sexta-feira, março 14, 2008

AS DUAS INGLESAS E O AMOR (Les Deux Anglaises et le Continent / Les Deux Anglaises)



A ótima recepção que eu tive com A SEREIA DO MISSISSIPI (1969) fez com que eu voltasse a lembrar do quanto eu gosto de François Truffaut. Daí, aluguei AS DUAS INGLESAS E O AMOR (1971), que saiu em dvd pela Versátil, para dar prosseguimento ao pouco que resta dos filmes do diretor que falta eu conferir. Agora, por exemplo, ficam faltando apenas três filmes não vistos do cineasta, que infelizmente morreu cedo demais. Bem que poderia estar vivo e fazendo ainda ótimos filmes como seus colegas Chabrol, Godard, Rohmer e Rivette. Mas quis o destino que Truffaut tivesse uma vida curta. E talvez a sua aproximação com a morte e o seu apego aos mortos e aos livros e cartas demonstrado em seus trabalhos mais maduros já indicassem que a sua amiga morte estaria por perto.

Se AS DUAS INGLESAS E O AMOR não chega a ser tão mórbido quanto O QUARTO VERDE (1978) é porque isso seria praticamente impossível. Mas o filme é impregnado de um clima contemplativo diante da vida que beira à estranheza. Até mesmo nos momentos mais felizes os personagens parecem estar pouco à vontade. Apesar de ser, como JULES E JIM - UMA MULHER PARA DOIS (1961), uma adaptação de um romance de Henri-Pierre Roché, ao contrário do filme produzido dez anos antes, que transbordava alegria e desejo de viver, em AS DUAS INGLESAS E O AMOR há a vontade de viver, mas há uma aura mais pessimista, por mais que Truffaut negue. Os personagens, por mais que tentem ajustar suas vidas, alcançar o amor, ele (o amor) parece estar sempre escorrendo por suas mãos, seja por culpa do próprio temperamento dos personagens, seja por circunstâncias que poderiam ser evitadas com um maior esforço por parte dos envolvidos.

O filme parece ser dirigido por um diretor velho. E levando-se em consideração o fato de que Roché era um octogenário quando escreveu o livro, a adaptação de Truffaut segue bastante fiel, pelo menos na forma. No conteúdo, ele fez algumas modificações, tornando o filme mais trágico. A morte de uma das irmãs, ele diz que teve a idéia de fazer ao ler sobre as irmãs Brontë. Conta-se que Emily Brontë só aceitou receber a visita de um médico duas horas antes de morrer. E Truffaut achou por bem usar isso no filme. Truffaut também dá um aspecto mais seco e realista ao amor físico, descrevendo com certo naturalismo, por exemplo, o rompimento do hímen na cena de sexo de Claude (Jean-Pierre Léaud) e uma das irmãs. Há até um certo exagero na quantidade de sangue que é mostrada nos lençóis, mas tudo leva a crer que foi por razões puramente dramáticas. Sem falar que fica bonito a cor vermelha no cinema, por mais que Truffaut fosse, na época, um pouco resistente no uso das cores, por se julgar pouco capaz de criar texturas bonitas, como as que seu colega Godard conseguiu em O DEMÔNIO DAS ONZE HORAS. Para ele, a maioria dos filmes em cores tinha um aspecto feio.

Mesmo assim, a fotografia de AS DUAS INGLESAS E O AMOR, se não é das mais bonitas, tem uma aparência coerente com o clima do filme e com a época em que ele se passa (aparentemente fim do século XIX ou início do século XX). Tanto que para emular a época, Truffaut usou muitos fechamentos de íris, recurso bastante usado no cinema mudo e que nos anos 70 parecia algo antiquado. E por mais que não tenha ficado tão emocionado com esse filme quanto fiquei com A SEREIA DO MISSISSIPI, ainda o considero superior a JULES E JIM. E nem foi preciso Truffaut criar personagens de fácil simpatia. Do triângulo amoroso, quem eu mais gostei foi Ann, a personagem de Kika Markham. O personagem de Léaud tem algo de frio e contraditório que o distancia do público.

P.S.: Saiu a lista dos longas selecionados para a edição desse ano do Cine Ceará. E a julgar pelos títulos escolhidos, esse ano promete. A relação dos longas inclui: O GRÃO, de Petrus Cariry; OS DESAFINADOS, de Walter Lima Jr.; FALSA LOURA, de Carlos Reichenbach; NOSSA VIDA NÃO CABE NUM OPALA, de Reinaldo Pinheiro; e os estrangeiros TAMBOGRANDE, de Ernesto Cabellos (Peru); POSTALES DE LENINGRADO, de Mariana Rondon (Venezuela); SPECIAL CIRCUMSTANCES, de Marianne Teleki & Héctor Salgado (Chile-EUA); LAS VIDAS POSIBLES, de Sandra Gugliotta (Argentina); LUZ SILENCIOSA, de Carlos Reygadas (México); e VETE DE MI, de Víctor García León (Espanha).

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