segunda-feira, março 31, 2008

A ESPIÃ (Zwartboek)



Como é bom ver novamente, depois de quase oito anos, um filme de Paul Verhoeven no cinema. Principalmente quando se trata de um trabalho tão prazeroso, empolgante e cheio de reviravoltas. É comum vermos filmes sobre a ocupação alemã na França ou na Itália, mas são poucos os que mostram a ocupação alemã na Holanda durante a Segunda Guerra e o esforço daqueles que fizeram parte da resistência. A trama de A ESPIÃ (2006) se inicia no ano de 1944, faltando ainda alguns meses para a rendição das tropas alemãs. O filme acompanha a trajetória de uma judia chamada Rachel (a bela Carice van Houten), que vive escondida na casa de uma família holandesa. Um dia, enquanto ela toma sol perto de um lago, ouvindo as então proibidas canções inglesas numa vitrola, um avião despeja uma bomba em plena casa onde ela mora, o seu esconderijo. Uma série de eventos e tragédias vai fazer com que ela trabalhe para um bloco da resistência e seja "convidada" a seduzir um oficial da SS, Ludwig Muntze (Sebastian Koch), com o objetivo de se infiltrar na Gestapo e trazer informações para o seu grupo, não importando até que ponto ela seria capaz de ir para ajudar a resistência e para vingar a sua família, morta pelos alemães.

Assim como ocorre em SOMBRAS DE GOYA, de Milos Forman, vemos em A ESPIÃ como as regras da sociedade se modificam e se adaptam a partir de eventos ocorridos, seja através da invasão ou da rendição de determinados povos em uma nação. Se há uma surpresa nesse novo trabalho de Verhoeven é a menor intenção em causar choque na audiência. Tanto que eu já estava achando que a platéia da sala em que assisti o filme, em sua maioria composta de senhoras, sairia do cinema chocada com a costumeira brutalidade do diretor. Claro que de vez em quando há sangue espirrando, nudez frontal, tanto masculina quanto feminina, e uma brutalidade acima do que se vê normalmente nos filmes de guerra. Porém, se compararmos com outros trabalhos de Verhoeven, até que ele pegou leve nesse filme.

O Cristianismo, mostrado quase sempre com um misto de desdém e reverência, é visto logo no início do filme, quando Rachel é obrigada a decorar um versículo da Bíblia para recitar para a família antes do almoço. Mas no fim das contas, como acontece em outros trabalhos do diretor, A ESPIÃ é sobre a luta pela sobrevivência. Não interessa se ela vai ter que fazer sexo com um oficial nazista, fingindo gostar dele. Aliás, o jogo de aparências, que também é outra das características do cinema do "holandês maluco" e que talvez tenha atingido o seu ápice em INSTINTO SELVAGEM (1992), nesse filme é mostrado com um toque ainda mais sutil e belo, já que a dissimulação e a sinceridade de Rachel, ou de Ellis - que é o nome que ela usa para se infiltrar na Gestapo - se confundem e nos surpreendem. E quem diria que de uma hora para a outra, passaríamos a simpatizar com um oficial da SS.

Uma das frases do filme que sintetiza não apenas essa obra em si mas quase toda a filmografia de Verhoeven ocorre quando Rachel/Ellis vai visitar um homem que poderia ajudá-la a sobreviver naquele mundo. Quando ela recebe um dinheiro para se manter durante mais ou menos um ano, o doador pergunta se ela não vai conferir a quantia. Ela responde: "não, eu confio no senhor". "Não confie em todo mundo, minha jovem", é mais ou menos o que ele diz a ela.

Agora eu fiquei ainda mais entusiasmado para ver SOLDADO DE LARANJA (1977) e para rever ROBOCOP (1987), duas das obras mais importantes da carreira de Verhoeven. Mas suspeito que A ESPIÃ aparecerá com freqüência entre os favoritos de muitos fãs do cineasta. Eu, inclusive. E desde já o filme é sério candidato ao posto de melhor do ano, na minha humilde opinião.

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