quarta-feira, março 05, 2008

A CASA DE ALICE



Numa das edições do Cine Ceará - que esse ano começa mais cedo, no mês de abril -, tive a oportunidade de conferir um dos primeiros trabalhos de Chico Teixeira, o documentário em curta-metragem CRIATURAS QUE NASCIAM EM SEGREDO (1995), que tratava da vida de cinco anões. Depois de outro documentário, dessa vez em longa-metragem, entitulado CARREGO COMIGO (2000), o diretor estréia no cinema de ficção com A CASA DE ALICE (2007), filme que guarda elementos em comum tanto com o argentino O PÂNTANO, de Lucrécia Martel, quanto com o brasileiro O CÉU DE SUELY, de Karim Aïnouz, embora não alcance o impacto de nenhum desses trabalhos. O filme é mais um representante da nova geração de cineastas brasileiros surgidos nos últimos anos e a presença de Mauro Pinheiro Jr (CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS), como diretor de fotografia, e de Marcelo Gomes, como um dos roteiristas, pode causar uma impressão de uma espécie de "panelinha" formada por essa turma, que também inclui o nome de Sergio Machado (CIDADE BAIXA).

Do filme de Lucrecia Martel, A CASA DE ALICE guarda semelhança com a proximidade dos corpos em um ambiente apertado de uma família relativamente pobre. Alice (Carla Ribas) é uma mulher casada com um taxista e mãe de três filhos adolescentes. O marido a trai com uma adolescente, que tem a cara de pau de pedir à própria Alice uma dica para conquistar um homem que já tem outra mulher. Dentro da casa, há também a velhinha quase cega, mãe de Alice, que passa o dia cuidando dos afazeres domésticos, como lavar a roupa e fazer e servir a comida. Ainda assim, a pobre velha é matratada pelo marido de Alice e pelos garotos. Apesar de viver à margem e quase como uma empregada, ela é a verdadeira dona da casa. Mesmo assim, o taxista pretende levar a coitada para um asilo para idosos. A atriz Carla Ribas, que faz a Alice, me fez lembrar uma Jeanne Tripplehorn mais pobre e sofrida.

Dentro da casa, a velhinha fica sabendo de coisas que a própria Alice não sabe sobre o marido e os filhos. Alice passa o dia fora, trabalhando como manicure num salão de beleza. Há no filme situações que são mostradas explicitamente (um filho michê, o outro, ladrão, a foto ousada da menina encontrada na carteira do taxista) e outras que são vistas como possibilidades, como quando o filme demora no efeito da escuridão, usualmente utilizado para separar uma cena de outra, e que nos faz imaginar que existe uma relação incestuosa entre dois irmãos que dormem próximos um do outro. São apenas segundos, mas que faz a diferença. Se o filme adotasse a tela preta em tempo mais prolongado entre todas as cenas, como acontece em ESTRANHOS NO PARAÍSO, de Jim Jamursch, até que essa suspeita não viria à tona, mas como não é o caso...

Com relação às intenções do filme, de seu realizador, não saberia dizer quais seriam. Uma delas talvez seja mostrar as imperfeições e os pecados dos personagens, a fraqueza humana, restando ao espectador a opção de escolher encará-los com moralismo ou afeição, embora o fato de o filme adotar um registro semi-documental não o isente de adotar um posicionamento próprio, por mais ambíguo que ele pareça. De qualquer maneira, independente de seu aspecto moral, no que se refere às qualidades narrativas, o filme é ótimo.

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