quinta-feira, março 27, 2008

SOMBRAS DE GOYA (Goya's Ghosts)



Essa semana começou hardcore. Trabalhando os três expedientes (as aulas à noite começaram com todo gás) não tem dado mais tempo pra ver nenhum filme durante a semana. No máximo, dá pra ver um episódio de meia hora de uma série ou ler uma estória em quadrinhos antes de dormir. Pelo menos ainda tenho alguns títulos no estoque para manter o blog atualizado nos próximos dias, já que a última semana foi de descanso e de muitos filmes. Um que eu vi há mais de dez dias e que me causou muito boa impressão foi SOMBRAS DE GOYA (2006), o mais recente trabalho do sempre confiável cineasta tcheco Milos Forman.

Com uma excelente reconstituição de época e um elenco notável, o filme tem tudo para agradar gregos e troianos. Só pode não agradar muito os católicos xiitas. O destaque mais uma vez vai para Javier Bardem, como o odioso padre Lorenzo, membro da Inquisição, que na época do pintor Francisco Goya (Stellan Skarsgård) estava em momento mais "light", levando menos vítimas para a fogueira ou outros tipos de morte ainda mais cruéis. Apesar de defender o pintor, que quase entra para a lista negra dos inquisidores por causa de suas gravuras denunciadoras, o padre Lorenzo era adepto do retorno aos "bons tempos" da Inquisição, isto é, da "caça às bruxas". É nesse momento, que a bela Inés (Natalie Portman), depois de recusar um porco assado num jantar numa taberna, é "convidada" a comparecer a um interrogatório da Inquisição, sob a suspeita de ser uma judaizante. Inés era uma jovem cuja beleza havia inspirado Goya a pintar os rostos dos anjos nas igrejas.

Nessa situação, a família de Inés fica bastante preocupada quando depois de dias a pobre moça não volta mais para casa. Como os familiares de Inés são amigos de Francisco Goya, pedem-lhe que convide o padre Lorenzo para um almoço em sua casa e ainda oferem ao membro do clero uma bela "doação espontânea" para a Igreja em troca do retorno de sua filha, que a certa altura estava trancafiada num porão sujo, junto com outros "hereges", depois de ter sofrido tortura para que fosse arrancada uma confissão. O sentimento de revolta perante tal situação é inevitável e o ódio que eu já tenho pelo passado negro da Igreja Católica só foi potencializado durante a sessão. Por isso, a seqüência do almoço com o padre Lorenzo é uma de minhas favoritas de um filme que tem inúmeras seqüências memoráveis e empolgantes. Como a cena em que as tropas de Napoleão Bonaparte invadem a Espanha, depõem o Rei Carlos IV, parente do rei guilhotinado da França, e ainda tiram os poderes da Inquisição, ordenando a soltura de todos os prisioneiros, entre eles a jovem Inés, que já não era mais tão bela ou tão jovem, pois quinze anos já haviam se passado.

A estória não acaba por aí, embora eu suspeite que já tenha oferecido vários spoilers, mas como se trata de um filme que passou nos cinemas do sudeste no final do ano passado, muitos cinéfilos já tiveram o prazer de conferir essa obra, que serve não apenas como um excelente retrato histórico de um período, sendo, portanto, enriquecedor para o nosso conhecimento de História, como também é narrado com a sempre precisão de Milos Forman, que dessa vez conta com o auxílio do lendário roteirista Jean-Claude Carrière, antigo colaborador de Buñuel. Interessante que Francisco Goya, por mais que seja o protagonista da história - é pelos seus olhos que vemos o filme -, parece servir apenas como o elo de ligação para o espectador, pois ele evita interferir na política e na religião da Espanha, fazendo o possível para sobreviver e pintar as suas telas em paz. E por mais que reis cruéis sejam depostos, a tendência parece sempre ser a de que a crueldade e a vilanesa já fazem parte do espírito dos homens poderosos, tornando os mais fracos, os cidadãos comuns, meros peões, vítimas de suas atrocidades.

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