sábado, dezembro 05, 2020

OS ESPIÕES (Spione)



Quando a gente aprende a admirar um cineasta, o corpo do seu trabalho vai se tornando cada vez mais querido, mesmo os filmes menores, como é o caso deste OS ESPIÕES (1928), penúltimo filme de Fritz Lang da fase silenciosa, e que, embora seja um pouco confuso, o que é normal em títulos de espionagem, é de dar gosto, principalmente pelos elementos visuais, que na cópia restaurada e remasterizada ficam ainda mais bonitos. Lang é um mestre do visual e isso já salta aos olhos nas primeiras imagens.

Há também que se destacar o excelente trabalho de seus atores, principalmente o grande Rudolf Klein-Rogge, que mais uma vez faz o papel de um super-vilão, depois de ficar eternizado como o mestre dos disfarces de DR. MABUSE, O JOGADOR (1922) e o inventor de METRÓPOLIS (1927). Aqui ele faz quase uma reprise do personagem, em muitos aspectos. Aliás, desde os primeiros filmes Lang já havia demonstrado um especial interesse por esses super-vilões, mas naquele momento em especial, com a ascensão do nazismo na Alemanha, o espírito da época deu novamente um empurrãozinho.

Ainda que seja irregular (acho a sequência do diplomata japonês um tanto quebrada dentro da narrativa, por exemplo), OS ESPIÕES é um dos mais empolgantes da safra de filmes mudos do diretor. A montagem paralela dos dois espiões apaixonados em vagões e trens diferentes é fantástica, assim como a cena de suspense no final. 

Aliás, como estava falando dos atores, que maravilhosa que é Gerda Maurus, austríaca que faz o papel de uma espiã russa que se envolve com o detetive-espião adversário, mas que acaba por se apaixonar por ele. A paixão dos dois se torna mais importante que qualquer detalhe da trama de espionagem e é agente catalisador de cenas de suspense e ação que ocorrerão ao longo da conclusão do filme (como a cena do trem e a cena do banco). Gerda Maurus ainda apareceria em outro trabalho importante de Lang, A MULHER NA LUA (1929).

Ver OS ESPIÕES é também sentir um certo alívio pelo retorno de Lang ao estilo de DR. MABUSE, O JOGADOR, depois de ter optado pelo formalismo e pela super-estilização em OS NIBELUNGOS (1924) e METRÓPOLIS. Assim, um dos maiores interesses do realizador aqui é o trabalho de tensão, deixar o espectador segurando o braço da cadeira em várias ocasiões. E, passadas tantas décadas, o suspense ainda é muito eficiente. Inclusive, deixo um elogio para a excelente trilha sonora que a nova versão do filme traz. Ajuda bastante a dinamizar a história e aproxima o filme da era sonora que estava chegando.

+ TRÊS FILMES

O MÉDICO E A IRMÃ MONSTRO (Dr. Jekyll and Sister Hyde)

Curioso que no IMDB este filme é classificado apenas como horror e sci-fi. Não como comédia. Será que o humor do filme é involuntário? Ou foi bem pensado? De todo modo, só a ideia já me parece ter um senso de humor espirituoso: pegar a clássica história de O Médico e o Monstro e trocar o monstro por uma mulher muito bonita, atraente mas também selvagem e psicótica. E nisso há também uma questão que parece ser uma novidade, que é a questão trans. Na trama de O MÉDICO E A IRMÃ MONSTRO (1971), de Roy Ward Baker, Dr. Jekyll é um cientista que pesquisa uma espécie de poção para a vida prolongada e acredita encontrar isso nos hormônios femininos. Achei uma pena que o filme não explore mais a questão da sexualidade feminina da personagem transformada. Talvez por falta de tempo, já que a história envolve assassinatos e se passa na mesma cidade e época de Jack, o Estripador.

A MALETA FATÍDICA (Nightfall)

Interessante escolher filme pela duração. Este de Jacques Tourneur tem apenas 76 minutos, mas acabei vendo um extra de 25 minutos do box da Versátil, que traz uma análise sobre o filme e também sobre a poética do cineasta. Ainda gosto mais de seus quatro filmes de horror mais famosos (A MORTA-VIVA, 1943, é maravilhoso!) e também de FUGA DO PASSADO (1947), mas esta produção modesta é uma beleza. Em A MALETA FATÍDICA (1956), Aldo Ray está muito bem como o rapaz envolvido em uma situação perigosa. O filme traz Anne Bancroft linda e cerca de dez anos mais jovem que em A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM. Enquanto Ray representa a noite, o estar escondido, ela representa o dia, o estar à vista, por ser uma modelo. E o que temos é um noir que começa a ter um aspecto solar, nos anos que anunciavam o crepúsculo do subgênero.

LAURA

Havia visto esta maravilha no início de minha cinefilia, em algum Corujão da Globo. Mas não lembrava de praticamente nada. Assim, com esse gosto de filme totalmente novo, fiquei surpreso com cada reviravolta da trama de LAURA (1944), de Otto Preminger, e de como o filme passa a transcender o próprio subgênero filme noir quando vemos um detetive de polícia apaixonado por uma mulher que está morta, a fascinante Laura. E Gene Tierney está de fato apaixonante como a mulher misteriosa e bastante levada por paixões. A trama, embora muito boa e cheia de detalhes precisos (se há algum furo, eu não percebi), é o de menos neste filme tão poderoso na construção do suspense, do mistério e dos sentimentos, que quando cheguei à última cena, tive que me levantar para ver com toda a atenção o que ia acontecer. Obra-prima! No DVD duplo da Fox vem um ótimo documentário sobre a tumutuada e triste vida de Gene Tierney.

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