domingo, março 14, 2021

THE WORLD TO COME



As melhores histórias de amor são aquelas que mostram as pessoas enamoradas tendo que lidar com obstáculos imensos, seja da sociedade, seja de outros fatores que às vezes são até de natureza fantástica. No caso de histórias de amor entre duas mulheres que se passam em um ambiente histórico passado, talvez os maiores exemplos nos últimos anos sejam CAROL, de Todd Haynes, passado na Nova York dos anos 1950, e RETRATO DE UMA JOVEM EM CHAMAS, de Céline Sciamma, passado na região da Bretanha do fim do século XVIII. 

THE WORLD TO COME (2020), segundo longa-metragem da norueguesa Mona Fastvold, é mais um filme a engrossar o número de obras de época que abordam o amor proibido. Dessa vez são duas mulheres casadas, que vivem na área rural da Nova York do século XIX, que se apaixonam e passam a ter encontros às escondidas dos maridos, embora eles, aos poucos, passem a disconfiar e a ficar cada vez mais irritados com a situação.

O filme pode agradar pelos mesmos motivos que pode desagradar a certas audiências. No caso, muitos poderão não gostar da voiceover de Abigail, a personagem de Katherine Waterston. Para mim, porém, é uma das coisas mais bonitas que o filme oferece, trazendo um ar poético e lírico para a trama, e ajudando a tornar o passar dos dias como um elemento de angústia. Em alguns dias, nada acontece; em outros, a protagonista prefere estendê-los, de modo a mostrar os momentos de intimidade das duas mulheres. Adoro o som (e o tom) da voz de Waterston.

Na trama, Abigail é casada com Dyer (Casey Affleck). Os dois sofrem a perda recente da filhinha pequena. O casamento não anda muito bem. Um dia um novo casal aparece na redondeza, Tallie (Vanessa Kirby) e Finney (Christopher Abbot) alugam uma casa ali perto. Quem primeiro presta uma visita à vizinha é Tallie, que aparece elegante e com seu cachorro, enquanto Abigail está tirando a neve da varanda. O interesse amoroso que surge entre as duas se intensifica já neste primeiro café. O diário de Abigail nos ajuda a entender seus sentimentos e a perceber não só sua sensibilidade, como também seu talento como escritora. E é fácil entendermos o encanto que Abigail sente por Tallie e seus longos cabelos ruivos. Aliás, Vanessa Kirby está em outro papel intenso no mesmo ano de PIECES OF A WOMAN. Impressionante como esse ano que passou foi positivo para a atriz.

Um dos momentos mais belos de THE WORLD TO COME é o do primeiro beijo das duas mulheres. "Você tem cheiro de biscoitos", diz Abigail, um detalhe bonito e que faz rir, depois da tensão sexual que surge nos momentos anteriores ao beijo. A alegria das duas passa a ser a companhia uma da outra. Em determinada cena, Dyer percebe quando a esposa abre a porta sorrindo, achando ser Tallie e deixa de sorrir quando vê que é ele à porta. Ainda assim, dos dois maridos, ele é o que se mostra mais compreensivo. É um papel que combina com o jeito mais tranquilo, ou mais depressivo, de Casey Affleck, que é também um dos produtores do filme. Por outro lado, Christopher Abott talvez não tenha sido a melhor das escolhas para viver Finney, o marido que tenta escravizar a esposa usando versículos da Bíblia.

O filme é baseado em um conto de Jim Shepard, que assina o roteiro junto com Ron Hansen, o autor do romance que serviu de inspiração para O ASSASSINATO DE JESSE JAMES PELO COVARDE ROBERT FORD, de Andrew Dominik, e que também conta com Affleck no elenco. Talvez por ser a adaptação de um conto (e não de um romance) o filme respire melhor. Enquanto via as cenas de desespero de Abigail, por exemplo, lembrava das adaptações de Madame Bovary, que não conseguiam expressar esse momento de dor de maneira tão boa, muito provavelmente pelo compromisso de adaptar um romance. No filme de Fastvold, há espaço o bastante para que possamos apreciar a natureza, em suas mudanças ao longo das estações. As locações na Romênia são lindíssimas.

Outra coisa que muito me agradou em THE WORLD TO COME foi a trilha sonora de Daniel Blumberg, romântica e sombria com seu uso de cordas e clarinetes. Lembrou-me de imediato os arranjos usados no álbum O de Damien Rice. Além da trilha do estreante Blumberg, há também uma canção com o mesmo título do filme que sintetiza os sentimentos e as sensações que o filme traz e que nos deixa olhando, comovidos, para os créditos subindo.

Agradecimentos à Paula pela companhia durante o filme.

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