segunda-feira, março 24, 2008
NÃO ESTOU LÁ (I'm Not There)
Falar de NÃO ESTOU LÁ (2007) talvez seja tão difícil quanto falar de um filme de Godard, cineasta com quem, aliás, ele vem sendo comparado. E assim como vários filmes de Godard, a homenagem nada convencional que Todd Haynes preparou para seu ídolo Bob Dylan não é de fácil assimilação. Principalmente para quem não conhece nada do cantor e compositor. Mesmo para os que conhecem, algumas das personas do cantor e compositor talvez resultem confusas, se comparadas com fatos da sua vida. A maior vantagem de NÃO ESTOU LÁ em relação a VELVET GOLDMINE (1998), outro filme-homenagem do diretor, está justamente no fato de que David Bowie não cedeu os direitos de suas canções para o filme, o que resultou numa obra frustrante. Diferente de Bowie, até que Dylan foi bem gente fina com Haynes, dando liberdade para que o cineasta utilizasse suas canções não apenas em sua própria voz, nas gravações originais, mas também na voz de outros intérpretes.
Eu diria que as passagens do filme em que ouvimos o próprio Dylan cantando, enquanto vemos imagens passando na tela como num videoclipe (como em "I want you") são seqüências de puro prazer, que me deixaram mais relaxado e menos preocupado em tentar entender o quebra-cabeças temporal da história de Dylan. A escolha de seis intérpretes para o papel do cantor em diferentes momentos de sua vida foi muito feliz, mas ao mesmo tempo tornou o trabalho de Haynes bem irregular. O que era de se esperar. Eu, por exemplo, gostei muito das partes em que Cate Blanchett imita o Dylan num momento dos mais conturbados e revolucionários de sua carreira, que foi quando ele deixou de ser um tímido cantor de folk para se tornar um arrogante cantor de rock, o que assustou e revoltou centenas ou milhares de fãs do artista, que o acusavam de traidor. Tudo isso é mostrado no documentário NO DIRECTION HOME, de Martin Scorsese, mas ver Cate imitando Dylan num clima de filme de Fellini é muito divertido, com direito até à participação dos Beatles. Essa era a época em que Dylan estava viciado em anfetaminas, o que pode justificar a mudança drástica de personalidade, numa transformação tipo Dr. Jekyl e Mr. Hyde.
Também gostei bastante do Dylan personificado por Heath Ledger, nos anos 70, momento em que ele estava se separando da esposa e que possivelmente gerou o clássico e doloroso álbum "Blood on the Tracks". Já o Dylan vivido por Christian Bale é aquele pré-rock, das canções de protesto. Nessas seqüências, o filme se utiliza do recurso de pseudo-documentário, com Julianne Moore fazendo as vezes de Joan Baez, uma das mulheres que passaram pela vida de Dylan e que não agüentaram o tranco - ou foram deixadas de lado pelo artista de temperamento difícil. Por outro lado, não gostei da encarnação mirim de Dylan, nem da maneira enigmática como Dylan é mostrado, como um Billy the Kid velho (Richard Gere), numa referência clara ao western melancólico PAT GARRET & BILLY THE KID, no qual Dylan contribuiu com a trilha sonora. Já a pouca participação de Ben Wishaw, como o Dylan que adotou o nome do poeta Arthur Rimbau, não pareceu acrescentar muito ao coquetel de Haynes.
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