segunda-feira, janeiro 06, 2014

PAIS & FILHOS (Soshite Chichi ni Naru)























Provavelmente o mais belo dos filmes de Hirokazu Koreeda, PAIS & FILHOS (2013) lida com uma situação mais realista do que a de outros filmes do diretor, como DEPOIS DA VIDA (1998) e O QUE EU MAIS DESEJO (2011), que utilizam registros fantásticos como forma de tornar mais poética a narrativa. Ainda assim, o ponto de partida não deixa de ser bastante inusitado: um casal que tem um garoto de seis anos de idade recebe a ligação do hospital em que o menino nasceu para saber que a criança foi trocada no dia do nascimento.

Diferente também de NINGUÉM PODE SABER (2004) e do já citado O QUE EU MAIS DESEJO, o novo filme de Koreeda, apesar de lidar com questões relacionadas à infância, tem como principal foco o sentimento dos pais em relação aos filhos. No caso, Ryota Nonomiya e sua esposa Midori Nonomiya sofrem com a possibilidade de ter que trocar o seu filho Keita por outro, ao mesmo tempo em que desejam ter o filho biológico consigo.

Quando fica sabendo que o filho que criou durante seis anos não é fruto do seu sangue, Ryota logo diz que agora tudo faz sentido: o garoto não apresenta o brilhantismo intelectual e a competitividade do pai. Emblemática a cena da apresentação de piano das crianças na escola, em que Keita toca muito mal e depois, ao ver uma colega sua tocando incrivelmente bem, o menino só faz um comentário: "ela é muito boa, não é?" O pai, irado, o repreende: "você não tem vergonha?".

Ao conhecerem a família que cuida de seu filho biológico, eles se surpreendem com a relativa pobreza em que vivem, comparado com o luxo que dispõem. Por outro lado, o outro pai é muito mais presente e brincalhão e há outras crianças para tornar o lar mais feliz. O que falta de luxo sobra de amor naquela família simples.

Porém, como acompanhamos o filme pelo ponto de vista da família Nonomiya, é mais fácil sentirmos a angústia deles. A ideia que Ryota tem é oferecer um bom dinheiro para a outra família para que possa ficar com a guarda das duas crianças. As coisas não são tão simples assim. E eles seguem a ideia do diretor do hospital, que sugere que as crianças aos poucos fiquem conhecendo a casa de seus pais biológicos para que a troca definitiva não seja traumática.

O filme utiliza uma trilha sonora com piano muito sensível, acentuando o clima triste, que se torna ainda mais para os Nonomiyas, quando percebem que se mostram menos capazes de dar amor aos pequenos do que aquele casal mais pobre e desajeitado. Um dos momentos mais tocantes é quando Ryota diz ao filho adotivo Keita que ele deveria ficar agora com o outro pai, que o ama muito. O menino pergunta: "ele me ama mais do que o senhor?". "Sim, mais do que eu", ele responde. É talvez o momento em que mais se instala o nó na garganta do espectador.

Como bom herdeiro de Yasujiro Ozu, Koreeda lida sempre em seus filmes com questões familiares. Acaba passando a impressão, junto com Ozu, de que a família é um elemento mais importante para os japoneses do que para outros povos, outras culturas. A própria religião japonesa, que valoriza e oferece culto aos ancestrais, mostrada algumas vezes em PAIS & FILHOS, é um exemplo dessa valorização, especialmente se compararmos com as religiões ocidentais. Mesmo os católicos, que têm o hábito de rezar pelos mortos, com o tempo acabam os esquecendo. E isso parece ser algo normal.

PAIS & FILHOS, ao ser exibido em Cannes em maio de 2013, era o filme mais cotado para a Palma de Ouro. Até pelo fato de o presidente do júri ser Steven Spielberg, cujos temas familiares lhe são muito caros. Tanto que Spielberg chegou a comprar os direitos de refilmagem para uma versão hollywoodiana. No entanto, quem acabou ganhando a Palma foi o drama erótico AZUL É A COR MAIS QUENTE. PAIS & FILHOS ficou com o Prêmio Especial do Júri, uma espécie de segundo lugar, uma menção honrosa. Não deixa de ser um prêmio bastante válido para uma obra tão bonita.

Ao falar sobre o dilaceramento de duas famílias, Koreeda também nos brinda com um filme sobre a valorização dos sentimentos familiares, especialmente quando a narrativa se encaminha para o final, o que só mostra o quanto Koreeda é devedor de Ozu. Curiosamente, Koreeda é filho de pai ausente e viveu a experiência de ser pai muito recentemente. PAIS & FILHOS também é um filme que tem um alcance comercial bem maior do que qualquer outro trabalho do diretor. A própria sinopse já é atraente o suficiente para chamar a atenção até mesmo de espectadores pouco atentos ao circuito alternativo.

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