terça-feira, dezembro 15, 2020

MULHER-MARAVILHA 1984 (Wonder Woman 1984)



Eis um filme que pode ser amado pelos mesmos motivos que pode ser odiado. Há uma intenção de ser mesmo intenso, flertando com o cafona até, e isso não vem apenas do colorido que tenta emular o ano do título, o ano em que se passa a história, mas dos sentimentos sentidos e despertados. A escolha da Warner de lançar MULHER-MARAVILHA 1984 (2020) perto do Natal faz todo o sentido, mesmo em cenário de pandemia. Até para trazer um pouco de fé na vida nestes tempos tenebrosos.

Ainda que seja uma aventura de fantasia, podemos dizer que o novo título-solo da mais querida das amazonas é um filme sobre um embate de valores: a verdade, a honra e a bondade versus a vaidade, a inveja e a cobiça. Desde o primeiro ato, percebemos que alguns personagens sentem uma vontade imensa de serem mais do que são. Barbara Minerva, a personagem de Kristen Wiig, é uma mulher que não recebe atenção de seus colegas, passa desapercebida e tem baixa autoestima. Por isso fica com um pouco de inveja da nova amiga, Diana Prince (Gal Gadot), que é linda, gentil e elegante.

E temos Max Lord, vivido por Pedro Pascal, um sujeito falido financeiramente que se esconde em uma fachada de sucesso. Ao se apossar de uma pedra mágica que concede desejos às pessoas, ele finalmente pode conseguir tudo que tanto almeja. Ou será que não?

Assim como o filme de 2017, esta sequência também se ancora na fantasia para a construção de seu enredo. E é algo que funciona muito bem para uma heroína inspirada na mitologia grega. A magia está presente desde o prólogo, que é ambientado na infância de Diana, e em uma lição de vida, e está presente também em sua atuação elegante e discreta, ao salvar vidas e impedir um assalto a banco, nos Estados Unidos do ano de 1984.

Patty Jenkins, que volta para dirigir esta sequência, parece mais à vontade em lidar com a emoção, sem se preocupar que tudo soasse excessivamente melodramático. Esse sentimento de liberdade transparece na interação entre os personagens, no sentimento que transborda de cada um deles. Diferente do primeiro filme, que tem um vilão mais estereotipado, aqui os dois vilões são pessoas comuns que caíram por causa de sentimentos e desejos equivocados. O bonito do filme é que a bondade de Diana consegue florir a atmosfera.

Por mais que Jenkins não seja uma grande diretora de ação, considero eficientes várias cenas. Destaques para a cena da estrada e para a luta de Diana com a personagem de Wiig, usando um outro uniforme. A forma suave e ao mesmo tempo poderosa com que Diana combate é de encher os olhos, especialmente quando ela parece voar, com seu laço mágico.

E há o retorno de Steve Trevor, o interesse amoroso de Diana, vivido por Chris Pine. Até para trazer de volta esse personagem o filme recorre à magia. No entanto, tudo funciona de maneira muito bonita e orgânica. Ter um roteirista de quadrinhos (Geoff Johns) também ajuda. Além do mais, a música de Hans Zimmer está inspirada e no tom adequado para a narrativa.

No mais, temos algumas surpresinhas muito legais envolvendo a mitologia da heroína. E a Gal Gadot... meu Deus! Sem palavras para o encanto dessa mulher. Uma das melhores escolhas em elenco de filmes de super-heróis de todos os tempos, rivalizando com o Superman de Christopher Reeve. Por isso a DC precisa mesmo apostar naquilo que lhe é mais característico do que ficar imitando a Marvel, como aconteceu em LIGA DA JUSTIÇA.

+ TRÊS FILMES

O DESPERTAR DE FANNY LYE (Fanny Lye Deliver'd)

Estava sentindo falta na Mostra de São Paulo de um filme que se aproximasse do gênero horror e afins. Eis que temos este belo e tenso thriller que se passa na época do domínio de John Crowell na Inglaterra, uma época mais obscurantista. Em O DESPERTAR DE FANNY LYE (2019), de Thomas Clay, acompanhamos a história de um homem e uma mulher que chegam nus a uma casa administrada com mão de ferro por um senhor. Esses jovens mudarão a vida daquela família, principalmente da personagem-título. Muito interessante o embate que se estabelece quando o rapaz se apresenta como um "herege" para os padrões dos puritanos. Gosto de como o filme brinca com os pré-conceitos de bem e mal dos quatro personagens principais. Há também uma bela discussão sobre feminismo.

A PASTORA E AS SETE CANÇÕES (Laila Aur Satt Geet)

Que beleza de filme este A PASTORA E AS SETE CANÇÕES (2020), de Pushpendra Singh. Tanto nos agrada na narrativa, nos jogos de Laila frente a um esposo um tanto covarde e um sujeito que insiste em assediá-la, quanto na beleza das imagens, cujas paisagens rurais parecem pinturas, especialmente nas cenas diurnas. É muito interessante ver um filme saído da Índia e de uma região cuja religião é o Islamismo contar uma história assim, de linha feminista forte e poderosa. A atriz que faz Laila (Navjot Randhawa) é ótima. Fiquei um tanto confuso em alguns momentos, mas no geral é tudo muito envolvente. E o final é lindo, dotado de um simbolismo poderoso. Um filme que me surpreendeu em muitos sentidos.

RUN

E Aneesh Chaganty, diretor de BUSCANDO... (2018), acertou de novo ao construir um clima de tensão e suspense muito bem orquestrado. Em RUN (2020), há um estilo mais over na construção da personagem de Sarah Paulson, mas achei uma delícia, na verdade. Uma das primeiras coisas que me chamou a atenção neste filme foi o fato de a jovem estreante em longas Kiera Allen ser cadeirante como sua personagem e ter dado tudo de si neste projeto. Aliás, adoro a brincadeira do cartaz. "You can't escape a mother's love", anunciando o filme para lançamento no dia das mães nos Estados Unidos. Pode ser que se torne um pequeno clássico. Rápido, dinâmico, com o horror andando de mãos dadas com o suspense e um duelo de ótimas interpretações femininas das duas protagonistas. E é melhor não saber muito da trama, para não estragar as surpresas.

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