Depois de três semanas (ando lento, eu sei), terminei de ver os cinco filmes da antologia SMALL AXE (2020), de Steve McQueen. Imperdível. Seguem comentários breves, feitos no calor do momento em que foram vistos.
OS NOVE DE MANGROVE (Mangrove)
Curioso como a gente foi educado para pensar sempre a sociedade britânica como se fosse essencialmente branca. Eles mesmos são muito apegados à herança da monarquia e fazem esse processo de apagamento das identidades negras em seus produtos culturais (filmes e séries, principalmente), mesmo havendo muita gente negra na Inglaterra, especialmente advinda da América Central. E que bom que Steve McQueen agora está trazendo esta série de filmes que tratam da cultura e da luta dessas pessoas, o quanto elas são alvo do ódio e do ataque da sociedade branca, em especial da polícia. Até poderíamos achar que o filme estaria exagerando nas ações violentas dos policiais, mas no mundo de hoje sabemos que não há limites para a maldade. Aqui o que temos é uma história de tribunal, mas muito tensa e que nos leva a um sentimento de revolta muito potente, e nos carrega com interesse até a conclusão. A série/antologia chegou à GloboPlay sem muito alarde, o que é uma pena, pois merece ser vista por muitos. Outro problema que me incomodou foi o fato de a Globo ter optado por cortar os lados da fotografia em scope para que coubesse na tela 1,78:1. Ao menos os outros filmes da antologia não utilizam essa janela de aspecto.
LOVERS ROCK
Faz todo sentido ver LOVERS ROCK depois de OS NOVE DE MANGROVE, o primeiro da antologia de McQueen. Isso porque, se o primeiro se apoia em tensão e terror para a comunidade negra, LOVERS ROCK" representa um abrigo para aquele grupo de jovens negros proibidos de frequentarem clubes brancos, mas muito felizes nessas festas privadas dos anos 1980, em uma simples casa, mas com DJs com muita disposição para transformar aqueles momentos de diversão, namoro e encantamento com a música e a dança em um gesto político. O diretor não se preocupa aqui em um plot. Quem chega esperando por isso talvez se frustre. Aqui é pegar um beck (ou imaginar um, procurando relaxar) e se deixar levar por aquela atmosfera de empolgação, sensualidade e, de vez em quando, alguns atritos, porque gente mal intencionada existe em todo lugar. Há uma cena em especial que é lindona, ao som de "Silly Games", de Janet Kay, canção que pra mim foi uma descoberta maravilhosa.
VERMELHO, AZUL E BRANCO (Red, White and Blue)
Steve McQueen segue contando mais uma conto de racismo na Inglaterra, desta vez com a história se passando em um momento mais próximo de nosso presente, mas em uma realidade em que ainda não havia policiais negros. E um homem negro ser policial é um tanto arriscado para sua própria aceitação pela comunidade, por questões compreensíveis. O personagem de John Boyega deixa de lado uma carreira de pesquisador das ciências para tentar fazer a diferença naquele sistema corrompido e violento contra quem não é branco. O próprio pai do protagonista havia sido agredido gravemente pelos policiais apenas pelo fato de ser negro. E ele mesmo enfrentaria uma série de situações desanimadoras e revoltantes na corporação. A sensação de impotência é inevitável e o fato de o filme terminar com aquele diálogo entre pai e filho traz uma força que o filme necessitava, principalmente em sua meia hora inicial. John Boyega está ótimo.
ALEX WHEATLE
Sem ver o quinto filme da antologia ainda, arrisco dizer que este quarto é o menos inspirado. A trama se passa basicamente dentro de um flashback, quando Alex Wheatle (Sheyi Cole), o protagonista, depois de ser preso, conta ao colega de cadeia um pouco de sua história. É quando vemos sua criação em um orfanato, as dificuldades iniciais de socialização, a diferença que ele tem da educação distanciada da comunidade negra/jamaicana de Brixton e posteriormente sua busca por um identidade própria. É um filme que foca menos nos ataques sofridos pelos negros por policiais brancos (embora haja) do que os demais, e mais na personalidade interessante de Wheatle. McQueen também usa, em determinado momento, imagens de arquivo para trazer seu trabalho da ficção para mais perto da realidade.
EDUCAÇÃO (Education)
O mais bonito dos cinco filmes de SMALL AXE é este último. Talvez tenha me comovido mais, pois trata de um tema que me é muito caro, a descoberta da leitura, a importância de ensinar ao outro o prazer de ler. Na história, o pequeno Kingsley é um garoto que tem dificuldades de acompanhar as aulas em sua escola, mas que, em vez de ser incentivado, sofre bullying dos colegas e dos professores, além de ser "convidado" a deixar a escola e ingressar em uma outra, "especial". O filme destaca o quanto as pessoas negras eram deliberadamente tratadas desde a alfabetização pelo governo britânico. Um dos tantos méritos do filme é ainda usar um estilo visual que muito lembra os filmes e programas de televisão da década de 1970. Mas o melhor mesmo é a emoção que este pequeno filme provoca, não apenas na questão da educação pedagógica, mas no ensinar a valorização da cultura e história do povo negro. Todos deveriam ver.
Curioso como a gente foi educado para pensar sempre a sociedade britânica como se fosse essencialmente branca. Eles mesmos são muito apegados à herança da monarquia e fazem esse processo de apagamento das identidades negras em seus produtos culturais (filmes e séries, principalmente), mesmo havendo muita gente negra na Inglaterra, especialmente advinda da América Central. E que bom que Steve McQueen agora está trazendo esta série de filmes que tratam da cultura e da luta dessas pessoas, o quanto elas são alvo do ódio e do ataque da sociedade branca, em especial da polícia. Até poderíamos achar que o filme estaria exagerando nas ações violentas dos policiais, mas no mundo de hoje sabemos que não há limites para a maldade. Aqui o que temos é uma história de tribunal, mas muito tensa e que nos leva a um sentimento de revolta muito potente, e nos carrega com interesse até a conclusão. A série/antologia chegou à GloboPlay sem muito alarde, o que é uma pena, pois merece ser vista por muitos. Outro problema que me incomodou foi o fato de a Globo ter optado por cortar os lados da fotografia em scope para que coubesse na tela 1,78:1. Ao menos os outros filmes da antologia não utilizam essa janela de aspecto.
LOVERS ROCK
Faz todo sentido ver LOVERS ROCK depois de OS NOVE DE MANGROVE, o primeiro da antologia de McQueen. Isso porque, se o primeiro se apoia em tensão e terror para a comunidade negra, LOVERS ROCK" representa um abrigo para aquele grupo de jovens negros proibidos de frequentarem clubes brancos, mas muito felizes nessas festas privadas dos anos 1980, em uma simples casa, mas com DJs com muita disposição para transformar aqueles momentos de diversão, namoro e encantamento com a música e a dança em um gesto político. O diretor não se preocupa aqui em um plot. Quem chega esperando por isso talvez se frustre. Aqui é pegar um beck (ou imaginar um, procurando relaxar) e se deixar levar por aquela atmosfera de empolgação, sensualidade e, de vez em quando, alguns atritos, porque gente mal intencionada existe em todo lugar. Há uma cena em especial que é lindona, ao som de "Silly Games", de Janet Kay, canção que pra mim foi uma descoberta maravilhosa.
VERMELHO, AZUL E BRANCO (Red, White and Blue)
Steve McQueen segue contando mais uma conto de racismo na Inglaterra, desta vez com a história se passando em um momento mais próximo de nosso presente, mas em uma realidade em que ainda não havia policiais negros. E um homem negro ser policial é um tanto arriscado para sua própria aceitação pela comunidade, por questões compreensíveis. O personagem de John Boyega deixa de lado uma carreira de pesquisador das ciências para tentar fazer a diferença naquele sistema corrompido e violento contra quem não é branco. O próprio pai do protagonista havia sido agredido gravemente pelos policiais apenas pelo fato de ser negro. E ele mesmo enfrentaria uma série de situações desanimadoras e revoltantes na corporação. A sensação de impotência é inevitável e o fato de o filme terminar com aquele diálogo entre pai e filho traz uma força que o filme necessitava, principalmente em sua meia hora inicial. John Boyega está ótimo.
ALEX WHEATLE
Sem ver o quinto filme da antologia ainda, arrisco dizer que este quarto é o menos inspirado. A trama se passa basicamente dentro de um flashback, quando Alex Wheatle (Sheyi Cole), o protagonista, depois de ser preso, conta ao colega de cadeia um pouco de sua história. É quando vemos sua criação em um orfanato, as dificuldades iniciais de socialização, a diferença que ele tem da educação distanciada da comunidade negra/jamaicana de Brixton e posteriormente sua busca por um identidade própria. É um filme que foca menos nos ataques sofridos pelos negros por policiais brancos (embora haja) do que os demais, e mais na personalidade interessante de Wheatle. McQueen também usa, em determinado momento, imagens de arquivo para trazer seu trabalho da ficção para mais perto da realidade.
EDUCAÇÃO (Education)
O mais bonito dos cinco filmes de SMALL AXE é este último. Talvez tenha me comovido mais, pois trata de um tema que me é muito caro, a descoberta da leitura, a importância de ensinar ao outro o prazer de ler. Na história, o pequeno Kingsley é um garoto que tem dificuldades de acompanhar as aulas em sua escola, mas que, em vez de ser incentivado, sofre bullying dos colegas e dos professores, além de ser "convidado" a deixar a escola e ingressar em uma outra, "especial". O filme destaca o quanto as pessoas negras eram deliberadamente tratadas desde a alfabetização pelo governo britânico. Um dos tantos méritos do filme é ainda usar um estilo visual que muito lembra os filmes e programas de televisão da década de 1970. Mas o melhor mesmo é a emoção que este pequeno filme provoca, não apenas na questão da educação pedagógica, mas no ensinar a valorização da cultura e história do povo negro. Todos deveriam ver.
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