quarta-feira, junho 23, 2010

ATA-ME! (¡Átame!)



Na lenta peregrinação pela obra de Pedro Almodóvar, finalmente cheguei ao primeiro filme que vi do diretor no cinema: ATA-ME! (1990). Foi no extinto Cine Center Um (adorava aquela sala) e eu fiquei maravilhado especialmente com o visual do filme. E fiquei encantado com Victoria Abril. A atriz, com aquele vestidinho laranja e sem calcinha, mexeu comigo. E que sacana foi Almodóvar em criar aquele submarinozinho na cena da banheira, hein! A imagem de Victoria, de quatro com o vestido, no set de filmagens, era uma das fotos de publicidade do filme. Estampava a crítica que havia saído na revista Set e era um convite tentador. Saí do cinema cheio de boas recordações dos vários pontos altos do filme, mas ainda não era o filme de Almodóvar que me encantaria de verdade.

Diferente do que aconteceu com MULHERES À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS (1988), uma obra-prima que me deixou maravilhado recentemente com a revisão, ATA-ME! permaneceu para mim um trabalho menor do cineasta. Deixando claro que qualquer trabalho menor de Almodóvar é digno de toda a atenção. A feliz parceria com o diretor de fotografia José Luis Alcaine (MULHERES À BEIRA...) continua, mas na música ele contrata os serviços do lendário compositor italiano Ennio Morricone. É o primeiro sem Carmen Maura e o começo de uma parceria com Victoria Abril, que duraria três filmes seguidos. Victoria, em ATA-ME!, está no auge de sua forma física e beleza. E teve que se adaptar aos métodos de trabalho de Almodóvar. Tendo, inclusive, que dizer que amava alguém com a convicção que o diretor queria. Almodóvar meio que desprezava o método técnico empregado pelo Actor's Studio.

No começo, achei que o alter-ego de Almodóvar no filme fosse o personagem do velho cineasta, paralisado numa cadeira de rodas, vivido por Francisco Rabal. Em certo momento, ele diz que um filme pessoal é aquele que sai do seu coração ou do seu pau. Algo do tipo. Achei bem interessante o conceito. Mas no livro de entrevistas, "Conversas com Almodóvar", o diretor confessa que é o personagem de Banderas com quem ele mais se identifica. O diretor destaca a dificuldade que ele tem de provar ao outro que o ama, a insegurança, a carência afetiva, características bem presentes em Ricki, o ladrão perturbado que recebe alta do hospital psiquiátrico e sequestra Marina (Abril), ex-atriz pornô e toxicômana. Completamente sem noção, mas com um método que até pode conquistar algumas mulheres, ele sequestra Marina e a deixa amarrada na cama, quando sai para comprar comida ou drogas para ela.

Diria que a cena mais bela do filme é o momento em que os dois fazem amor. Almodóvar prefere explorar os sentimentos, captando a expressão de alegria e prazer do casal em closes, em vez de destacar os corpos ou cenas de nudez mais explícitas. Algo me passou pela cabeça na primeira vez que Ricki e Marina dormem na mesma cama. Ela estava amarrada. Ele poderia se aproveitar disso e pegá-la contra a sua vontade. E isso é algo que é explorado de certa maneira em FALE COM ELA (2002). Mas Ricki pensa que poderia gozar. Vê isso como empecilho. [Lembrando novamente de outro filme, a ejaculação é exposta de maneira bem explícita numa das cenas mais memoráveis de KIKA (1993)]. O final feliz, dentro do carro, é outro momento antológico. Talvez o final mais memorável dos filmes de Almodóvar, justamente por ser feliz. Por não ter aquela melancolia carregada dos melodramas e das canções trágicas que tanto caracterizaram as obras anteriores.

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