segunda-feira, setembro 09, 2013

REPARE BEM























Na tarde de ontem, os espectadores do Cine Ceará tiveram o privilégio de conferir uma experiência poucas vezes vista: após o filme de Maria de Medeiros, REPARE BEM (2012), houve debate com a realizadora portuguesa e a ex-guerrilheira brasileira Denise Crispim, falando sobre o filme e principalmente sobre a vida, sobre a militância, sobre a necessidade de estar sempre lembrando o que aconteceu nos anos de chumbo.

O filme de Medeiros é extremamente simples em sua estrutura. Mas segundo a diretora isso é proposital. Ela teria achado um absurdo fazer um filme bonito e cheio de efeitos sobre um tema tão doloroso: o da morte do militante de esquerda Eduardo Leite, o Bacuri, nos porões da ditadura, com requintes de crueldade e selvageria. Medeiros teve a tarefa de arrancar da filha de Bacuri, Eduarda, e de sua viúva, Denise Crispim, as memórias daqueles dolorosos tempos, que ainda andam com elas, no presente, fazem parte do que elas são.

No registro de Medeiros, há apenas os depoimentos em plano americano e em close-up de Denise, na Itália, e de Eduarda, na Holanda. Hoje mãe e filha guardam diferenças, ao que parece pelo excesso de ideologia da mãe, que foi demais para a filha. Mas, ainda que as descrições comoventes e absurdas do que sofreu Bacuri nos anos em que passou preso até o dia de seu assassinato sejam narradas por Denise, é de Eduarda o momento mais comovente, a cena da camisa. A camisa do pai que ela guarda como uma das poucas coisas que lhe foram deixadas, já que ela não chegou a ver o pai vivo.

Não há em REPARE BEM nenhuma cena de arquivo, a não ser fotos de jornais da época, de uma época em que esses militantes eram pintados como bandidos. E não poderia ser diferente, já que a ditadura manipulava e censurava a imprensa. Seria difícil imaginar uma dramatização dessa história de maneira tão pungente como esta estrutura simples escolhida por Medeiros, utilizando as principais vítimas da morte de um homem que se foi cedo demais, aos 22 anos de idade.

Só mesmo um excelente diretor conseguiria transpor eficientemente a tragédia familiar de REPARE BEM para a ficção. Medeiros privilegia a palavra oral como elemento essencial do filme. E, claro, os rostos sofridos de mãe e filha, trazendo de volta feridas que nunca serão cicatrizadas. O debate, logo após a sessão, também foi uma excelente oportunidade para o público conversar diretamente com Denise e Medeiros. Houve espaço para o cinema na discussão, mas aqui, no caso, a vida real falou mais alto.


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