quarta-feira, julho 29, 2020

A PORTUGUESA

De vez em quando assisto algo que sinto tanta dificuldade de explicar em palavras que simplesmente travo. Por mais que tentasse escrever um texto através de recursos mais impressionistas, a dúvida sobre quem é a artista que fez aquilo que eu acabara de ver seguiu presente. Foi o caso de A PORTUGUESA (2018), de Rita Azevedo Gomes, dessas obras tão plasticamente bonitas que logo nos faz lembrar da falta da telona. Foi uma obra feita para ser vista na tela grande do cinema, inclusive pela pouca utilização de close-ups e pelo detalhismo em cada elemento colocado em cena, sejam coisas, pessoas ou animais.

O que andam dizendo por aí, de que o filme é como uma pintura em movimento, faz sim muito sentido. Inclusive, eu diria que A PORTUGUESA está muito mais próximo da pintura do que das irmãs mais próximas do cinema, como o teatro e a literatura. As cores importam, seja o vermelho do cabelo da protagonista, a portuguesa cujo nome nunca é dito, sejam as cores das paredes ou da própria natureza, ora o verde vicejante das folhas, ora o branco da cena em que a portuguesa e uma amiga conversam e começa a nevar.

O clima de sonho está presente na essência do filme, e muito disso talvez se deva ao próprio universo criado pela protagonista quando da ausência do marido, que passa anos guerreando e volta para casa principalmente quando está ferido. Ele mesmo explicita que sua relação com a guerra é muito longa e mais apaixonante do que com a própria esposa, a quem conhece há menos tempo.

O que pode incomodar um pouco na experiência do filme de Rita Azevedo Gomes talvez seja justamente porque a telinha não dá conta de tanta beleza, de tanta densidade, de tanto detalhismo durante mais de duas horas de duração. Além do mais, não temos aqui uma narrativa convencional, não há uma pressa em contar uma história. Por vezes, pouco importa se há uma história. As imagens importam muito mais. A direção de fotografia está a cargo do mestre Acácio de Almeida, que tem um currículo muito extenso desde a década de 1960. Algumas obras mais recentes cuja fotografia ele dirigiu e que se destacam são COLO, de Teresa Villaverde, e RAIVA, de Sérgio Tréfaut, além de colaborações com a própria Rita Azevedo Gomes.

Na trama, Clara Riedenstein (“John From”) vive a portuguesa do título, uma mulher de beleza pré-rafaelita e ar independente para a época, que se casa com Herren von Ketten (Marcello Urgeghe), austríaco que, durante a Era Moderna, luta contra o Episcopado de Trento. Baseada num conto de Robert Musil, publicado em 1924, a história se passa principalmente no Norte da Itália, onde fica o castelo que a portuguesa transforma em lar durante a ausência do marido. Mas não há muita clareza sobre o período histórico, situado entre os séculos 16 e 17, quando a geografia da Europa ainda era muito diferente, o que parece deliberado porque a diretora embaraça a cronologia com referências anacrônicas de música e literatura.

Mas isso não chega a ser tão importante. A principal pergunta que eu faço, na verdade, é: quem é Rita Azevedo Gomes? Venho notado a maior observação do trabalho desta diretora por parte de certo círculo de críticos mais estudiosos. Sérgio Alpendre, por exemplo, a colocou entre as mais importantes cineastas da década. Em sua lista de 20 favoritos dos anos 2010, há uma predominância de filmes portugueses, sendo dois de Azevedo Gomes: A VINGANÇA DE UMA MULHER (2012), em primeira posição, e este A PORTUGUESA, em vigésima.

Quanto às comparações que têm sido feitas da cineasta com Manoel de Oliveira, talvez esteja mais em alguma semelhança com o uso de planos-sequência longos e diálogos mais lentos. Mas isso não é exclusividade de Oliveira. De todo modo, Gomes chegou a trabalhar com o diretor centenário em FRANCISCA (1981), como figurinista. Nota-se, assim, que a aproximação da cineasta com o cuidado com a imagem, seja de roupas ou de qualquer elemento de cena, já remonta de algum tempo. Sobre a pergunta sobre quem é a cineasta, melhor deixar para ir respondendo à medida que for conhecendo melhor sua obra.

+ TRÊS FILMES

TRÊS IRMÃOS

Acho que nunca tinha visto um filme português que representasse tão bem a tristeza profunda do espírito lusitano, tão bem notado na poesia e na música, o fado. Talvez o mais próximo disso tenha sido num dos filmes mais recentes de Teresa Villaverde, COLO (2017), que além de tudo tem um trabalho com as cores maravilhoso. Ver este aqui, numa cópia mais ou menos ruim, em vhsrip, diminui um bocado do impacto das cores, mas as emoções, o fato de os personagens (também uma família pobre e à deriva) serem tão tristes, desesperançados e cheios de desespero até combinam com uma imagem mais escura. Quero ver mais filmes da Teresa Villaverde, mas antes preciso me recuperar deste aqui. Ano: 1994.

A BELA E A FERA (Beauty and the Beast)

Pra quem estava morrendo de preguiça de ver o filme e quis logo ver para "se livrar logo", até que lá pelo meio A BELA E A FERA me conquistou. Principalmente quando começa a parte da relação entre os dois no castelo. No mais, é um dos filmes mais cafonas da Disney, mas também mais ousados em tratar a questão do empoderamento feminino e da homossexualidade. Emma Watson contribui para trazer interesse para o filme. Encantadora. Direção: Bill Condon. Ano: 2017.

ESPERANDO ACORDADA (Les Chaises Musicales)

Trata-se de uma comédia romântica sem muita força, mas Isabelle Carré é uma graça e o filme é simpático e leve. Na trama, a atriz é uma violinista amadora que ganha a vida tocando em festas de aniversário de crianças e em lares para idosos. A caminho de um evento para o qual foi contratada, ela se perde, e, ao pedir ajuda, ela acidentalmente provoca um acidente e foge. No dia seguinte ela descobre que o homem está no hospital, em coma. Direção: Marie Belhomme. Ano: 2015.

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