sábado, dezembro 26, 2020

UNDINE



Hoje podemos dizer que, dos realizadores alemães da geração surgida na virada do milênio, Christian Petzold é o mais brilhante. Se há outro que o supere, não está recebendo o crédito devido. Felizmente o cineasta tem mantido uma regularidade em tempo e em qualidade de seus trabalhos, que contêm uma assinatura muito clara, mesmo quando a temática, o tempo narrativo e até o gênero se diversifica. Seu novo trabalho, por exemplo, flerta com o cinema fantástico (fantasia, horror) para contar uma história de amor.

Depois da trilogia do amor em tempos repressivos, formada por BARBARA (2012), PHOENIX (2014) e EM TRÂNSITO (2018), Petzold inicia uma nova com UNDINE (2020), que promete ser o primeiro de uma nova trilogia, baseada em mitos. O mito presente aqui é o da ondina, uma elemental associada à água, surgida na mitologia germânica. Na lenda, essas criaturas femininas procuram o amor dos homens da terra. Porém, quando ele as trai, elas têm a tarefa de matá-los.

O primeiro diálogo do filme, em um café, já traz essa situação de maneira bastante direta com o rompimento de uma relação e a posterior ameaça de Undine. Isso acaba trazendo uma carga de estranheza que nos chama logo a atenção. Paula Beer, atriz que esteve no filme anterior do cineasta, é a personagem-título, uma jovem mulher que trabalha em um museu urbano, fazendo visitas guiadas contando a história da cidade de Berlim.

O curioso é que Petzold consegue estabelecer uma relação entre a capital alemã, em momento pós-unificação, e a criatura mitológica. Podemos fazer uma conexão entre essa cidade destruída, dividida e novamente unificada e reerguida com a própria personagem, que, depois da traição, encontra novamente um novo amor e segue em frente fortalecida, esquecendo a missão de matar o ex.

O novo amor aparece na figura do amável Christoph (Franz Rogowski, protagonista do filme anterior do diretor), um mergulhador que fica absolutamente encantado com Undine. A magia desse amor romântico tem como instante-chave a quebra, por acidente, do aquário do café. Estações de trem, como ambientes tipicamente românticos de filmes clássicos, aparecem com frequência ao longo da relação do casal. Assim como também se destacam as cenas de intimidade entre os dois no quarto, embora não seja exatamente um filme que explore tanto a sensualidade, já que o intuito maior aqui é fazer uma obra de natureza mais espiritual, etérea.

A impressão que fica é de que UNDINE é um desses filmes que deve se beneficiar ainda mais de revisões. Embora Petzold seja adepto do classicismo, sua sofisticação na condução narrativa faz toda a diferença.   

Agradecimentos à Paula pela companhia durante a sessão. 

+ TRÊS FILMES

FREAKY - NO CORPO DE UM ASSASSINO (Freaky)

Se o bem-sucedido A MORTE TE DÁ PARABÉNS (2017) e sua sequência de 2019 já tinham um tom cômico acentuado, a opção por ter a comédia à frente do horror neste novo filme de Christopher Landon, foi um acerto e tanto. Em tempos de poucas boas comédias, é bom ver uma que consegue arrancar gargalhadas em quantidade muito maior do que arranca sustos. E o curioso é que a trama de FREAKY - NO CORPO DE UM ASSASSINO (2020) é um tanto boba (a jovem protagonista e um assassino serial trocam de corpos) mas funciona muito bem. E Vince Vaughan, que já tem um bom histórico na comédia, está ótimo no papel. Na verdade, o filme funciona melhor quando os corpos estão trocados e diversas situações são desenvolvidas. Há até uma situação dramática interessante (que lembra uma de A MORTE TE DÁ PARABÉNS). Talvez tenha faltado um epílogo perfeito, mas, como o filme não tem tantas ambições e nunca se leva a sério, está tudo bem.

AMIZADE MALDITA (Z)

O que chama a atenção neste AMIZADE MALDITA (2019), de Brandon Christensen, é que ele começa tratando de uma premissa já muitas vezes explorada nos filmes de horror, que é a questão do amigo imaginário de uma criança, mas segue por caminhos diferentes do convencional. Não deixa de ser um risco e tanto, mas as escolhas que o filme faz são inteligentes, corajosas, inusitadas, em especial quando se inicia a conclusão da história. Há pouca apelação para o jump scare, os efeitos especiais são discretos e há uma ênfase na construção da atmosfera e há de fato momentos aterrorizantes. Isso com um orçamento explicitamente baratíssimo, quase sempre dentro de interiores.

O SOM DO SILÊNCIO (Sound of Metal)

Creio que hoje estou com um sentimento mais afinado para um filme como esse, que lida com o mal estar presente no processo acelerado de perda da audição de um jovem músico, um baterista em uma dupla de rock. Um dos méritos de O SOM DO SILÊNCIO, de Darius Marder, é contar a história sem a necessidade de ser um enredo de superação ou algo do tipo. É mais na linha shit happens e a gente tenta consertar, mas nem tudo que parece ser uma salvação pode ser uma ótima saída. Muito bom o uso de efeitos sonoros para nos colocar no lugar do protagonista. Exemplo perfeito é o da mesa de jantar com os surdos, que fazem barulho na mesa com os gestos e batidas na madeira, enquanto ele se sente completamente sozinho. Há cenas bem dolorosas, mas muito sutis, de dor represada. Cenas com Paul Raci e com Olivia Cooke. E o que é aquela última cena? Um filme-pedrada.

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