segunda-feira, janeiro 14, 2008

DESEJO E REPARAÇÃO (Atonement)



Há dois anos Joe Wright revelou-se ao mundo com uma belíssima adaptação de um romance de Jane Austen: ORGULHO E PRECONCEITO (2005). O filme, ao mesmo tempo que modernizava as adaptações de Austen, mantinha a suavidade, a delicadeza característica da autora, e demonstrava uma segurança e uma maestria na direção impressionantes. Felizmente, Wright não é apenas um diretor que deu sorte, mas um cineasta de talento, como se pode comprovar com o novo DESEJO E REPARAÇÃO (2007), campeão de indicações ao Globo de Ouro e vencedor de dois prêmios: melhor filme (drama) e melhor trilha sonora para Dario Marianelli, o compositor italiano que havia trabalhado com Wright em seu filme anterior.

Dessa vez, Wright troca a Inglaterra vitoriana dos romances de Austen pela Inglaterra dos anos 1930 e 40, na época da Segunda Guerra Mundial. O filme, adaptação do prestigiado romance "Reparação", de Ian McEwan, trata do quanto uma mentira, ou um mal-entendido, pode causar danos irreparáveis na vida das pessoas envolvidas. Um dos maiores méritos do filme, que pelo que tudo indica é fiel à forma narrativa do livro, é a opção pelos múltiplos pontos de vista (no caso, três) para se contar uma estória. Assim, vemos inicialmente pelos olhos de uma menina aristocrática de treze anos de idade chamada Briony (Saoirse Ronan) algo que para a cabeça dessa menina seria indecente. Depois, mais ou menos como acontece em ELEFANTE, de Gus Van Sant, vemos a versão do acontecido pelos olhos de Cecilia (Keira Knightley) e do filho da governanta Robbie (James McAvoy). Dois outros incidentes acabam por separar e mudar o destino de duas pessoas que se amam. A própria estrutura do filme trata de reparar, através de suas imagens, aquilo que havia sido mostrado anteriormente de maneira rápida ou passível de ser compreendida. Isto é, ainda que seja fruto de obra literária, DESEJO E REPARAÇÃO se fixa de verdade como cinema.

Confesso que, ao ver o trailer, esperava um novelão daqueles bem lacrimosos - o que não seria nenhum problema pra mim -, mas o filme é mais um estudo sobre as causas e as conseqüências de um ato falho, filmado com sensibilidade e com certo virtuosismo estético. Maior exemplo disso é a longa seqüência dos soldados na praia. O corte para o ponto de vista de Briony, já com dezoito anos e arrependida pelo que fez quando adolescente, nos oferece ao mesmo tempo um pouco de tranqüilidade e uma angústia tremenda, pois Briony é a personagem que se coloca mais próxima do espectador, já que ela é a que comete falhas - errar é humano, certo?, e o personagem de James McAvoy é muito bonzinho e a personagem de Keira se mostra muito distante. Assim, o sentimento que o filme mais provoca é o de arrependimento, da frustração que vem da vontade de consertar o que não pode mais ser consertado. A seqüência dos três personagens juntos no apartamento de Cecilia é de doer na alma, assim como o epílogo, o monólogo final de Vanessa Redgrave, que chega para coroar esse trabalho excepcional. Quando não se pode reparar a realidade, a fuga para a fantasia, para a ficção, torna-se a única saída. Mas uma saída amarga e falsamente encobridora da verdade que dói.

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