segunda-feira, abril 26, 2010

A ESTRADA (The Road)























Talvez nunca se tenha visto tanto cinza antes no cinema. O que contrasta o cinza reinante daquele mundo sem vida - até a lata de Coca-Cola encontrada na máquina aparece impregnada de pó - são os flashbacks que se misturam com os sonhos do protagonista, um Viggo Mortensen quase esquelético. A ESTRADA (2009) é mais um filme pós-apocalíptico, que a exemplo de O LIVRO DE ELI, mostra o mundo habitado apenas por alguns poucos sobreviventes. Mas ao contrário do tom mais esperançoso e das cenas de ação da obra dos irmãos Hughes, o diretor autraliano John Hillcoat opta por uma atmosfera de decadência e depressão intensa e constante. No mundo do filme, a maioria das pessoas que sobreviveram optaram pelo suicídio. E o tirar a própria vida está sempre presente como uma opção compreensível e aceitável, diante das circunstâncias. Numa cena, o pai (Mortensen) ensina ao filho como dar um tiro corretamente na própria boca, a fim de aproveitarem as únicas duas balas que lhes restam.

A primeira imagem do filme é o rosto de Charlize Theron. Naquele momento, ela está grávida e ouve algo vindo do lado de fora da casa, onde só se vê escuridão. O marido acorda desse sonho, que se confunde com as memórias. Sonhos e memórias são da mesma família, afinal. O que é mais doloroso? Ver a rotina de luta por sobrevivência de pai e filho sozinhos em busca de comida e rumando para o litoral sul, onde talvez ainda haja alguma vida, ou ver os poucos momentos de angústia intensos onde aparece Charlize Theron? Enquanto isso, pai e filho precisam lidar com homens hostis, alguns deles adeptos do canibalismo, prática comum em tempos desesperadores, de falta de comida. O interessante é que em momento algum o filme conta como foi que se deu a destruição do planeta. O que, de certa forma, contribui para o filme, dando-lhe um ar misterioso e instigante.

O silêncio muitas vezes predomina, assim como em outra grande obra adaptada de Cormac McCarthy (ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ), mas há também a trilha sonora melancólica de Nick Cave e Warren Ellis, que torna o drama dos personagens ainda mais angustiante. O personagem de Mortensen impressiona pela obstinação, pela busca pela sobrevivência a qualquer custo, por mais que a fome doa até a alma e o corpo fragilizado por uma doença seja mais um empecilho. As imagens do passado que teimam em voltar são mais um tormento do que um alento. Uma cena, por exemplo, como a que mostra ele tocando as pernas de Charlize num teatro são um exemplo de um momento especial que a vida um dia pôde proporcionar. Por isso, quando o garoto diz que gostaria de estar com a mãe, ele fala que o menino não deveria ficar pensando nessas coisas. É seguir em frente, esquecer o passado e olhar para o futuro. Ele, muito mais do que o garoto, sabe o que perdeu.

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