspectos formais, por mais que tenha o brilho de Marcélia Cartaxo no elenco. É que o cuidado com a fotografia, a direção de arte e o figurino salta aos olhos de imediato. A opção por um amor platônico de uma mulher por outra acaba tornando o filme sutil nos gestos, nas intenções e nos desejos reprimidos. Ótima a inclusão de "Coração de papel", clássico da Jovem Guarda na voz de Sérgio Reis. Direção: Amarildo Martins. PR, 2020.

A VAPOR

O fato de termos um protagonista tão desconfortável quanto o espectador comum o coloca em uma posição de fácil identificação. O personagem de João Fontenele chega a esse lugar secreto onde homens se preparam para relaxar, paquerar, transar, assistir a shows de transformistas cantando, ou só ficar olhando para o céu. A inquietação do personagem dá um tom de filme de gênero ao filme, à medida que o som e recursos emprestados do cinema de horror vão se juntando à narrativa, ainda que de maneira discreta. Detalhe para a transição um pouco mais demorada em tela escura entre uma cena e outra, acentuando o clima de mistério. Direção: Sávio Fernandes. CE, 2020.

HOMENS INVISÍVEIS

Documentário muito interessante sobre o tratamento duro que homens trans recebem no sistema prisional. É cada história impressionante. São pessoas que tiveram sua dignidade destruída na prisão (um deles chegou a dizer que passou um ano com a mesma cueca). Há problemas que sequer imaginava, como a visita necessária a ginecologistas e o quanto isso também é um tratamento diferenciado por parte dos profissionais, segundo eles disseram. Outros problemas já se imaginam, como a privação do tratamento hormonal. Muito bons os personagens entrevistados, sendo que alguns deles preferiram não mostram o rosto. Direção: Luís Carlos Alencar. RJ, 2020.

LETÍCIA, MONTE BONITO, 04

Um filme que encanta pela simplicidade e pelo modo sutil com que as duas meninas se aproximam lentamente durante uma tarde/noite de verão bem quente no sul do país. Destaque para Maria Galant, jovem atriz que vem despontando como uma das mais talentosas de sua geração. O romantismo do filme também tem uma ligação com a época em que se passa, algo em torno do início dos anos 2000, com CDs e DVDs em alta, discman, tevês de tamanho menor, série da Xena etc. Outro ponto positivo é o cuidado com fotografia e as cores do quarto, o lugar onde se passa a maior parte da ação. Direção: Julia Regis. RS, 2020.

CLOVITO 2069

Embora lá pelo meio eu tenha achado que o filme perde um pouco o foco (quando começa a falar sobre quadros de temática indígena de Clovito), o personagem em si é uma figura e tanto. Quem mora em Mato Grosso certamente conhece muito bem esse artista plástico tão singular e que teve a coragem de tatuar o rosto todo de preto. Acabou virando uma marca registrada, ainda que tenha sido um problema quando ele viajava. Senti falta de um estudo maior da obra, mas deu pra ter um gostinho da pessoa, da figura diferente e ao mesmo tempo bastante humilde de Clovito Hugueney. Direção: João Manteufel. RJ, 2020.

INABITÁVEIS

Interessante que as cenas de dança (contemporânea) entre os bailarinos me pareceram bastante naturais, por mais que a homoafetividade masculina esteja em pauta. Vemos aqui um filme que se interessa tanto pela arte, quanto pela política (no sentido amplo do termo, pois a herança da escravidão é claramente debatida), quanto pela religião (de linha africana), aparecendo um pouco em chave de fantasia. Em alguns momentos o filme se aproxima do sonho, como na cena das mãos douradas se aproximando de um dos personagens como criaturas da floresta. E há a dança final, com um cuidado de luz e sombra caprichado. Direção: Anderson Bardot. ES, 2020.

O QUE PODE UM CORPO?

Filme bastante tocante sobre um rapaz que teve complicações no nascimento, complicações que ele carrega consigo até o resto da vida. É menos um filme sobre a sexualidade do corpo e mais sobre o enfrentamento das dificuldades provenientes desse corpo nascido diferente. Há também a comunicação artística de Victor, o entrevistado, sua relação forte com a arte, a partir de sua sensibilidade própria. Mas acabei me comovendo mesmo com o monólogo final dele. Direção: Victor Di Marco e Márcio Picoli. RS, 2020.

BALIZANDO 2 DE JULHO

A pluralidade de documentários, especialmente os de curta-metragem, nos ensina muita coisa. Coisas que a gente desconhece. Como não sou de Salvador, desconhecia esse desfile cívico que acontece em 2 de julho, Dia da Independência da Bahia, e o quanto o grupo LGBT foi conquistando espaço nas balizas, que é uma espécie de coreografia com banda. A alegria do grupo que participa está estampado em seus rostos e só por isso esse evento já é válido. No curta, há depoimentos interessantes, inclusive de Jean Wyllis e também de um doutorando que estuda as balizas e as fanfarras do 2 de julho pela perspectiva dos grupos LGBT. Direção: Fabíola Aquino e Marcio Lima. BA, 2019.

BATOM VERMELHO SANGUE

Filme que nos apresenta ao cotidiano duro de quatro mulheres que moram em uma casa humilde e cada uma delas luta para sobreviver à sua maneira no mundo perverso em que vivemos. Lá pelo meio vemos que a protagonista é Ashley, que trabalha em um bar de garçonete. É um filme duro, com uma melancolia que se apresenta já na cena do karaokê mas que se intensifica lá pelo final. Boas atuações, bom desenvolvimento do enredo. Direção: R.B. Lima. PB, 2019.

BHOREAL

Ainda veremos muitos filmes ambientados no contexto da Covid-19. Este aqui nos apresenta ao artista plástico Lorenzzo di Padilla que se traveste de drag queen nas noites de São Paulo para entregar quentinhas para moradores de rua. Mas esse nem é o aspecto mais importante do filme. O mais importante é o depoimento que ele dá enquanto se maquia, sobre suas lembranças de uma grande amiga de infância. É onde o filme se reveste de uma delicadeza muito bonita. Direção: Bernardo de Assis. RJ, 2020.

IAURAETE

Interessante misto de filme experimental com cinema de horror e estudo sobre mitologias amazônicas associadas a figuras LGBT. Aqui temos uma espécie de mulher-onça ou mulher-jaguar que também se confunde com uma criatura da mata ou um demônio. Isso acaba também trazendo uma espécie de ar maldito para essa figura que não se sabe se é homem ou mulher, como ela mesma diz. Uso interessante do som, da música tradicional e do mistério associado ao medo. Direção: Xan Marçall. PA, 2020.

O MISTÉRIO DA CARNE

A primeira coisa que chama atenção neste filme é a expressividade das jovens atrizes. O desejo da protagonista começa a se apresentar de estranhas formas, trazendo uma relação direta com o sangue. Embora no final fique uma sensação de que algo está faltando, talvez seja apenas uma sensação, já que todas as cenas são boas e curiosas, seja a do grupo de jovens se acariciando durante a aula de religião, seja a cena da piscina, seja a brilhante coreografia que emula Jesus e os apóstolos. O filme já conta com alguns prêmios internacionais e participações em festivais importantes, como Sundance, Biarritz e Brasília. Direção: Rafaela Camelo. RN, 2018.

PARA VERÔNICA

A simplicidade deste filme é um de seus principais trunfos. Ao nos apresentar a um senhor idoso que se veste de mulher quando recebe um pacote em sua casa. O filme cresce muito nos momentos desse senhor com a mulher que cuida dele. E se encerra de maneira poética e delicada, nos fazendo pensar no quanto as convenções sociais servem/serviram de prisão para tantas pessoas. Direção: Fran Lipinski. SP, 2019.

PERIFERICU

Ainda que seja um filme relativamente solar, o tom de melancolia frente às dificuldades de vida das duas personagens LGBT acaba sendo enfatizado, por mais que haja sim um senso de humor bem ácido nas cenas com a família. Os momentos mais fortes do filme estão na expressão artística como forma de desabafo, principalmente o poema endereçado a Deus, no final. Direção: Nay Mendl, Rosa Caldeira, Vita Pereira, Stheffany Fernanda. PR, 2019.

QUEBRAMAR

Uma das coisas mais bonitas neste filme de Cris Lyra é a espontaneidade com que um registro que a princípio é documental e se transforma em algo muito próximo do ficcional. Sabemos que isso não é novidade e que há uma série de filmes que utilizam esse tipo de recurso, mas para fazer funcionar e fluir bem é mais difícil. Aqui o carinho com que as personagens têm uma pena outra é passado do lado de cá da tela, especialmente na cena dos fogos de ano novo. SP, 2019.

VÓ, A SENHORA É LÉSBICA?

A pergunta que dá título ao filme poderia indicar que se trata de uma obra sobre uma pessoa gay na terceira idade. De certa forma é, mas é muito mais sobre a neta dessa avó, que também vem se descobrindo interessada em moças, pelo menos em uma moça em especial da escola. Bem montado o paralelismo perto do final. Direção: Larissa Lima e Bruna Fonseca. RJ, 2018.

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